Por Peter J. Hill
Um homem
gloriosamente barbeado, com um bigode bem aparado, está em um bar rústico
sentado a uma mesa jogando baralho e rodeado por cowboys e prostitutas de faces
surpreendentemente puras. Ele retira os olhos de suas cartas, olha para o
homem defronte a ele e percebe que este está escondendo uma carta extra na
manga. Enfurecido, o do bigode aponta a trapaça, chama o oponente de
covarde e safado, e o desafia para um duelo do lado de fora da taverna.
Segundos depois,
ambos já estão na praça da cidade, um de frente para o outro a uns 20 metros de
distância. Há um longo momento de pausa e silêncio. Repentinamente,
o trapaceiro leva sua mão até o seu coldre em sua cintura, mas não é rápido o
bastante. Veloz como um raio, o bigodudo saca seu revólver e, com um só
disparo certeiro, coloca uma bala entre os olhos do trapaceiro.
Os cowboys e as
prostituas que assistiam ao espetáculo voltam para o bar e para seus drinques,
totalmente acostumados a ver rotineiramente esse tipo de violência
aleatória. O homem do bigode, indiferente a tudo, rodopia seu revólver
com seu dedo indicador e diz: "Este foi seu último blefe". E
volta para o bar cheio de moral, e com várias prostitutas ainda mais ávidas por
ele.
Cem anos de filmes
de faroeste nos ensinaram que era assim que se vivia e se morria no Velho Oeste
americano. Aquele que fosse mais rápido no gatilho vivia apenas para
duelar novamente no dia seguinte. Era como se a vida fosse um contínuo
torneio eliminatório de pedra, papel e tesoura, o qual só acabava quando você
morria.
Porém, a realidade
era outra. E muito diferente.
Quantos
assassinatos você acha que ocorriam, em um ano, nessas típicas cidades do velho
oeste? Pense na mais violenta cidade, a mais sangrenta, aquela típica
cidade onde criadores de gado disputavam à bala a propriedade de seus terrenos
e onde os cowboys marcavam de duelar ao meio-dia para resolver suas diferenças
(não foi isso que o cinema ensinou?). Quantas mortes em um ano?
Cem? Mais?
Que tal
cinco? Este foi o maior número de homicídios que qualquer cidade do velho
oeste já testemunhou durante um dado ano, ao longo de toda a história da
colonização. Cinco homicídios em um ano. A maioria das cidades
apresentava uma média de 1,5 homicídio por ano, e nem todos eram homicídios por
tiros. Você tem muito mais chances de ser assassinado em uma cidade como
Baltimore hoje do que tinha em Tombstone em 1881, ano do famoso duelo no Curral O.K. (contagem de corpos: três) e o ano mais violento de toda a história
daquela cidade.
Quanto aos
tradicionais duelos e tiroteios retratados nos filmes, a imperfeição das armas
fabricadas naquela época faria com que qualquer habilidade na rapidez dos
saques fosse irrelevante: era simplesmente improvável que você acertasse um
cara no primeiro, no segundo ou no terceiro disparo, de modo que realmente não
faria muita diferença qual cara sacou sua arma primeiro. O mais perto que
a história do Velho Oeste já chegou de registrar genuínos confrontos ao
meio-dia foi na forma de um simples duelo, no qual um sujeito simplesmente
ficava de frente para o outro, a uma certa distância, cada um apontando e
atirando repetidas vezes até o momento em que um deles tivesse sorte, acertasse
o alvo e matasse o outro. Esqueça aquelas cenas do Clint Eastwood
utilizando uma mão para disparar em sequência um revólver ao mesmo tempo em que
utiliza a outra para bater seguidamente no cão, praticamente transformando o
revólver em uma metralhadora. E sem errar um tiro. (Veja a hilária cena). Você teria
sorte se conseguisse acertar um capanga em um duelo dentro de um armário.
Por que então se criou esse mito do
Oeste Selvagem?
Porque pistoleiros
famosos como Billy the Kid queriam que acreditassem nisso. Se você
assistir ao filme Jovem Demais Para Morrer, verá que ele matava alguém a
cada dez minutos!
Exceto que, de
acordo com fontes que não são Billy The Kid, sua contagem de corpos durante
toda a sua vida chegou a apenas quatro. Criminosos gostam de exagerar suas estatísticas homicidas pelo
mesmo motivo que homens gostam de exagerar suas experiências sexuais: isso os
deixa bem perante os outros. Cidades como Deadwood gostavam de exagerar sua natureza violenta e sem lei a fim de atrair
colonizadores aventureiros. Livros foram escritos sobre eles e, tão logo
a câmera foi inventada, filmes foram feitos sobre a cidade; e ninguém que
conhecia a realidade e sabia que era mentira tinha interesse em corrigir essa
ideia errada. Por que iriam desconstruir um mito que os fazia parecer
bravos e valentes? Um século e meio depois, ainda adoramos essa mentira.
E acreditamos nela
porque atirar no coração de um cara sem nome é infinitamente mais gratificante
do que apresentar uma queixa na polícia ou escrever uma carta desaforada para
os jornais. Nada de sistema legal de freios e contrapesos, nada de pensar
duas vezes. Apenas você e a arma.
Por que o Velho Oeste era pacífico
Sim, havia casos
isolados de violência, é claro, mas a verdadeira história do Oeste americano é
uma história de cooperação, e não de conflito. A violência do Velho Oeste
é um mito.
Meu colega Terry
Anderson e eu estudamos a história do Oeste americano por quase 30 anos.
E descobrimos que, sempre que os rancheiros se encontravam, eles normalmente
acordavam maneiras de cooperar entre si, e não de brigarem entre si.
Comecemos com as
minas de ouro de Sierra Nevada, na Califórnia. Após a descoberta de ouro
em Sutter's Mill, milhares de campos de exploração e
mineração foram criados nessa região para que se pudesse garimpar ouro.
Em três anos, mais de 200.000 pessoas migraram para a Califórnia, a maioria
delas querendo enriquecer rapidamente. Se houver uma receita para se
criar o caos, essa certamente seria uma: pessoas de várias etnias e origens,
praticamente sem nada a perder, todas elas armadas e em busca de recursos
valiosos.
Entretanto, a
realidade é que os campos de exploração rapidamente, e voluntariamente, criaram
e desenvolveram regras para arbitrar contendas envolvendo reivindicações de
direito de posse. O fato de que cada indivíduo carregava consigo um
revólver de seis balas significava que cada um estava investido de uma
quantidade relativamente igual de poder. E isso minimizou a violência.
Viagens, tanto para
os campos de exploração na Califórnia quanto para os novos povoados que iam se
desenvolvendo no estado de Oregon, também eram atividades notavelmente
pacíficas. De 1845 a 1860, praticamente 300.000 pessoas viajavam por
terra em comboios de carroças, para os mais variados lugares do Oeste.
O preeminente
historiador John Phillip Reed disse que o Velho Oeste era "um conto em que
mais se compartilhava do que se discordava, uma época de adaptação e
prestimosidade, e não de desavença". Um motivo para isso:
"Longe de advogados e tribunais, o conceito de propriedade concorrente e
coexistente se tornou uma força legal e não um fracasso jurídico; promoveu a
paz social e não a desarmonia interna", diz ele. "A Trilha de Overland [uma trilha utilizada pelas
diligências como rota alternativa entre Califórnia e Oregon] não era um
lugar de conflitos."
Vários outros
grupos de colonizadores, assentadores e exploradores interagiam pacificamente
entre si, superando problemas como condições meteorológicas adversas e
territórios inexplorados e não mapeados. Várias centenas de caçadores se
encontravam todos os anos em locais pré-escolhidos das Montanhas Rochosos para
vender a pele dos animais que abatiam. Mesmo com eles portando essas
mercadorias que valiam milhares de dólares, a quantidade de roubos era
irrisória. Os vários torneios e competições que envolviam bebedeiras,
brigas e tiros eram basicamente uma forma de entretenimento, e não consequências
de roubos ou pobreza.
Os rancheiros no
norte das Grandes Planícies [vasta região localizada a leste das Montanhas
Rochosas entre EUA e Canadá] enfrentaram alguns problemas singulares.
Eles não puderam estabelecer ranchos de grande escala porque a Lei da Propriedade Rural limitou severamente o tamanho das terras que poderia se tornar
propriedade privada. E então esses rancheiros tiveram de colocar seu gado
para pastar em campos abertos e desapropriados, longe de suas propriedades.
A "tragédia dos comuns" é um fenômeno que pode ocorrer
quando não há limitações à entrada e à exploração de um bem comum. Os
rancheiros evitaram esse problema implementando excursões semestrais com o
gado, nas quais eles levavam o gado para pastar nessas outras regiões
desabitadas. Como as viagens eram longas, passavam por terrenos muito
acidentados e por condições meteorológicas extremas, os rancheiros cooperavam
entre si, ajudando-se uns aos outros. Embora eles não pudessem impedir
que outras pessoas também utilizassem esses campos abertos, eles podiam impedir
que elas pusessem seu gado para pastar junto aos seus. Sem poderem participar,
essas pessoas teriam de ir procurar outros campos, o que fazia com que o pasto
não fosse utilizado excessivamente até se tornar imprestável.
Os criadores de
gado e os fazendeiros também adotaram um novo sistema de direitos de
propriedade sobre a água, os mesmos que haviam sido adotados e desenvolvidos
nos campos de exploração e mineração. Esses direitos foram batizados de
'doutrina da apropriação original' — ou "o primeiro a chegar, o primeiro a
se apropriar".
Basicamente, se um
indivíduo desviasse um curso d'água para a irrigação de sua propriedade, ele
teria o direito perpétuo àquela quantidade de água. Isso significa que os
direitos sobre um recurso valioso, a água, eram claramente definidos e defendidos
em qualquer tribunal de justiça. E isso também significava que, à medida
que outras pessoas fossem se instalando nas vizinhanças, formando
municipalidades, elas poderiam comprar esses direitos sobre o uso da água caso
valorassem a água mais do que os então proprietários dela — traduzindo, caso
oferecessem um preço de compra que os fazendeiros locais considerassem
satisfatório.
Havia, é claro,
algumas exceções a essa história de relações harmoniosas. Após a Guerra
Civil, os EUA possuíam um exército efetivo que não tinha muito o que
fazer. Assim, os colonizadores se tornaram mais propensos a recorrer à
cavalaria para tomar as terras dos índios do que em incorrer em práticas
comerciais com as tribos nativas, como vinham fazendo até então.
Havia também trocas
de socos em confusões de bar. Quando um grande grupo de homens sem laços
familiares com ninguém da região ficava desocupado, a violência podia irromper.
Entretanto, mesmo
em uma cidade rancheira como Abilene, Kansas, a taxa de homicídios era muito
mais baixa do que na maioria das atuais cidades americanas. Larry
Schweikart, historiador da Universidade de Dayton, estima que, durante todo o
período de 1859 a 1900, houve provavelmente menos do que uma dúzia de assaltos
a bancos em todo o Oeste durante a colonização. Schweikart resume:
"O histórico é surpreendentemente claro: Há mais assaltos a bancos na
atual Dayton (Ohio) em um ano do que houve em todo o Velho Oeste em uma década,
ou talvez durante todo o período da colonização!"
Uma interessante
conclusão do nosso estudo sobre o Velho Oeste é que o atual Novo Oeste é muito
mais repleto de conflitos do que era o Velho Oeste. Agências
governamentais como a United States Forest Service [departamento que administra as florestas americanas], o National Park Service [departamento que administra os parques americanos] e o Bureau of Land Management [departamento que controla o uso das terras públicas] hoje
controlam praticamente um terço da terra nos EUA, a maioria delas na costa
oeste.
Os benefícios do
uso dessas terras são alocados por meio de processos políticos e burocráticos
que suprimem qualquer incentivo à cooperação harmoniosa entre as pessoas.
Os atuais conflitos sobre o uso de recursos excedem em muito qualquer pendenga
já vista no Velho Oeste do século XIX.
Se alguém quiser
ver o verdadeiro "Oeste Selvagem", basta comparecer a qualquer sessão
do Congresso: manifestações políticas e discussões ambientalistas agressivas
sobre como deve ser o uso, quem pode utilizar e de que maneira se pode utilizar
as terras florestais.
Os processos de
tomada de decisão não mais se dão de acordo com as necessidades e demandas
locais, como ocorria no século XIX. O estado entrou em cena, assumiu o
controle e hoje as atuais políticas premiam a rudeza, a aspereza e linha dura
político-ambientalista.
Portanto, não
procure pelo Oeste Selvagem em contos sobre cowboys justiceiros e vigilantes,
tampouco em histórias sobre tiroteios no Curral O.K.. O verdadeiro Oeste
Selvagem existe hoje, exatamente quando o estado está no controle de tudo.
Peter J. Hill é, junto com Terry L. Anderson, autor do livro "The
Not So Wild, Wild West: Property Rights on the Frontier" (Stanford
University Press, 2004).
Tradução de Leandro Roque
Fonte: Mises Brasil
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