por David Stove
Nas sociedades humanas, pelo menos nas
grandes e ricas como a nossa, há uma complexidade incomparavelmente maior à dos
aparelhos de TV e na verdade ninguém a entende bem o suficiente para
consertá-la ou melhorá-la.
Devem existir bons argumentos para
ser anti-conservador em circunstâncias particulares. Mas há algum bom argumento
para ser anti-conservador em todas as circunstâncias? Se existissem, eles
teriam manifestadamente a necessidade de serem argumentos universais:
universais o bastante para serem filosóficos, ou pelo menos para ser alvo de
interesse dos filósofos.
Tem se usado apenas um argumento
demasiadamente universal para o anti-conservadorismo – até onde eu sei – e não
é um muito bom. Esse foi um argumento tão cogitado, que dificilmente qualquer
um nos últimos 150 anos levantou-o por educação, de modo que ele já perdeu toda
a sua influência. Eu o chamo de “Todos riram do argumento de Cristóvão
Colombo”, chamemos pelo nome mais curto “O argumento de Colombo”. Eis como é
composto esse argumento: “Em quase toda a história da humanidade, pessoas que
trouxeram inovações, fossem elas de crença ou de comportamento, encontraram
hostilidade. Morte, perseguição, prisão, ou no melhor dos casos, a negligência;
essas foram as recompensas mais comuns pelos seus esforços. Sejam quais forem
as melhoras efetivamente realizadas na vida humana, sejam nas nossas opiniões
ou nas nossas práticas, elas sempre dependeram, e sempre vão depender, de um
inovador em primeiro lugar. Nós devemos, portanto, não apenas tolerar, mas
receber de braços abertos os inovadores”.
A origem da argumentação remonta a
Sócrates, quando no julgamento que lhe tirou a vida, ele mereceu na verdade,
não a morte, mas uma pensão vitalícia do Estado pelo estímulo intelectual e
moral gerado na ocasião. Mas o locus classicus moderno é, sem dúvida, o
ensaio On Liberty (1859) de John Stuart Mill. E a forma que Mill deu ao
argumento (que é essencialmente a mesma dada acima) se alastrou pelo mundo. A
cada dia que se passou desde a publicação de Mill, foi um dia em que a
publicação se tornou mais influente. Na dissolução intelectual e moral do
Ocidente no século XX, todos os passos dados dependeram dos conservadores serem
desarmados – em algum ponto crítico – pelo argumento de Colombo: ele foi usado
pelos revolucionários ao reivindicarem que qualquer resistência tida contra
eles era apenas outra instância da imerecida hostilidade pela qual os
inovadores benéficos passaram tão frequentemente no passado.
O ensaio de Mill não ficou sem
resposta durante sua época. Alguns conservadores viram de modo suficientemente
claro tanto a periculosidade como a fraqueza do argumento de Colombo. A melhor
resposta ao ensaio On Liberty foi o livro Liberty, Equality,
Fraternity (1878) de J. F. Stephen (irmão de Leslie Stephen, portanto o tio
de Virginia Woolf). O desafio foi muito desigual intelectualmente: Stephen fez
picadinho de Mill. Mas historicamente, seu livro sumiu sem deixar rastros,
enquanto o ensaio de Mill continuou a conquistar espaço dia após dia.
Nós não precisamos de livros para nos
dizer o quão perigoso o argumento de Colombo é: nós temos como professor a
autoridade muito maior da experiência – expériences nombreuses et funestes
(como Laplace disse em outra ocasião). Pois “Todos eles riram de Cristóvão
Colombo” levou a uma transição – tanto natural como racional – a “É uma
proposta ultrajante, mas nós certamente vamos considerá-la”. Isso se
transpassou naturalmente o bastante para “Nós devemos considerá-la porque é uma
proposta ultrajante”. Em consequência, isso nos trouxe a incontrolável
violência e irracionalidade como pôde ser vista nos países livres em 1987.
Pessoas que se renderam, em suas próprias mentes, ao direito de ridicularizar
as ideias mais absurdas, ou a reprimir as condutas mais depravadas, são (como
se diz de modo vulgar na Austrália) história.
Quanto à fraqueza do argumento de
Colombo, é algo perfeitamente flagrante. Sem dúvida é verdade que, para cada
mudança para melhor que venha a acontecer, seja em pensamento ou em prática,
primeiro alguém teve de embarcar em uma nova empreitada. Mas é igualmente
verdade que primeiro alguém teve de embarcar em uma nova empreitada para que
qualquer mudança para pior também viesse a acontecer. E devem ter pelo menos
tantas propostas que foram ou tem sido para pior quanto aquelas que foram ou
têm sido para o bem. Mas se as más inovações do passado têm sido tão comum
quanto as boas, então nós temos pelo menos o mesmo tanto de razão para concluir
que nós devemos desencorajar os inovadores no futuro tanto quanto devemos
concluir que temos o dever de encorajá-los.
Como pode um argumento tão fácil de
responder alguma vez se impor sobre pessoas inteligentes? Fácil. É simplesmente
uma questão de se certificar de fazer o que Wittgenstein em outra ocasião
chamou de uma dieta unilateral de exemplos. Não mencione os inovadores do
passado a menos que tenham sido ‘inovadores-para-melhor’. Atenha-se
interminavelmente aos exemplos de Colombo, Copérnico, Galileu, Bruno, Sócrates
e (se você achar que eles vão dar conta) Jesus. Esconda o fato de que deve ter
existido pelo menos um ‘inovador-para-pior’ para cada um desses
(sobrecarregados) homens de bem. Nunca mencione Lênin ou Pol Pot, Marx ou
Hegel, Robespierre ou o Marquês de Sade, ou os gênios esquecidos a quem a
humanidade está em débito pelas incontáveis teorias insanas que jamais tiveram
continuidade na astronomia, geologia ou biologia. Não há fraqueza no argumento
de Colombo que não possa ser mais do que compensada por uma suficientemente
tendenciosa escolha de exemplos.
Na verdade, com certeza os
‘inovadores-para-pior’ foram sempre muito mais numerosos que os
‘inovadores-para-melhor’: eles sempre devem ser. Considere primeiramente o lado
prático. Você entende os aparelhos de televisão bem o bastante para consertar
os quebrados ou os que não estão funcionando bem? Provavelmente não: poucos
conhecem. E se você, sendo parte da maioria, mesmo assim tentar consertar ou
melhorar um aparelho de televisão problemático, há apenas uma chance em um
milhão, por conta da complexidade do aparelho, que você não vá deixar o
aparelho pior do que já estava. Agora nas sociedades humanas, pelo menos nas
grandes e ricas como a nossa, há uma complexidade incomparavelmente maior à dos
aparelhos de TV e na verdade ninguém a entende bem o suficiente para
consertá-la ou melhorá-la. Em qualquer reivindicação feita em favor de um
‘consertador’ de sociedades, há de se saber que não há esse tipo de gente como
há os consertadores de aparelhos de TV. Então, se alguém começar a tentar a
praticar uma nova ideia de conserto ou melhora de sociedade, é uma chance em um
bilhão que ele não vá de fato tornar as coisas piores se ele tentar muda-las. É
evidente a existência da possibilidade de tornar as coisas melhor, mas isso é
trivialmente verdade: assim como é possível, apesar de tudo, um furioso chute
no seu aparelho de TV consertá-lo.
O mesmo vale para as inovações em
crenças, pelo menos em ciências como a física e a química; pois essas são
estruturas intelectuais de um tamanho e riqueza comparável às nossas estruturas
sociais. Mesmo lá, é claro, é sempre possível que um herético ou amador esteja
certo e o establishment científico esteja errado. Mas essa possibilidade
é baixa, como eu apontei: a coisa é extremamente improvável, isso é tudo, e
você seria extremamente irracional se acreditasse em qualquer caso do tipo. Físicos
e químicos justamente tentam, portanto, manter uma organização profissional e
um anteparo feito para excluir o crescente número de pretensos a Colombo cujas
cartas começam com “Eu não tenho uma graduação científica, mas…”.
Nas ciências menos avançadas,
evidentemente, a situação é proporcionalmente diferente. E quando você desce o
nível para os repulsivos pardieiros, tais como a sociologia e a antropologia se
tornaram, a situação é completamente oposta. Lá, qualquer inovação deve ser
para melhor, e o mais absoluto amador, se ele puder pôr o pé na porta, já basta
para ele se impor entre os demais, moralmente é claro, e até mesmo
intelectualmente.
Em On Liberty Mill recorreu a
mais ampla variedade daquilo que ele escolheu chamar “experimentos em vida”. A
expressão foi uma tentativa repugnantemente desonesta de capturar parte do
merecido prestígio da ciência das coisas que não tem a mais remota conexão com
a ciência; principalmente – preciso dizer? – certos arranjos sexuais e
domésticos de um então tipo de novela. Algumas respeitáveis pessoas o deixaram
de lado por conta da sua irregular associação com a Sra. Harriet Taylor e Mill
pensou que isso foi uma amostra da necessidade de uma nova, e mais aberta,
filosofia de vida. Não é muito mais que isso; ele provavelmente ficaria
horrorizado mesmo com algo como a Comunidade de Oneida.
No entanto, apenas sessenta e poucos
anos antes de Mill ter escrito On Liberty, alguns mais graves
“experimentos em vida” foram realizados na França por ‘Babeufs’ e ‘Robespierres’.
E mesmo quando ele escreveu o ensaio, os ‘Marxes’, ‘Bakunins’, etc., estavam
enchendo a Europa com seus anúncios de um muito mais drástico “experimento em
vida” que eles estavam preparando. É negligente dizer que Mill não poderia ter
previsto o significado dessas coisas; outras pessoas puderam e previram o que
essas coisas significavam, e ninguém na Inglaterra sabia melhor o que estava
acontecendo na Europa do que Mill sabia. Quanto mais ele viveu, mais seus
escritos trabalharam em favor dos “experimentos” socialistas, mesmo quando
(como no caso do On Liberty) não era a intenção.
Eis aqui então uma curiosa sequência
de eventos. Um filósofo publica um argumento em favor do acolhimento das
inovações. Esse argumento é tão ruim que, por si só, dificilmente enganaria uma
criança de dez anos. Suplementado, porém, por uma tendenciosa seleção de
exemplos, esse argumento se espalha pelo mundo e faz mais que qualquer outra
coisa para trazer a presente dissolução interna e a irresolução externa dos
países livres.
E ainda há pessoas acreditando que
filósofos e truques baratos não têm importância.
Tradução: Leonildo Trombela Junior
Fonte: Mídia sem Máscara
Veja aqui: Erros
de correção por David Stove
Demolition of fashionable fallacies
Edited by Andrew Irvine - With a preface by Roger
Kimball
(Piscataway, New Jersey: Transaction Books, 2002)
Hardcover: 185 pages
ISBN: 9780765801364
RRP: AUD$69.90
Available at News Weekly Books
Reviewed by Peter Barclay, PhD
Australian philosopher David Stove died in 1994, This
book is a collection of essays, many of which have some connection with the
Enlightenment. It is not a history of the Enlightenment, but a perceptive
assessment of some of its ideas.
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