Frases
subversivas ou libertárias (42)
Seja bem vindo, amigo!
Seja bem-vindo, amigo! Seja você também mais um subversivo! Não se entregue e nem se integre às mentiras do governo e nem da mídia! Seja livre, siga o seu instinto de liberdade! Laissez faire! Amém!
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domingo, 28 de fevereiro de 2016
Socialismo: a vantagem da elite vigarista sobre a ambição popular
“Assim como os
vigaristas necessitam do arrivismo da própria vítima para que eles possam
aplicar os seus golpes. Os socialistas precisam da ambição popular para que possam
aplicar os golpes deles. Na verdade, tudo não passa de um jogo de ambição de
ambas as partes, em que um dos lados tenta levar vantagem sobre o outro.” Anon,
SSXXI
sábado, 27 de fevereiro de 2016
Os economistas austríacos que refutaram Marx e sua tese de que o trabalho assalariado é exploração
Políticos
adoram declarar publicamente que sabem qual é o valor do salário mínimo que
qualquer trabalhador no país deveria receber. Só não explicam como
chegaram a esse valor e nem muito menos por que o valor escolhido não pode ser
$1 maior ou menor.
Adicionalmente,
todos eles têm uma certeza: empresários, empreendedores e capitalistas são
exploradores sem coração que se aproveitam da mão-de-obra de alguns de seus
trabalhadores não lhes pagando a "quantia justa" que seu trabalho
genuinamente merece.
O que está por
trás deste pensamento sobre o valor "razoável" ou "justo"
do salário mínimo é o fantasma de um pensador que há muito tempo pensava-se que
teria sido relegado à lata de lixo da história: Karl Marx (1818-1883).
A teoria do
valor-trabalho de Marx para o valor de um trabalhador
A concepção de
Marx a respeito da "escravidão salarial" injusta que os capitalistas
e empreendedores impunham a seus trabalhadores tornou-se a premissa e o grito
de guerra que resultaram nas revoluções comunistas do século XX, com toda a sua destruição e terror.
Marx insistia
em que o "valor real" de qualquer bem produzido era determinado pela
quantidade de trabalho empregado na sua fabricação. Se a produção de um par de
sapatos consome quatro horas de trabalho, e se são necessárias duas horas de
trabalho para preparar e assar um bolo, então a "taxa de câmbio"
justa entre essas duas mercadorias deveria ser a de um par de sapatos por dois
bolos. Dessa maneira, esses dois bens seriam trocados a uma taxa que representa
quantidades comparáveis do tempo de trabalho gasto para produzi-los.
Se o trabalho
de um operário produziu, digamos, três pares de sapatos durante uma jornada de
trabalho de doze horas, então o trabalhador tem o justo direito à propriedade
dos três pares de sapatos produzidos pelo seu trabalho, de modo que ele poderia
trocá-los pelos produtos que quisesse adquirir dos outros trabalhadores.
Contudo,
insistia Marx, o capitalista que contratou o trabalhador não lhe paga um
salário igual ao valor dos três pares de sapatos que este produziu. Isso
ocorre, segundo Marx, simplesmente porque o capitalista é o proprietário da
fábrica e das máquinas (a fábrica e as máquinas são a propriedade privada que o
trabalhador utilizou para produzir esses sapatos). Logo, estando estes
bens de produção em propriedade do capitalista e não do trabalhador, o
trabalhador tem de se sujeitar às demandas do capitalista, aceitando assim
entregar ao capitalista uma fatia daquilo que sua mão-de-obra produz — caso
contrário, morrerá de fome no frio.
O empregador
paga ao trabalhador um salário somente igual a, digamos, dois pares de sapatos,
desta forma "roubando" uma parte do seu trabalho.
Assim, na
concepção de Marx, o valor de mercado do terceiro par de sapatos do qual o
capitalista se apropriou a partir do trabalho do trabalhador seria a fonte de
seu lucro, ou o ganho líquido sobre os custos de contratar o trabalhador.
Eis aí a origem
da noção marxista de "renda imerecida", que seria a renda que não
decorre de ter de trabalhar e produzir, mas simplesmente de se ser o
proprietário de um negócio privado que emprega trabalhadores que realmente
fazem todo o trabalho.
O capitalista,
como você vê, não faz nada. Vive do trabalho dos outros, enquanto fica sentado
em seu escritório, com seus pés sobre a escrivaninha, fumando um charuto
(quando ainda era "politicamente correto" fazer isso). Não é de se
surpreender, diante deste raciocínio sobre o trabalho, os salários e o lucro,
que políticos e intelectuais não tenham apreço por capitalistas e empreendedores.
Carl Menger
e o valor subjetivo das coisas
Karl Marx
morreu em 1883, aos 64 anos de idade. Uma década antes de sua morte, no início
dos anos 1870, sua teoria do valor-trabalho foi derrubada por diversos
economistas. O mais importante deles foi o economista austríaco Carl Menger
(1840-1921) em seu livro de 1871, Princípios de Economia Política.
Menger explicou
que o valor de um bem não deriva da quantidade de trabalho despendida em
sua fabricação. Um homem pode gastar centenas de horas fazendo sorvetes de
lama, mas se ninguém atribuir qualquer serventia a estes sorvetes de lama — e,
portanto, não os valorizar o suficiente para pagar alguma coisa por eles —,
então tais produtos não têm nenhum valor, não obstante as centenas de horas
gastas em sua fabricação.
Assim como a
beleza, o valor — como diz o velho provérbio — está nos olhos de quem vê. O
valor de um bem é subjetivo: depende do uso e do grau de importância pessoal
(subjetiva) que alguém confere a esse bem (seja ele uma mercadoria ou um
serviço). Se o bem servir para algum fim ou propósito, então terá valor
para ao menos uma pessoa.
Bens, ao
contrário do que diz a teoria marxista, não têm valor por causa da quantidade
de trabalho consumida em sua produção. Por outro lado, uma determinada
habilidade de trabalho pode ter grande valor caso seja considerada útil (como
um meio produtivo) para se alcançar um objetivo que alguém tem em mente.
Adicionalmente,
o valor de bens idênticos decresce à medida que a quantidade delas
aumenta. E isso ocorre porque atribuímos a cada quantidade adicional de
um mesmo bem à nossa disposição um propósito menos importante do que o
propósito já atribuído para as unidades previamente adquiridas desse bem.
Por exemplo, à
medida que acrescento camisas idênticas ao meu guarda-roupa, cada camisa
extra em geral terá menos importância para mim do que as mesmas camisas que
comprei anteriormente. Os economistas chamam isto de "utilidade marginal
decrescente dos bens".
Ninguém paga
por um bem mais do que aquilo que considera que ele vale
Assim, não há
um valor mínimo "objetivo" que seja inerente ao ato de trabalhar. Um
empregador contrata trabalhadores porque estes irão ajudá-lo a produzir um
produto que acredita que poderá vender a potenciais consumidores. Na medida em
que o empregador contrata trabalhadores com as mesmas habilidades
específicas, cada um desses trabalhadores é alocado para uma tarefa menos
importante do que aquela para a qual o trabalhador anterior, de mesma
habilidade, foi contratado.
Como
consequência, nenhum empregador pode pagar ou irá pagar mais por algum
trabalhador do que aquilo que acredita que seus serviços valem (em termos de
agregar valor às suas atividades de produção).
Sendo assim, o
valor de um trabalhador depende do tanto que o empregador acredita que o bem
produzido vale para o público consumidor, que é quem decide comprar — ou se
abster de comprar — o bem que o trabalhador ajuda a produzir.
Suponha que um
empregador acredite que algumas das pessoas de sua força de trabalho contribuem
com não mais do que $ 6 por hora para fabricar um produto que ele espera vender
aos consumidores. Se o governo lhe disser que ele tem a obrigação legal de
pagar a cada um de seus trabalhadores um salário mínimo que não pode ficar
abaixo de $ 7,40 ou $ 10,10 por hora, não será nada surpreendente se ele optar
por dispensar aqueles trabalhadores que considera custarem mais do que
produzem.
Adicionalmente,
outros empregos que poderiam estar disponíveis por $ 6 por hora nunca chegarão
a existir.
Tudo o que um
salário mínimo decretado pelo governo consegue fazer é expulsar do mercado de
trabalho aqueles trabalhadores cuja contribuição para a fabricação de um
produto é menor do que o valor que o governo determinou que deve ser pago a
eles.
Mas o que o
empregador faz exatamente? No que ele contribui para o processo de produção,
para além do trabalho feito pelos empregados contratados? Marx, conforme vimos,
argumentou que o "lucro" do capitalista seria o valor daquela fatia
da produção do trabalhador que foi apropriada pelo empregador simplesmente pelo
fato de ele ser proprietário do empreendimento no qual o trabalhador está
empregado.
Böhm-Bawerk
e a importância da poupança para a geração de empregos
Outro economista austríaco, Eugen von Böhm-Bawerk (1851-1914), que desenvolveu muitas das ideias que se originaram com Carl Menger, respondeu a Marx.
Em uma importante obra em três volumes intitulada Capital and Interest (1914), e em diversos ensaios, dos quais os mais importantes foram "Unresolved Contradiction in the Marxian Economic System" (1896) e "Control or Economic Law" (1914), Böhm-Bawerk perguntou: de onde vêm os empreendimentos nos quais os trabalhadores são empregados? E de onde vêm os recursos que garantem o pagamento dos salários dos trabalhadores?
Como a fábrica foi construída? De onde vem o capital — as máquinas, ferramentas e equipamentos — das fábricas, com o qual os trabalhadores contratados realizam seu trabalho para produzir os bens que eventualmente estarão disponíveis para os consumidores comprarem?
A resposta de Böhm-Bawerk foi que alguém necessariamente teve de poupar uma parte dos rendimentos obtidos no passado para, então, utilizar esses recursos poupados na construção da empresa e no seu aparelhamento com todos os bens de capital necessários, sem os quais o trabalho de qualquer trabalhador seria consideravelmente muito menos produtivo, com muito menos quantidades produzidas, e muito mais imperfeito em sua qualidade.
O empreendedor que inicia um empreendimento tem necessariamente de ou ter economizado os fundos necessários para cobrir suas próprias despesas de investimento ou ter tomado emprestado de outros que pouparam o necessário. Alguém teve necessariamente de se sacrificar, de abrir mão do consumo no presente para que essas economias estejam disponíveis no futuro para financiar o empreendimento. Quando o empreendimento for feito, ele poderá então gerar um retorno financeiro no futuro, quando o produto houver sido fabricado e for vendido.
Um indivíduo só irá abrir mão do seu consumo no presente se ele for suficientemente compensado com um ganho futuro que faça valer a pena abrir mão desse consumo e prazer no presente. Poupança é sacrifício e esse sacrifício tem de ser compensado.
É por isso que são pagos juros. Juros são o preço pago a alguém que optou por abrir mão do consumo presente para, com isso, obter um valor maior no futuro. Juros são o preço que arbitram se os recursos serão consumidos no presente ou investidos para o futuro. Juros são o preço que os poupadores recebem no futuro por sacrificarem satisfações mais imediatas do presente, até que as quantias emprestadas sejam pagas de volta.
E o tomador de empréstimo paga esses juros porque ele valoriza mais o uso que fará do dinheiro e dos recursos que toma emprestado hoje do que todo o juro que pagará pelo empréstimo no futuro.
Empreendedores e capitalistas poupam os trabalhadores de terem de esperar pelos seus salários
O fato de empreendedores terem esses recursos à disposição — sejam eles oriundos de sua própria poupança passada ou de terem pegado emprestado a poupança de terceiros — significa que aqueles que ele emprega não terão de esperar até que os bens sejam produzidos e realmente vendidos para receberem seus salários pelo trabalho que realizaram durante o período de produção.
O empregador, em outras palavras, "adianta" aos trabalhadores o valor de seus serviços enquanto o processo de produção está em andamento, precisamente para aliviar seus empregados de terem de esperar até que as receitas da venda dos produtos aos consumidores sejam recebidas no futuro.
O fato de o trabalhador não receber o "valor total" da produção futura simplesmente reflete o fato de que é impossível o homem trocar bens futuros por bens presentes sem que haja um desconto no valor. O pagamento salarial representa bens presentes, ao passo que os serviços de sua mão-de-obra representam apenas bens futuros.
Com efeito, é por isso que é correto dizer que é o empreendedor quem de fato "faz tudo", pois sem sua disposição e capacidade para organizar, financiar e dirigir o empreendimento, seus empregados não teriam trabalho e nem receberiam salários antes que um único produto fosse fabricado e vendido.
A apreciação deste último ponto é de importância crucial. O empreendedor não é somente o organizador da empresa e o investidor que faz tudo acontecer; ele também é quem irá arcar com as consequências caso não obtenha um lucro pelos seus esforços empresariais.
Empreendedores arcam com a incerteza de planejar para o futuro
Os trabalhadores e todos os demais que fornecem ao empreendedor os bens, serviços e recursos necessários para que todo o processo de produção ocorra recebem seu pagamento enquanto o trabalho está sendo feito. Já o empreendedor arca com toda a incerteza sobre se irá ganhar ou não o suficiente com a venda de seus produtos para cobrir todas as despesas nas quais incorreu. Ele, aliás, nem sequer sabe se conseguirá vender seu produto.
Ao pagar aos seus empregados os salários que foram acordados por contrato, o empreendedor os alivia da incerteza a respeito de se, no final do processo, haverá lucro, prejuízo, ou se a empresa ficará no zero a zero.
É o empreendedor quem tem de fazer os julgamentos especulativos e criativos sobre o que produzir e a que preços seus produtos poderão ser vendidos. A precisão deste juízo empreendedorial em conseguir antecipar melhor do que seus concorrentes aquilo que seus consumidores podem querer comprar no futuro, bem como os preços que poderão pagar por esses bens, é o que determinará o sucesso ou fracasso de seu empreendimento.
Assim, Karl Marx errou completamente ao não entender o que determina o valor dos bens, o valor dos trabalhadores no processo de produção, e o papel vital e essencial do empreendedor, que é realmente quem faz com que as coisas aconteçam.
O mal decorrente das políticas baseadas em Marx
É de pouca importância se políticos e intelectuais que vêem trabalho, salários e empreendedores sob uma ótica de conflito de classes estão cientes do quanto suas concepções a respeito do capitalismo e do mercado de trabalho são implicitamente derivadas e influenciadas pelas ruminações obsoletas de um socialista revolucionário de meados do século XIX.
O que realmente importa é que políticas econômicas baseadas nesses equívocos marxistas a respeito da natureza e do funcionamento da economia de livre mercado irão gerar malefícios para aquelas mesmas pessoas a quem, supostamente, tais políticas deveriam ajudar.
E tais políticas equivocadas destruirão ainda mais os fundamentos essenciais do sistema de livre mercado, o qual, no decorrer dos últimos duzentos anos, deu aos homens uma liberdade pessoal e prosperidade material jamais ocorrida em toda a história humana. São políticas que destroem a liberdade que as pessoas possuem para trabalhar e se associarem livremente das maneiras que considerarem mais vantajosas, e que têm o potencial de levar a sociedade a um caminho ruinoso e conflituoso.
Fonte: Mises Brasil
Os idiotas e suas leis
“Aqueles
idiotas foram fazendo leis e mais leis; foram dando direitos, além do que se
possa imaginar, para aqueles que nem mesmo mereciam. Foram sobrecarregando as
vidas das pessoas com burocratas, impostos, fiscais, multas e polícias. As
empresas foram fechando, os investidores foram embora, desemprego em massa, aumento
da criminalidade e convulsão social... Enfim, deu no que deu, e o resultado não
poderia ter sido outro senão a miséria prenunciada.” Anon, SSXXI
Frases
subversivas ou libertárias (41)
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
A Poeira da Glória - Martim Vasques da Cunha
Lobão e Martim ao vivo. A Poeira da
Glória e roquenrou na veia, rapaziada
Vale a pena ler esse artigo desse mesmo
autor...
Eric Voegelin e a coragem da Filosofia
Por Martim Vasques da Cunha
The best lack
all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity. W.B. Yeats, “The Second Coming“
Are full of passionate intensity. W.B. Yeats, “The Second Coming“
Conta-se que o filósofo grego Anaxágoras
caminhava por uma estrada quando encontrou um homem agonizante. Este lamentou o
fato de estar distante de sua pátria na hora da morte. Para tranqüilizá-lo,
Anaxágoras disse-lhe: “Não se preocupe, meu caro. A descida ao inferno é a
mesma de qualquer lugar”…
A historieta, dura – embora não tanto: lembremo-nos
que o Hades grego não tem o mesmo peso que o inferno tem para
nós, o de uma rejeição eterna e irrevogável do real -, alude à coragem que
todos temos de ter se queremos conhecer a realidade.
Antes de mais nada, porém, o que é essa tal
“realidade”? Não tenho a pretensão de responder aqui a esta pergunta, mas, para
ir à raiz do problema, basta que nos perguntemos: O que entendemos por
realidade? Como a compreendemos? Esse foi, em todos os tempos, um
problema constante, que só pode encontrar alguma solução se o homem der ouvidos
a esse fundo insubornável do ser de que fala Ortega y Gasset, ao
mais íntimo dos seus pensamentos naquele momento em que enfrenta o seu reflexo
no espelho e tenta reconhecer a própria face.
É daí que me dirijo a você, leitor. Não sou
filósofo, e muito menos um condutor de homens. Sou, no máximo, um cidadão que,
por uma comichão na consciência, tenta observar as coisas como são e por isso
chegou a algumas conclusões perturbadoras. Por isso, gostaria de que me lesse,
não como quem traz respostas para todos os problemas, mas apenas como alguém
que reflete sobre o que todos sabem, mas talvez tenham medo de dizer. E aqui
procurarei que essa voz não seja apenas minha; através dela, queria transmitir
a de outra pessoa, a do homem que tentarei apresentar aqui: Eric Voegelin.
Um filósofo para uma seleta minoria
Voegelin nasceu em Colônia, na Alemanha, a 3 de
janeiro de 1901, e faleceu em Stanford, na Califórnia, a 19 de janeiro de 1985.
É um dos maiores filósofos do século XX, mas permanece ignorado em boa parte
dos meios acadêmicos nacionais. Por quê? Bem, na verdade, não há mistério
nisso: é um autor difícil por ser duro como poucos, rigoroso como um verdadeiro
filósofo deve ser e, como se não bastasse, escreve com uma facilidade que
desnorteia os que pensam que a filosofia deve ser transmitida como um código
secreto para iniciados. Além disso, não brinca com as coisas sérias da vida.
Pelos locais de nascimento e morte, já percebemos
que não morreu na terra natal. Em 1938, teve de fugir de Viena, onde tinha
estudado e depois começado a carreira universitária, devido ao Anschluss,
a anexação da Áustria pela Alemanha governada pelo Partido Nacional-Socialistas
dos Trabalhadores. Nessa altura, era já persona non grata para os
nazistas: em 1933, quando eles haviam chegado ao poder, publicara dois estudos
que criticavam as raízes ideológicas do partido – Raça e Estado e O
Estado autoritário.
Em Viena, tinha sido discípulo de Hans Kelsen, o
filósofo do Direito positivista que, ironicamente – porque as suas teorias
serviram para fundamentar doutrinalmente o sistema legal nazista – , também
tivera de fugir por ser de ascendência judaica. Voegelin não era judeu nem
socialista, e também não tinha a intenção de ser um opositor político do
nazismo; era contrário a qualquer ideologia por motivos estritamente intelectuais
e espirituais, pois num momento em que mais ninguém tinha coragem de admiti-lo,
já sabia que era insustentável ser nazista para qualquer um que quisesse manter
um mínimo de honestidade moral.
Depois de uma breve passagem pela Suíça, chegou aos
Estados Unidos, onde recomeçou a carreira acadêmica como filósofo, fixando-se
na Universidade de Louisiana, em Baton Rouge. Era um fim de mundo acadêmico,
convenhamos, mas permitiu-lhe preparar-se durante vinte anos para o trabalho de
toda a vida – desmascarar o mecanismo que permite às ideologias políticas
corromper uma nação inteira.
Ali começou por escreveu um tratado de 3.200
páginas sobre a História das idéias políticas, que abandonou e que só
viria a ser publicado postumamente. A seguir, dedicou-se a pesquisar os
símbolos religiosos de Israel e da filosofia grega, e publicou parte dos
resultados deste trabalho no livro A nova ciência da política, de 1953,
que lhe valeu uma reportagem na Time e o transformou em um nome
celebrado nas universidades americanas. Mesmo assim, Voegelin não se acomodou
sobre os louros, mas começou a redação do grande tratado Ordem e História,
iniciado em 1955 e só terminado no final da vida.
Contudo, em 1958, treze anos depois do fim da
Segunda Guerra, suas atividades acadêmicas nos Estados Unidos foram
interrompidas quando a Ludwig-Maximilian Universität de Munique o convidou a
assumir a cátedra de ciências políticas, que tinha sido a de Max Weber e estava
vaga havia vinte anos. Ali, Voegelin acrescentou um trabalho administrativo às
responsabilidades acadêmicas, fundando o Instituto de Ciência Política. Por
fim, em 1969, voltou para os Estados Unidos, desta vez para trabalhar em
Stanford, onde permaneceria até a morte.
“Dominar” o passado?
Voegelin aceitou o desafio de voltar para a
Alemanha – apesar da posição de destaque no meio acadêmico conquistada a duras
penas –
por um motivo simples: era a oportunidade de, vinte anos depois, acertar as contas com os fantasmas do nazismo.
por um motivo simples: era a oportunidade de, vinte anos depois, acertar as contas com os fantasmas do nazismo.
Quando chegou, o país estava em pleno processo de
“desnazificação”. Oficialmente, tratava-se uma “condenação do passado nazista”
feita pelo povo e pelo governo de Konrad Adenauer, que girava em torno da noção
de culpa coletiva. O termo soava bem num país ocupado por quatro
potências ocidentais e dividido por um muro, mas realmente “desnazificava” o
país? Essa “revisão” do passado assegurava uma mudança real para o presente e o
futuro?
Voegelin responderá decididamente que não. Em 1964,
deu uma série de palestras sob o título de Hitler e os alemães que foram
um enorme sucesso de público.[1]
Conforme o filósofo tinha pretendido, esse público estava composto na sua
maioria por estudantes, que eram o seu alvo preferencial por já correrem o
risco de perder a noção do que fora viver nos tempos de Hitler. E as perguntas
que lhes fez não diziam respeito a pretensas culpas coletivas, mas
atingiam aquele fundo insubornável do ser individual: como fora possível que
semelhante corrupção espiritual tivesse atingido todos os níveis da sociedade,
da política à intelectualidade, do mundo dos negócios à moral? E essa corrupção
não continuaria a atuar na mente da jovem geração, mesmo vinte anos depois do
desaparecimento do nazismo?
De acordo com a retórica da culpa coletiva, todos
os alemães seriam culpados pelo nazismo. Que sentido fazia isso? Os membros do
partido teriam a mesma responsabilidade que os que tinham votado em Hitler por
acharem que seria o salvador do mundo? E os que não queriam saber de política e
desejavam apenas escapar ao pesadelo da ruína econômica após a Primeira Guerra
Mundial? Tudo isso não passava de uma paródia de expiação, que mascarava algo
muito mais importante: a responsabilidade individual.
De fato, a “desnazificação” não atingia os altos
escalões do poder público. Membros importantes da antiga burocracia nazista –
simples “funcionários” ou “burocratas”, dizia-se, sem responsabilidade pelas
decisões criminosas e por isso mesmo incapazes de perturbar alguém –
permaneciam em cargos-chave do novo governo. Um caso clamoroso era o de Hans
Globke, que despertou as mais ferozes indignações de Voegelin e da filósofa
Hannah Arendt.
Em 1958, Globke era o braço direito de Adenauer,
ocupando o cargo de “subsecretário de Estado e chefe da divisão pessoal da
Chancelaria da Alemanha Ocidental”. Vinte e seis anos antes, fora um dos
funcionários mais respeitados do Ministério do Interior do Terceiro Reich.
Quando surgiu o escândalo em torno do seu passado, Globke apressou-se a afirmar
que apenas procurara tomar “medidas mitigadoras”. Curiosas medidas, aliás… Em
primeiro lugar, fora o autor da lei segundo a qual todo judeu deveria ter como
segundo nome “Israel” e usar uma estrela de Davi amarela a fim de mostrar que
não tinha “ascendência ariana”; e isso foi em 1932, quando “a subida de Hitler
não era uma certeza, mas apenas uma forte possibilidade”. Mais tarde, já no
ministério, criara a lei que obrigava moças tchecas que pretendessem casar com
soldados alemães a exibir fotos em que apareciam vestidas de maiô, para
comprovar os dados antropométricos arianos (talvez fosse mesmo uma mitigação,
pois antes se exigiam fotos em que apareciam nuas…).
Isso já fora denunciado por Hannah Arendt em Eichmann
em Jerusalém, o livro-reportagem publicado em 1962 que narrava o
julgamento de Adolf Eichmann, acusado pelo governo de Israel de ser o
“arquiteto da Solução Final”. Arendt se perguntava se Eichmann, um burocrata
arrivista, seria o monstro de que tanto se falava. E chega à conclusão de que
não: tratava-se de um “homem-massa”, sem vida interior, sem convicções
pessoais, imbuído apenas do intuito de seguir o rebanho – mesmo que este
praticasse assassinato em quantidades industriais. De quem era a
responsabilidade? Dos alemães? Dos judeus? Do Ocidente? Talvez de todos, desde
que isso não mascarasse o fato de que, antes de mais nada, o verdadeiro
responsável por suas ações era o próprio Eichmann.
A conclusão que se impunha era que o verdadeiro
processo de “desnazificação” não se podia obter por meio de um processo legal
ou político; era necessária uma reviravolta da consciência, uma revolução
do espírito – uma conversão pessoal que tinha de começar com uma “descida
aos infernos”. E essa foi a tarefa que Voegelin se impôs ao chegar à Alemanha
em 1958: fazer a sua terra natal compreender que, para “dominar” o passado,
tinha antes de mais nada de “dominar” o presente.
A descida ao inferno
Para isso, Voegelin recupera e propõe no conjunto
da sua obra duas noções praticamente esquecidas no ambiente acadêmico: a do homem
maduro e a do princípio antropológico.
O “homem maduro” corresponde ao spoudaios de
Aristóteles, a pessoa que desenvolveu ao máximo as suas potencialidades e, em
conseqüência, aprendeu que governar e comandar os outros é antes de mais nada
governar e comandar-se a si mesmo, especialmente no domínio das paixões e dos
sentimentos. Conhece a profundidade da sua alma e da dos seus semelhantes
porque desceu ao inferno do conhecimento próprio e de lá voltou. Neste sentido,
não é apenas alguém que manda, mas alguém que representa os anseios mais
íntimos dos homens de carne e osso que compõem a sociedade; não é um chefe
político ou institucional, mas um líder autêntico, com liderança existencial,
pois chega a ser o reflexo da sociedade que governa. Tudo isso pode ser
resumido na seguinte sentença: a sociedade é a alma do homem escrita por
extenso. Voegelin recuperará essa noção de Platão e a chamará de princípio
antropológico.
Ora bem, nas suas palestras sobre “Hitler e os
alemães” Voegelin começa apresentando uma carta escrita por um jovem acadêmico
à famosa revista Der Spiegel:
“Quando lemos que Hitler foi um amador, ‘abaixo da
média dos homens’, perguntamo-nos automaticamente como então ele foi capaz de
modelar uma época. Reconheço que ele era um ‘jogador’, mas um jogador que
ofuscou os outros. […] E o seu único crime foi o de ser um jogador que perdeu,
e que levou consigo todo um povo, de maneira que afundou com ele. Entretanto,
toda a política é um jogo e os ganhos aumentam quando as apostas são altas.
Hoje já não podemos e não queremos jogar; portanto, também nos é impossível
ganhar – a não ser o tão cotado padrão de vida. Mas talvez estejamos perdendo
mais, mesmo sem Hitler”.
Aqui estão prefigurados muitos dos clichês que,
inquietantemente, voltamos há pouco a ouvir repetidos na imprensa e na
academia: o de que Hitler, no fim das contas, era um grande líder, o de que a
política é um jogo, e o de que sua única culpa foi perder. Nem se menciona que
o nazismo e o seu líder tinham um projeto de eliminação sistemática de toda uma
raça e, nas palavras de Churchill, de toda a civilização.
Voegelin apresenta outro exemplo, extraído de um
acadêmico que faz a seguinte descrição física e psicológica de Hitler:
“Hitler fascinava as pessoas com seus olhos azuis
profundos, ligeiramente esgazeados, quase radiantes. Muitos que se encontravam
com ele eram incapazes de resistir a seu olhar”.
E, com palavras mais reveladoras:
“É quase impossível comunicar aos que nunca o
conheceram o impacto pessoal de Hitler […]. Havia, no entanto, muitas pessoas
sobre quem isso não tinha absolutamente nenhum efeito. Certa vez um coronel me
descreveu que, quando estava conversando com Hitler, sentiu uma aversão crescente
ao homem enquanto este o fitava de perto (vale notar que Hitler dispensou esse
coronel e outros muitos rapidamente). A reação reversa foi provocada numa
requintada proprietária da Pomerânia de ascendência aristocrática e convicções
cristãs, que detestava Hitler. Encontrou-o por acaso no passeio de madeira de
uma praia do Mar Báltico, foi atingida por um breve momento pelo olhar dele e
declarou, como fulminada por um raio, que embora ainda não gostasse dele,
sentia que ele era um grande homem. Aqueles a quem Hitler tolerava perto dele
eram, é claro, mais do que tocados pelo seu olhar, e eram transformados em seus
satélites voluntários”.
Nestes parágrafos quase hagiográficos, o Führer
aparece como um “enigma”, como se tivesse uma “aura” incomum que o
transformasse em um homem situado “além do bem e do mal”. É verdade que o seu
autor, Percy Schramm, tinha feito parte do Supremo Comando das Tropas de
Guerra; mas já agora, devidamente munido do seu “certificado de
desnazificação”, era um acadêmico de renome e ganhador da Ordem do Mérito – a
maior honra que, na Alemanha pós-guerra, se podia conferir a um civil.
Esse tipo de mitificação, diz Voegelin, mascara um
fato relevante para qualquer análise política decente: o da representação
social. Se as pessoas viam essa “aura” em Hitler, por mais que
antipatizassem com a sua causa, as suas idéias ou mesmo a sua pessoa, era
porque desejavam participar dela, ver essa “aura” refletida nelas mesmas. O
jornalista Konrad Heiden descreveu isso com precisão já em 1933, quando ainda
ninguém previa as dimensões que o nazismo viria a assumir:
“Com uma confiança ímpar, Hitler expressou o pânico
sem palavras das massas confrontadas por um inimigo invisível e deu um nome ao
espectro sem nome. Ele era um fragmento puro da própria alma da massa moderna
[…]. Alguém se perguntará quais foram as artes pelas quais ele conquistou as
massas; na verdade, ele não as conquistou, apenas as retratou e as
representou“.
Essa intuição brilhante, que Heiden captou no calor
da hora, mostra o fundo da “aura” e do “enigma” de Hitler. Não havia ali nada
da liderança do “homem maduro”, mas apenas um homem-massa imbuído de um intenso
complexo de inferioridade e da intensidade que conferem a angústia e o ódio. O
próprio estilo repleto de clichês dos “hagiógrafos” manifesta esta realidade,
pois a primeira manifestação da corrupção social está na corrupção da
linguagem, que se torna uma “língua de madeira”, rígida, repetitiva e vazia de
sentido real, como a que caracterizou igualmente o governo totalitário
soviético.
Manipulação, não liderança
Schramm acrescenta, ainda no tema do “enigma de
Hitler” e baseado em testemunhos dos que cercavam o Führer, que este só
contava aos que lhe estavam próximos o estritamente necessário, mesmo nos
momentos decisivos da Segunda Guerra. Essa atitude enigmática é às vezes
mencionada, mesmo hoje, como uma “técnica de liderança”. Voegelin, pelo
contrário, chega a uma conclusão muito mais banal e concreta:
“O problema obviamente escapou a Schramm, pois esse
sonegar informações, mesmo aos membros do Estado Maior e do Almirantado, tinha
uma razão institucional. Nos últimos anos, Hitler não contou com nenhum Estado
Maior para conduzir a guerra, mas tomou as rédeas do exército em suas próprias
mãos, pois temia ser posto sob pressão se tivesse de enfrentar um grupo de seis
ou sete generais e almirantes com visão de jogo. Assim, lidava com eles apenas
individual e pessoalmente, e esse contato isolador, em que nenhuma pessoa sabia
qual era o plano todo, era uma tática deliberada e um instrumento de
estabelecimento da ditadura“.
Com efeito, esse reservar para si a informação de
conjunto é uma das técnicas clássicas de manipulação do poder. Novamente, não
há aí nenhum tipo de liderança, mas apenas uma imposição da ambição pessoal.
Uma segunda amostra dessa manipulação surge da
análise do relacionamento do Führer com a sua “comitiva”. Para Schramm,
como para outros, a “culpa de tudo” não estaria em Hitler, mas sim naqueles que
o cercavam. Ele, homem imbuído de um sonho grandioso, teria sido influenciado
por asseclas criminosos e incompetentes; se tivesse podido traduzir na prática
os seus ideais, o nazismo teria tido outro destino histórico.
Ora, é mais do que sabido que a ordem decisiva para
a última fase da “Solução Final” – a
do extermínio em massa dos judeus – veio do próprio Hitler. O que nos leva à
teoria oposta, também apresentada com certa freqüência: a “culpa de tudo” teria
sido exclusivamente do Führer, não do partido nem do governo nem do
povo. Sabemos aonde conduz esse raciocínio: à afirmação de que “o nazismo foi
desvirtuado por Hitler; sem ele, seria outra coisa, muito mais bonita” (É
interessante notar que se usa o mesmo procedimento para o comunismo, apenas
trocando “Hitler” por “Stálin”).
As duas teorias são nitidamente insuficientes. Se
aplicarmos o princípio antropológico, o de que o líder representa
os anseios dos seus adeptos, veremos que Hitler se cercava de uma comitiva
incompetente porque ele próprio era incompetente. Por ser o representante do
homem-massa inferiorizado, as suas palavras só encontravam eco em uma
“pseudo-elite” intelectual e militar que, no fim, não passava de uma “massa
inferiorizada”,
de uma “ralé”.
de uma “ralé”.
Voegelin apresenta seis parâmetros para analisar o
“caso de amor” de Hitler com sua comitiva:
“(1) Hitler estava a par da inadequação de seu
círculo. (2) Hitler era, no entanto, obcecado com a ‘camaradagem’ e a
‘lealdade’. Desaprovava veementemente as mudanças que Mussolini fazia em sua
guarda, as trocas de ministros. (3) Ele era conservador em seus hábitos de vida
e dificilmente rompia relações com pessoas com quem crescia. (4) Teria ocorrido
uma mudança, no entanto, se tivesse sido capaz de ver os seus homens como
eram realmente, de discernir quem dentre eles era incompetente ou tinha
sérias deficiências de caráter. Eis a contradição: por um lado, ele tinha
consciência da inadequação desse círculo; por outro, não era capaz de
detectar-lhes a incompetência, as deficiências de caráter. (5) Portanto, não
tinha precisamente aquilo pelo que muitas vezes foi louvado: o conhecimento da
natureza humana. (6) Hitler conseguia suprimir um julgamento inteiramente
correto, mas que não lhe era conveniente, a fim de justificar pessoas que lhe pareciam
úteis e devotadas”.
É especialmente importante aqui a expressão “como
eram realmente“. A incompetência de Hitler e de sua comitiva devem-se
simplesmente a que não foram capazes de ver a realidade. Por isso, não formaram
uma “elite”, uma minoria seleta que sabe que primeiro a realidade tem de ser
estudada com amor para só depois se tornar dócil; formaram uma “ralé” que
acreditava que a realidade estivesse aos seus pés apenas por serem eles quem
eram. E se as coisas davam errado, limitavam-se a negar toda a
responsabilidade, lançando as culpas, conforme o caso, ora no Führer,
ora na sua comitiva. Mas quem se recusa a ver as conseqüências do real, não
merece outro nome que o de estúpido.
Pneumopatologia da estupidez
Antes de mais nada, devo dar um esclarecimento. O
leitor talvez se tenha surpreendido com as palavras “ralé” e “estúpido”, e
pense que são insultos vulgares. Não são. Na verdade, são termos técnicos e
rigorosos, que classificam um determinado comportamento diante do real. Além de
que um insulto preciso às vezes pode ser um excelente diagnóstico.
Comecemos com o termo “estupidez”. Voegelin faz um
resumo delicioso de como essa palavra é usada desde o início dos tempos, da
Bíblia até a mais recente literatura moderna, passando pela filosofia grega. Os
israelenses chamam o homem que cria desordem na sociedade de “tolo”, nabal,
pois não é um “crente”, não aceita a revelação de Deus; Platão usa outro termo,
amathes, o homem irracional, que não se curva à razão e, portanto, tem
uma imagem defeituosa da realidade. Para São Tomás de Aquino, o “tolo” é o stultus,
o estulto, que não compreende nem a revelação, nem a razão, e mesmo assim tenta
mudar a realidade, tendo como resultado óbvio produzir o caos. Por fim, na
literatura moderna Voegelin encontra no escritor austríaco Robert Musil as
expressões “estúpido”, “idiota” e “néscio”, que retratam o mesmo tipo humano.
Qualquer um de nós já sentiu o momento em que se
depara com a estupidez do próximo como um dos tormentos mais angustiantes de
sua vida. Ortega y Gasset define certeiramente a distinção entre o tonto
e o “perspicaz”: o segundo sempre se surpreende a dois passos de se tornar um tonto
(e aí está o início da inteligência), ao passo que o primeiro jamais suspeita
de si mesmo, sempre se considera “discreto” e se instala na sua torpeza e
tranqüilidade de “néscio”. Não há como tirar o tonto da sua tontice;
aliás, como bem diz Ortega, a diferença entre um “néscio” e um homem “mau” é
que o mau descansa às vezes, o néscio nunca.
Voegelin toma de Musil os conceitos de “estupidez
simples” e “estupidez inteligente”. O “estúpido simples” é alguém que erra por
ignorar o que acontece, por mera desinformação; já o “estúpido inteligente” é
alguém que insiste no erro por acreditar que sempre tem razão. Do resumo histórico
que o filósofo faz, ressalta uma constante que caracteriza o “estúpido
inteligente”: a negação deliberada da razão, que lança o ser humano na
bestialidade, mesmo que esta assuma as formas aparentemente sofisticadas da
técnica ou da ideologia. O estúpido não quer conhecer, prefere
permanecer na negação da realidade. No fim das contas, pensa com o poeta alemão
Novalis (muito admirado pelos nazistas): “o mundo será como eu quero que ele
seja”. Por não respeitar a realidade como ela é, violenta-a de uma forma ou de
outra; mas, como ela é “insubornável”, cedo ou tarde ela se vingará,
pregando-lhe uma peça. E como resultado o estúpido assume uma atitude de revolta
contra tudo e contra todos.
Ao binômio de Musil, Voegelin acrescenta mais um
termo para descrever “Hitler e os alemães”: o de “estupidez criminosa”.
Se o estúpido inteligente insiste no erro, o criminoso está disposto a fazê-lo
custe o que custar. A sua vontade racional é substituída por um desejo de
poder alucinado, que acaba encontrando satisfação somente na destruição do
seu semelhante; as aparentes “razões” que invoca para fazê-lo – de raça, de
credo, de cor ou de sexo -, não passam de pretextos.
Hitler foi exatamente isso: um estúpido
criminoso, o exato oposto do spoudaios, do homem maduro defendido
por Aristóteles. Contudo, permaneceu um ser humano: não é possível perder a
razão ou o próprio espírito só porque queremos: eles continuam a fazer parte da
constituição humana. Como diria Voegelin: “Foi de uma humanidade em forma
absolutamente humana, porém a humanidade mais notavelmente desordenada e
doente: uma humanidade pneumopatológica“. O estúpido, e mais ainda o
estúpido criminoso, não é um “psicopata”, mas algo mais profundo: sofre de uma
doença do espírito, de uma pneumopatologia, que nasce da vontade humana
mas acaba por enraizar-se em todo o ser da pessoa.
Musil criou também a distinção entre “primeira
realidade” e “segunda realidade”. A primeira é a realidade captada pela
apreensão concreta das coisas, entendida pela razão e refletida no bom senso,
em que todos vivem e se comunicam; a segunda é a pseudo-realidade criada como
alternativa pelo espírito doente, em que ele tentará viver e expressar-se
independentemente dos desejos dos seus semelhantes. Quando ocorre o choque
inevitável entre as duas, nasce a mentira erigida num sistema em que todos os
dados incompreensíveis da “primeira realidade” têm de encontrar uma explicação
exata na “segunda realidade”. E nesse momento ocorre uma desumanização: o ser
humano, esse algo concreto e inesgotável, feito de carne e espírito, é
transformado em um mero conceito, uma simples abstração – uma “estatística”.
Daí para o genocídio é apenas um passo.
Este foi o caso da Alemanha na época em que foi
representada política e existencialmente por Adolf Hitler. Não houve nenhuma
“aura”, nenhum “enigma”, muito menos uma “personalidade demoníaca”: tratava-se
somente de uma nação de estúpidos governada por um estúpido criminoso. No
choque entre a primeira realidade e a segunda, a “elite” da nação abdicou do
espírito e decidiu deixar-se escravizar pelo desejo de poder, tornando-se
“ralé” submetida à “autoridade da ignorância”. Essa “ralé” só estava aberta à
vontade do Führer, e isso porque também ela estava imersa na mesma
doença espiritual.
Para mostrar com clareza o que caracteriza a
“ralé”, Voegelin usa um episódio do Dom Quixote. Como todos sabem, o
cavaleiro espanhol é a personificação do homem que vive na “segunda realidade”,
confundindo moinhos com monstros e camponesas com nobres donzelas. A certa altura
do romance, o Quixote é libertado de uma gaiola de madeira pelo cônego, que o
acompanha até a sua casa e procura convencê-lo de que suas aventuras não passam
de rematada loucura. O cavaleiro responde-lhe que suas aventuras são tão reais
como as que compõem os livros de cavalaria da época; o verdadeiro louco, diz,
seria o cônego, que não acredita nesses livros “apesar de terem sido publicados
com a licença do rei”. Aqui temos o raciocínio característico da “autoridade da
ignorância”: aceita-se incondicionalmente a mentira porque “a autoridade” (que
pode ser do rei, do Führer ou da “maioria”, tanto faz) a aprova.
A resistência dolorida
Uma “ralé” comandada por um “estúpido”, intoxicada
por uma doença erigida em sistema legal: essa estupidez institucionalizada gera
uma situação de sonâmbulos conduzidos por outros sonâmbulos. Houve, entretanto,
alguns que se ergueram contra essa “opção preferencial pelo desastre” e
cumpriram a famosa frase do filósofo inglês Richard Hooker: ao menos “a
posteridade saberá que não deixamos, pelo silêncio negligente, que as coisas se
passassem como um sonho”.
O mito de que não houve resistência ao nazismo
mostra-se cada vez mais infundado. Já mencionamos as obras do próprio Voegelin
ou o de Robert Musil, que, ainda em 1937, deu uma conferência pública chamada
“Da estupidez”. Mas existiram vários tipos de resistência, como o dos prelados
Faulhaber ou Von Galen (que os nazistas não ousaram prender), de católicos como
Fritz Gehrlich e Alfred Delp (executados), dos pastores Dietrich Bonhöffer
(preso e executado) e Martin Niemöller (a princípio fascinado pelo nazismo, mas
que percebeu a armadilha e foi preso), de intelectuais como Hermann Broch e
Thomas Mann (exilados nos EUA) – e, é claro, dos irmãos Hans e Sophie Scholl.
Em fevereiro de 1943, os Scholl – que tinham
formado com mais três amigos um grupo clandestino chamado “Rosa Branca” –
distribuíram nos corredores da universidade de Munique milhares de panfletos em
que denunciavam a loucura da guerra e a existência de campos de concentração. A
Gestapo, com eficiência alemã, caçou-os e prendeu-os quase que imediatamente.
Depois de uma farsa de julgamento, os Scholl foram condenados à morte e levados
à guilhotina; Sophie tinha 21 anos e Hans, 25 anos. A evocação dos dois não é
casual: o próprio Voegelin batizou o Instituto de Ciência Política de Munique,
que fundou e onde deu as suas palestras sobre “Hitler e os alemães”, de Geschwister-Scholl-Institut
(Instituto Irmãos Scholl); para o filósofo de Colônia, uma política autêntica
tem de estar sob a égide da coragem.
A conclusão de Voegelin é um chamado à
responsabilidade individual e a uma qualidade completamente insuspeitada neste
contexto: a humildade. Porque a humildade é exatamente aquilo que
afirmamos no início deste artigo: confiar na realidade. A coragem de confiar no
real é a única garantia que permite superar a estupidez institucionalizada,
tornar-se um homem maduro e encontrar essa realidade que fundamenta o encontro
com todas as outras realidades: a vida do espírito. São necessários anos
e anos de dedicação, e é necessária também uma reviravolta interior para
perceber as coisas por esse novo olhar. Mas o começo de tudo está em perceber
que estamos sempre a dois passos de nos tornarmos estúpidos.
Enfrentar-se com essa clareza é uma espécie de
descida aos infernos; mas não esqueçamos que o estúpido também desce, e de
maneira muito pior: no caso de Hitler, basta ler os últimos relatos de sua vida
no fétido bunker onde escolheu morrer. Uma frase publicitária da época,
profundamente irônica, afirmava: “Hitler no bunker – esse, sim, é o
verdadeiro Hitler!” E o que era? Segundo Joachim
Fest, um homem consumido pelo ódio à humanidade, cristalizado nos seus padrões de pensamento, dominado por uma força irracional orientada somente para a destruição. É interessante confrontar esta atitude com a de Winston Churchill, a “nêmesis de Hitler”, que descreve assim os seus “anos de ostracismo” na década de 30:
Fest, um homem consumido pelo ódio à humanidade, cristalizado nos seus padrões de pensamento, dominado por uma força irracional orientada somente para a destruição. É interessante confrontar esta atitude com a de Winston Churchill, a “nêmesis de Hitler”, que descreve assim os seus “anos de ostracismo” na década de 30:
“Todo profeta deve provir da civilização, mas todo
profeta tem de ir para o deserto. Deve ter uma impressão profunda de uma
sociedade complexa e de tudo o que ela tem para dar, e depois atravessar
períodos de isolamento e meditação. É mediante esse processo que a dinamite
psíquica é feita”.
O spoudaios, o homem que “desceu ao inferno”
do autoconhecimento e de lá voltou, é precisamente esta “dinamite psíquica”.
Esta é a lição que Eric Voegelin deixou para todas as jovens gerações: a de que
a tarefa da filosofia é cultivar a coragem e confiar no real, sempre de acordo
com o aviso do profeta Ezequiel: “Filho do homem, te pus como sentinela para a
casa de Israel. Assim, quando ouvires uma palavra da minha boca, hás de
avisá-los da minha parte. Quando eu disser ao ímpio: ‘Ímpio, certamente hás de
morrer’ e tu não o desviares do seu caminho ímpio, o ímpio morrerá por causa da
sua iniqüidade, mas eu requererei o seu sangue de ti. Por outra parte, se
procurares desviar o ímpio do seu caminho, para que se converta, e ele não se
converter do seu caminho, ele morrerá por sua iniqüidade, mas tu terás salvo
tua vida” (Ez 33:7-9).
Martim Vasques da Cunha é escritor, jornalista e
coordenador do departamento de Humanidades do Instituto Internacional de
Ciências Sociais (IICS).
Fonte: Dicta & Contradicta
As Revoluções e a Democracia: As Garras e o Corpo do totalitarismo – Apenas uma questão de tempo.
“A primeira
revolução russa começou em 1789, na França; quase tão sanguinária quanto à
segunda revolução russa de 1917. Ambas pregavam a igualdade, mas eliminaram
quase todos aqueles que pensavam ou agiam de forma diferente. Pregavam a
irmandade, mas somente entre os membros interesseiros da nova elite dominante.
Pregaram a liberdade, que nunca foi cumprida, mas à custa das guilhotinas, da
fome e dos extermínios em massa nos campos de concentração. O nome de tudo isso é Democracia.” Anon, SSXXI
Frases
subversivas ou libertárias (40)
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
Por que precisamos urgentemente de uma direita?
Por André Tavares
Num
pronunciamento há alguns anos, Lula manifestou sua satisfação (ou felicidade?) com o fato de que as eleições subsequentes no
Brasil seriam concorridas somente por candidatos “de esquerda”. A afirmação do
então presidente era sintomática, e era um indício de que a agenda “gramsciana”
encontrava-se adiantada na medida em que se tornava patente que para a opinião
pública a moralidade política e democrática situava-se já, na geografia das
ideias, à esquerda do espectro ideológico. Trata-se daquele momento no qual,
para o “homem de rua”, o comprometimento ético confunde-se com a doutrina esquerdista.
Sem “uma gota de sangue” os valores socialistas ganham plausibilidade não
somente nas estruturas sociais, conduzindo as políticas públicas e o
planejamento, mas também, e mais importante, na mente, na subjetividade.
Ao contrário do
bolchevismo, que pretendia primeiramente o controle das instituições sociais e
dos meios de produção para depois promover as mudanças estruturais, a “nova
esquerda” pós-Segunda Guerra percebeu no embate cultural e político o
verdadeiro campo de disputa – o chamado “Marxismo Cultural”. A conquista de
corações e mentes é a via mais segura para um propósito tão amplo; e a
Revolução Russa já havia dado duas lições importantes para a esquerda: (I) o
determinismo marxista havia sido desmentido por um bando de camponeses semimedievais
liderados por cossacos semiletrados, (II) o sangue que uma revolução derrama cobra um preço alto demais em termos deopinião pública em outros países, o que dificulta a duplicação do
mecanismo, e (III) adoutrina econômica marxista está radicalmente equivocada, demonstrando que
a revolução depende profundamente das mudanças na superestrutura (era preciso
reinverter o que Marx inverteu).
Em lugar da
rudeza e frenesi da sublevação e da frieza cínica de um regime totalitário, que
precisa criar um aparato para controle, censura e supressão das dissidências
difícil de gerir e sustentar por muito tempo, é preciso gerar uma situação
social à qual as pessoas queiram se submeter e, consequentemente, manter. Um
sistema que mantenha coisas como gulags precisa promover um nível de alienação e terror nas massas muito
maior do que qualquer sociedade burguesa pode produzir (por isso Arendt está muito certa quando localiza nazismo e comunismo no mesmo
âmbito), ao mesmo tempo que basta um número mínimo de indivíduos e grupos serem
jogados para situações limite para que a plausibilidade que sustenta o contexto
se desfaça.
Sociedades
industriais e pós-industriais não se submeteriam facilmente ao batismo de fogo
revolucionário nem a um regime totalitário nos moldes stalinistas, visto que sua complexidade oferece vias de desalienação e
disseminação de informação virtualmente impossíveis de controlar (veja que a
China precisa manter um exército de trabalhadores simplórios em indústrias
modernas e controlar firmemente a circulação de informação não oficial, criando
uma monstruosidade composta de controle tradicional na superestrutura e
controle hipertécnico na infraestrutura). Está contado em verso e prosa que
desde o domínio da bomba atômica, o destino da estrutura soviética estava
decidido, e o marxismo e o movimento revolucionário voltou-se para a kulturkampf,
e a teoria revolucionária tendia ao “marxismo democrático”. Pode ser uma
relação absolutamente espúria, mas foi o que o partido nazista fez na Alemanha
– depois de um golpe fracassado, Hitler
investiu na militância partidária, na propaganda e no engajamento de certos
segmentos corporativos e profissionais estratégicos (como os médicos, como
sugere “Arquitetura da Destruição”), e conseguiu o poder pelas urnas (e por
negociações partidárias para o cargo de chanceler).
A Teoria da
Hegemonia desenvolvida por Gramsci é uma estratégia bastante simples e
largamente adequada para este cenário, e audaciosa por questionar o modelo
determinista e escatológico do marxismo clássico (na verdade, parece-me que
Gramsci inverteu Marx: transformar pela mudança de valores e não pela posse
coletiva dos meios de produção é marxianamente um contrassenso). A base da ação
encontra-se, portanto, na educação e na persuasão, no inculcamento dos “valores
de esquerda”, na transformação da mentalidade, auferindo uma nova cosmovisão e
mudando as bases da cultura. Segundo Finocchiaro, a primeira providência é
produzir uma clivagem, uma oposição que ao invés de produzir simplesmente um
conflito, promova a dominação de um dos lados por outro com a permissão ou
concordância do primeiro. Para tanto é preciso “eliminar” os elementos
(intelectuais, sobretudo) “não-engajados”, ou ostracizando-os ou rotulando-os
(casos paradigmáticos no Brasil: Gilberto Freyre, Bruno Tolentino, Nelson
Rodrigues, Gustavo Corção) atribuindo-lhes pertença à posição “conservadora”
(no sentido mais negativo que o termo possa assumir) – todo ator deve ser
reconhecido como um agente partidário de uma “classe”.
A educação
ganha a maior relevância nesse cenário. No caso brasileiro, a esquerda vive a
dizer horrores da ditadura (e isso não é uma justificação para o regime
militar), e esfumaça o fato de que a universidade ficou praticamente intocada
pelos milicos, e lá o pensamento marxista-esquerdista prosperou e informou a
intelectualidade, formadores de opinião, professores, políticos e a cabeça da
classe média brasileira. De certa maneira, o golpe terminou por prestar um
serviço à esquerda no Brasil ao impedir a ação dos marxistas daquele tipo mais
obtuso, numa espécie de “seleção” que beneficiou os “revisionistas”
(colocando-os em contato, até, com o que havia de mais “avançado” em termos de
teoria marxista lá fora ao exilá-los, coisa que dificilmente teriam ficando por
aqui, ou só teriam décadas depois devido ao atraso nacional em relação à
produção intelectual externa).
Outra provisão
dos militares foi o término do ensino clássico, substituído pelo cientificismo
positivista. Desprovido de tudo o que era interessante e formador na cultura,
as escolas incumbidas da tarefa da “educação universal” promovida pelo Estado
deram seguimento ao emburrecimento e estupidificação enlatadas, em massa. Na
esteira apareceram os “construtivistas” e “piagetianos” que associados ao
discurso de saberes “do oprimido” celebravam o embrutecimento. A educação foi
tornada em “ferramenta política” – não quero julgar aqui as intenções de Paulo
Freire em sua “pedagogia do oprimido”, mas segundo ele mesmo, “a
alfabetização (…) associada sobretudo a certa práticas claramente políticas de
mobilização e de organização, pode constituir-se num instrumento para o que
Gramsci chamaria de ação contra-hegemônica” (FREIRE, A Importância do Ato de
Ler).
Freire, o ídolo
de 11 em cada 10 pedagogos, segundo críticos, não passa de uma mistura
indisfarçável de Makarenko e Gramsci (a menos, é claro, para os pedagogos que
não dão notícias de nem um, nem outro). E os educandos do projeto brasileiro
são gente em preparação para o tal “exercício de questionamento e reflexão
sobre sua condição”, claro, de acordo com as premissas da teoria da hegemonia.
Esse exercício, em larga medida, constitui-se meramente no questionamento da
noção de autoridade: do professor, dos pais, dos agentes do Estado, dos mais
velhos… é a formação de um exército em estado permanente de desordem mental,
nada sabendo de fato, sofrendo somente de uma raiva e irritação constantes.
Não por acaso,
o MEC anda à polvorosa tentando assassinar no berço a ideia de educação
doméstica (o homeschooling) e grita a plenos pulmões o monopólio estatal da educação
compulsória – a família e a comunidade são ambientes perigosos por portarem
valores “tradicionais” até que uma certa engenharia social os transforme em
ferramentas de situação social oposta. De um lado o sucateamento do ensino de
matemática, português (gramática e a literatura clássica), ciências (a não ser
o uso doutrinário de elementos úteis contra o Cristianismo, por exemplo), e, de
outro, o ensino marxista de história, geografia, a “educação sexual”, o ensino
de “literatura” e todo o lixo possível como equiparável à alta cultura tornam a
educação em outra coisa que não a formação de indivíduos integrados psicológica
e comunitariamente. Tudo o que sobra é essa legião de furiosos.
A ação
contra-hegemônica trata de esvaziar a “direita”, fazendo toda a imagem do
conservadorismo associada às oligarquias obtusas e tacanhas e ao empresariado
que está longe de qualquer exercício político ou intelectual coerente, e que
pensa somente que qualquer governo está justificado desde que não interfira
demasiadamente nos negócios (ou que os impulsione; daí as experiências bem
sucedidas em polos chineses de “socialismo de mercado”, ou na intervencionismo
seletivo da política econômica brasileira). Toda a imoralidade, antiética,
corrupção e malignidade ficam conferidos ao outro espectro ideológico num falso
maniqueísmo. Não creio ser exagero dizer que essa “revaloração” toca até
esquemas de teodiceia: o mal, todo ele, é fruto do conservadorismo, e o bem, a
soteriologia está associada aos novos valores da esquerda. Veja que por muito
tempo os petistas e esquerdistas em geral eram gente da qual era impossível
pensar o pecado da corrupção e traição das “causas populares”; toda a desgraça
brasileira, a bandidagem, é responsabilidade dos “demônios de direita”. O
Cristianismo, até, precisa tornar-se uma “religião de esquerda” para encontrar
justificação.
Lula não está
errado, mesmo PT e PSDB estão do mesmo lado do espectro, estão em oposição
dentro da mesma matiz. Ambos compartilham a origem uspeana, radicalmente
marxista (aos incautos: radicalmente, i.e., na raiz). A realização de eleições
sem candidatos de direita, sem uma posição madura do outro lado do espectro é
um péssimo sinal. A esterilidade e recursividade são sinais de que a democracia
vai mal, a ausência de debate real é um sinal dos tempos. E qualquer
esquerdista que se quiser democrata (se isso ainda for possível depois das
definições) haverá de concordar comigo que a ausência de bons oponentes
conservadores é um sintoma de uma doença aguda. Crer nos “valores de esquerda”
e em toda esta visão de mundo é esquecer-se de que é construída por homens,
feita por homens e, portanto, atende a intenções de homens; e o homem, de
esquerda ou direita, é caído, é mau e injusto. Se as monarquias caíram, em
parte, porque entendeu-se que o poder total na mão de um só homem era o risco
maior de opressão (então melhor mantê-lo no maior número possível de mãos),
podem ressuscitar pela criação do Leviatã da hegemonia (e homogeneização), os
homens todos cingidos por um só sistema, excluído o diálogo e a situação de
reflexão.
«O
Conservadorismo, no sentido da conservação, faz parte da essência da atividade
educacional, cuja tarefa é sempre abrigar e proteger alguma coisa», dizia Hannah Arendt. Vencer o Leviatã e retomar o diálogo implica diretamente na
recuperação da alta cultura e dos valores “de direita”, exatamente daquilo que quer exterminar a “revolução silenciosa”.
O risco de não se realizar tal tarefa é a extinção da situação democrática e
dos valores civilizacionais ocidentais no país, engolfando-nos novamente no
abismo sem luz nem voz, sem forma e vazio.
Fonte: andretavares.wordpress
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