Escrito
por Andreas Marquart
O atual sistema
monetário é baseado em um monopólio estatal de uma moeda puramente
fiduciária. O dinheiro é criado monopolisticamente pelo Banco Central e é
em seguida entregue ao sistema bancário. O sistema bancário, por sua vez,
por meio da prática das reservas fracionárias, se encarrega de multiplicar este
dinheiro (eletronicamente) por meio da expansão do crédito. Falando mais
diretamente, o dinheiro criado pelo Banco Central é multiplicado pelo sistema
bancário e entra na economia por meio do endividamento de pessoas e empresas.
Ao analisarmos os
negativos efeitos sociais e políticos deste arranjo, a seguinte pergunta tem de
ser feita: onde estão as manifestações dos defensores e apologistas da justiça
social contra este arranjo fiduciário que destrói o poder de compra dos
poupadores e aumenta as desigualdades? Por que não ouvimos clamores de
políticos e sociólogos — que juram ter em mente o bem-estar geral da população
— contra o crédito fácil?
Presumivelmente, a
resposta é que todos eles possuem apenas um conhecimento rudimentar sobre a
função do dinheiro em uma economia baseada na divisão do trabalho; e, por esse
motivo, as consequências de um sistema monetário baseado em uma moeda
fiduciária são por eles amplamente desconsideradas.
O atual sistema monetário,
formado por um sistema bancário que pratica reservas fracionárias e por bancos
centrais que protegem e dão sustentação a este sistema, está em franco
contraste a um regime monetário de uma economia genuinamente de mercado, na
qual os participantes do mercado poderiam decidir por conta própria, sem a
pressão e a coerção do estado, qual dinheiro eles gostariam de utilizar, e na
qual não seria possível a ninguém criar dinheiro a seu bel-prazer.
Essa expansão da
oferta monetária feita pelos bancos centrais e pelo sistema bancário de
reservas fracionárias é o que realmente gera a inflação de preços e, por
conseguinte, um declínio na renda das pessoas em termos reais. Em seu livro The Theory of Money
and Credit, Ludwig von Mises escreveu:
A mais importante causa de uma diminuição no valor
do dinheiro é um aumento na quantidade deste dinheiro sem um simultâneo e igual
aumento na demanda por ele. ... Esta menor valoração subjetiva do dinheiro é
então transmitida de pessoa a pessoa, pois aqueles que passam a ganhar uma
quantidade adicional de dinheiro se tornam propensos a consentir em pagar
preços mais altos do que antes.
Quando os preços
aumentam em decorrência de uma expansão da oferta monetária, os preços dos
vários bens e serviços não aumentam com a mesma intensidade, e também não
aumentam ao mesmo tempo. Mises explica
os efeitos:
A quantia adicional de dinheiro que entra na
economia não vai parar diretamente nos bolsos de todos os indivíduos;
e dentre os beneficiados que recebem primeiramente essa nova quantia, nem todos
recebem a mesma quantia e nem todos reagem da mesma forma à mesma quantia que
recebem. Aqueles primeiros beneficiados têm agora um efetivo em caixa
maior do que antes, o que os permite ofertar mais dinheiro no mercado em troca
dos bens e serviços que desejam adquirir.
Essa quantia adicional de dinheiro que eles ofertam
no mercado pressiona os preços e salários para cima. Mas não são todos os
preços e salários que sobem; apenas os desses setores que primeiro receberam o
novo dinheiro em troca de seus bens e serviços. E mesmo esses preços e
salários que subiram, não sobem no mesmo grau. Por exemplo, se o dinheiro
adicional for gasto com obras públicas, apenas os preços de algumas mercadorias
e apenas os salários de alguns tipos de trabalho irão subir, sendo que os de
outras áreas irão permanecer inalterados ou podem até mesmo cair
temporariamente.[...]
Assim, as mudanças nos preços em consequência da
inflação começam apenas com algumas mercadorias e serviços, e depois vão se
difundindo mais vagarosamente de um grupo para outro. Leva-se tempo até
que essa quantia adicional de dinheiro tenha perpassado toda a economia e
exaurido todas as possibilidades de mudanças de preço. Mas, mesmo ao
final do processo, os vários bens e serviços da economia não foram afetados no
mesmo grau. Esse processo de progressiva depreciação monetária alterou a
renda e a riqueza dos diferentes grupos sociais.[...]Aqueles que estão vendendo
mercadorias ou serviços cujos preços são os primeiros a subir poderão, em
decorrência desse fenômeno, utilizar seus maiores proventos para adquirir o que
quiserem a preços que ainda não se alteraram. Esses são os indivíduos que
tiveram um ganho de riqueza. Por outro lado, aqueles que são os últimos a
receber esse novo dinheiro estarão vendendo mercadorias ou serviços a preços
ainda inalterados. Esses indivíduos ainda não obtiveram nenhum ganho de
renda. Contudo, esses mesmos indivíduos agora têm de comprar as outras
mercadorias e serviços a preços mais altos. Esses são os indivíduos que
perderam riqueza.
Ou seja: os primeiros a receber o novo dinheiro
obtiveram ganhos específicos; eles são os exploradores. Os últimos a
receber o novo dinheiro são os perdedores, os explorados, de cujos bolsos saem
os ganhos extras obtidos pelos exploradores. Enquanto durar o processo de
inflação, estará havendo uma alteração contínua na renda e na riqueza dos
indivíduos. Um grupo social ganha à custa de outros. Quando todas
as alterações de preços em decorrência da inflação estiverem consumadas,
pode-se dizer que ocorreu uma transferência de riqueza entre os grupos
sociais. Há agora no sistema econômico uma nova dispersão de riqueza e
renda.
Com efeito, caso o
preço da mão-de-obra de um trabalhador (isto é, seu salário) aumente a uma taxa
menor do que o aumento do preço dos alimentos ou do aluguel, é possível ver
como essa alteração na relação entre renda e preços dos bens e serviços pode
empobrecer vários trabalhadores e consumidores.
Uma inflação da
oferta monetária pode gerar empobrecimento e desigualdade de renda de variadas
maneiras:
1. O Efeito
Cantillon
A distribuição
desigual desta inflação de preços é conhecida como 'Efeito Cantillon'.
Aqueles que recebem o dinheiro recém-criado antes de todo o resto da sociedade
(primordialmente o governo federal, mas também algumas grandes empresas e grandes
magnatas que querem especular no mercado de ações) são os beneficiários de uma
política de crédito fácil. Eles podem fazer compras com este novo
dinheiro a preços que ainda não se alteraram. Já aqueles que obtêm este
dinheiro por último, ou que nem sequer o recebem, são os prejudicados
(assalariados, aposentados e pensionistas). Eles terão de se virar
comprando bens e serviços a preços que, durante este ínterim, subiram, sem que
suas rendas também tenham subido.
2. Inflação de
preços de ativos
Grandes
investidores e especuladores podem diversificar seus investimentos e seus
ativos; consequentemente, eles estão em posição de investir em ativos tangíveis
como ações, imóveis e metais preciosos. Quando os preços desses ativos
aumentam em decorrência da expansão da oferta monetária, os detentores destes
ativos se beneficiam, uma vez que seus ativos ganham valor. Logo, os
detentores destes ativos se tornam mais ricos ao passo que as pessoas que detêm
poucos ativos ou nenhum ativo irão, respectivamente, ganhar menos ou
absolutamente nada com estes aumentos de preços.
3. O mercado de
crédito amplifica os efeitos
Os efeitos de uma
inflação dos preços dos ativos podem ser amplificados pelo mercado de
crédito. Aqueles que possuem uma renda alta podem conseguir empréstimos
volumosos dos bancos para adquirir, por exemplo, imóveis. Já aqueles que
possuem uma renda pequena tendem a ser rejeitados pelos bancos, por medo de
calotes. Se os preços dos imóveis aumentarem por causa da expansão da
oferta monetária, eles irão lucrar com estes aumentos de preços, e a
disparidade de renda entre ricos e pobres aumentará ainda mais.
4. Ciclos
econômicos e desemprego
A causa direta do
desemprego é a inflexibilidade do mercado de trabalho gerada pela interferência
estatal, como leis trabalhistas rígidas, altos encargos sociais e trabalhistas,
e sindicatos poderosos. Já uma causa indireta do desemprego é a expansão
do crédito, que gera crescimentos econômicos ilusórios e
investimentos insensatos. Especialmente em economias com mercados de
trabalho inflexíveis, como as europeias, quando estes investimentos
errôneos se tornam evidentes e a economia entra em recessão, as consequências
finais são um grande aumento no desemprego e a perpetuação deste alto
desemprego, algo que é sentido mais severamente por pessoas de baixa renda.
O estado continua a
se expandir
Tão logo as
desigualdades de renda e de distribuição de ativos começam a aumentar, os
defensores e apologistas da justiça social se tornam ainda mais histéricos em
seus protestos, sem saber (ou sem dizer) que é o próprio estado — com seu
sistema monetário monopolista — o responsável pelas condições descritas.
Trata-se de um
"modelo organizacional" pérfido, no qual o estado cria a desigualdade
social por meio de seu sistema monetário monopolista, divide a sociedade em
pobres e ricos, e torna as pessoas dependentes do assistencialismo. Para "remediar"
este arranjo, ele intervém criando regulamentações e políticas redistributivas,
tudo para justificar a sua existência. O economista alemão Roland Baader observou que:
A casta política
tem constantemente de provar a necessidade de sua existência, e ela faz isso
implementando seguidamente novas políticas. No entanto, dado que tudo o
que ela faz apenas piora as coisas, a única solução é estar continuamente
inventando novas reformas — ou seja, ela tem de estar sempre fazendo algo, pois
já fez alguma coisa antes. Ela não teria de fazer nada caso não
houvesse feito nada anteriormente. Se apenas soubéssemos o que poderíamos
fazer para impedir que ela saia fazendo coisas...
O estado até mesmo
explora as incertezas da população quanto aos reais motivos da crescente
desigualdade de renda e de distribuição de riqueza. Por exemplo, o Quarto Relatório sobre Pobreza e Riqueza do
governo alemão afirma que, desde 2002, a nítida maioria do povo alemão defende
a implantação de medidas para reduzir as diferenças de renda.
Conclusão
O sistema monetário
dominante está no cerne da crescente desigualdade de renda que observamos na
maioria dos países atuais. Não obstante, o estado continua aumentando seu
poder com a desculpa de estar justamente domando o sistema de mercado que supostamente
gerou esta desigualdade e este empobrecimento relativo criados pelo estado e
seus aliados.
Se aqueles que
alegam estar falando em nome da justiça social nada fizerem para protestar
contra isso, seu silêncio pode ser interpretado de apenas duas maneiras: ou
eles não entendem absolutamente nada sobre como funciona o atual sistema
monetário, o que significa que eles nunca se interessaram em pesquisar e
estudar sobre o assunto; ou eles de fato leram, estudaram e entenderam
perfeitamente bem, o que significa que eles estão ignorando de maneira cínica
uma grande fonte de desigualdade e pobreza simplesmente porque provavelmente
estão se beneficiando deste sistema.
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