Seja bem vindo, amigo!

Seja bem-vindo, amigo! Seja você também mais um subversivo! Não se entregue e nem se integre às mentiras do governo e nem da mídia! Seja livre, siga o seu instinto de liberdade! Laissez faire! Amém!

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domingo, 28 de fevereiro de 2016

Socialismo: a vantagem da elite vigarista sobre a ambição popular

“Assim como os vigaristas necessitam do arrivismo da própria vítima para que eles possam aplicar os seus golpes. Os socialistas precisam da ambição popular para que possam aplicar os golpes deles. Na verdade, tudo não passa de um jogo de ambição de ambas as partes, em que um dos lados tenta levar vantagem sobre o outro.” Anon, SSXXI

Frases subversivas ou libertárias (42)

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Os economistas austríacos que refutaram Marx e sua tese de que o trabalho assalariado é exploração

Por Richard Ebeling

Políticos adoram declarar publicamente que sabem qual é o valor do salário mínimo que qualquer trabalhador no país deveria receber.  Só não explicam como chegaram a esse valor e nem muito menos por que o valor escolhido não pode ser $1 maior ou menor.

Adicionalmente, todos eles têm uma certeza: empresários, empreendedores e capitalistas são exploradores sem coração que se aproveitam da mão-de-obra de alguns de seus trabalhadores não lhes pagando a "quantia justa" que seu trabalho genuinamente merece.

O que está por trás deste pensamento sobre o valor "razoável" ou "justo" do salário mínimo é o fantasma de um pensador que há muito tempo pensava-se que teria sido relegado à lata de lixo da história: Karl Marx (1818-1883).

A teoria do valor-trabalho de Marx para o valor de um trabalhador

A concepção de Marx a respeito da "escravidão salarial" injusta que os capitalistas e empreendedores impunham a seus trabalhadores tornou-se a premissa e o grito de guerra que resultaram nas revoluções comunistas do século XX, com toda a sua destruição e terror.

Marx insistia em que o "valor real" de qualquer bem produzido era determinado pela quantidade de trabalho empregado na sua fabricação. Se a produção de um par de sapatos consome quatro horas de trabalho, e se são necessárias duas horas de trabalho para preparar e assar um bolo, então a "taxa de câmbio" justa entre essas duas mercadorias deveria ser a de um par de sapatos por dois bolos. Dessa maneira, esses dois bens seriam trocados a uma taxa que representa quantidades comparáveis do tempo de trabalho gasto para produzi-los.

Se o trabalho de um operário produziu, digamos, três pares de sapatos durante uma jornada de trabalho de doze horas, então o trabalhador tem o justo direito à propriedade dos três pares de sapatos produzidos pelo seu trabalho, de modo que ele poderia trocá-los pelos produtos que quisesse adquirir dos outros trabalhadores.

Contudo, insistia Marx, o capitalista que contratou o trabalhador não lhe paga um salário igual ao valor dos três pares de sapatos que este produziu. Isso ocorre, segundo Marx, simplesmente porque o capitalista é o proprietário da fábrica e das máquinas (a fábrica e as máquinas são a propriedade privada que o trabalhador utilizou para produzir esses sapatos).  Logo, estando estes bens de produção em propriedade do capitalista e não do trabalhador, o trabalhador tem de se sujeitar às demandas do capitalista, aceitando assim entregar ao capitalista uma fatia daquilo que sua mão-de-obra produz — caso contrário, morrerá de fome no frio.

O empregador paga ao trabalhador um salário somente igual a, digamos, dois pares de sapatos, desta forma "roubando" uma parte do seu trabalho.

Assim, na concepção de Marx, o valor de mercado do terceiro par de sapatos do qual o capitalista se apropriou a partir do trabalho do trabalhador seria a fonte de seu lucro, ou o ganho líquido sobre os custos de contratar o trabalhador.

Eis aí a origem da noção marxista de "renda imerecida", que seria a renda que não decorre de ter de trabalhar e produzir, mas simplesmente de se ser o proprietário de um negócio privado que emprega trabalhadores que realmente fazem todo o trabalho.

O capitalista, como você vê, não faz nada. Vive do trabalho dos outros, enquanto fica sentado em seu escritório, com seus pés sobre a escrivaninha, fumando um charuto (quando ainda era "politicamente correto" fazer isso). Não é de se surpreender, diante deste raciocínio sobre o trabalho, os salários e o lucro, que políticos e intelectuais não tenham apreço por capitalistas e empreendedores.

Carl Menger e o valor subjetivo das coisas

Karl Marx morreu em 1883, aos 64 anos de idade. Uma década antes de sua morte, no início dos anos 1870, sua teoria do valor-trabalho foi derrubada por diversos economistas. O mais importante deles foi o economista austríaco Carl Menger (1840-1921) em seu livro de 1871, Princípios de Economia Política.

Menger explicou que o valor de um bem não deriva da quantidade de trabalho despendida em sua fabricação. Um homem pode gastar centenas de horas fazendo sorvetes de lama, mas se ninguém atribuir qualquer serventia a estes sorvetes de lama — e, portanto, não os valorizar o suficiente para pagar alguma coisa por eles —, então tais produtos não têm nenhum valor, não obstante as centenas de horas gastas em sua fabricação.

Assim como a beleza, o valor — como diz o velho provérbio — está nos olhos de quem vê. O valor de um bem é subjetivo: depende do uso e do grau de importância pessoal (subjetiva) que alguém confere a esse bem (seja ele uma mercadoria ou um serviço).  Se o bem servir para algum fim ou propósito, então terá valor para ao menos uma pessoa.

Bens, ao contrário do que diz a teoria marxista, não têm valor por causa da quantidade de trabalho consumida em sua produção. Por outro lado, uma determinada habilidade de trabalho pode ter grande valor caso seja considerada útil (como um meio produtivo) para se alcançar um objetivo que alguém tem em mente.

Adicionalmente, o valor de bens idênticos decresce à medida que a quantidade delas aumenta.  E isso ocorre porque atribuímos a cada quantidade adicional de um mesmo bem à nossa disposição um propósito menos importante do que o propósito já atribuído para as unidades previamente adquiridas desse bem.

Por exemplo, à medida que acrescento camisas idênticas ao meu guarda-roupa, cada camisa extra em geral terá menos importância para mim do que as mesmas camisas que comprei anteriormente. Os economistas chamam isto de "utilidade marginal decrescente dos bens".

Ninguém paga por um bem mais do que aquilo que considera que ele vale

Assim, não há um valor mínimo "objetivo" que seja inerente ao ato de trabalhar. Um empregador contrata trabalhadores porque estes irão ajudá-lo a produzir um produto que acredita que poderá vender a potenciais consumidores. Na medida em que o empregador contrata trabalhadores com as mesmas habilidades específicas, cada um desses trabalhadores é alocado para uma tarefa menos importante do que aquela para a qual o trabalhador anterior, de mesma habilidade, foi contratado.

Como consequência, nenhum empregador pode pagar ou irá pagar mais por algum trabalhador do que aquilo que acredita que seus serviços valem (em termos de agregar valor às suas atividades de produção).

Sendo assim, o valor de um trabalhador depende do tanto que o empregador acredita que o bem produzido vale para o público consumidor, que é quem decide comprar — ou se abster de comprar — o bem que o trabalhador ajuda a produzir.

Suponha que um empregador acredite que algumas das pessoas de sua força de trabalho contribuem com não mais do que $ 6 por hora para fabricar um produto que ele espera vender aos consumidores. Se o governo lhe disser que ele tem a obrigação legal de pagar a cada um de seus trabalhadores um salário mínimo que não pode ficar abaixo de $ 7,40 ou $ 10,10 por hora, não será nada surpreendente se ele optar por dispensar aqueles trabalhadores que considera custarem mais do que produzem.

Adicionalmente, outros empregos que poderiam estar disponíveis por $ 6 por hora nunca chegarão a existir.

Tudo o que um salário mínimo decretado pelo governo consegue fazer é expulsar do mercado de trabalho aqueles trabalhadores cuja contribuição para a fabricação de um produto é menor do que o valor que o governo determinou que deve ser pago a eles.

Mas o que o empregador faz exatamente? No que ele contribui para o processo de produção, para além do trabalho feito pelos empregados contratados? Marx, conforme vimos, argumentou que o "lucro" do capitalista seria o valor daquela fatia da produção do trabalhador que foi apropriada pelo empregador simplesmente pelo fato de ele ser proprietário do empreendimento no qual o trabalhador está empregado.

Böhm-Bawerk e a importância da poupança para a geração de empregos

Outro economista austríaco, Eugen von Böhm-Bawerk (1851-1914), que desenvolveu muitas das ideias que se originaram com Carl Menger, respondeu a Marx.

Em uma importante obra em três volumes intitulada Capital and Interest (1914), e em diversos ensaios, dos quais os mais importantes foram "Unresolved Contradiction in the Marxian Economic System" (1896) e "Control or Economic Law" (1914), Böhm-Bawerk perguntou: de onde vêm os empreendimentos nos quais os trabalhadores são empregados? E de onde vêm os recursos que garantem o pagamento dos salários dos trabalhadores?

Como a fábrica foi construída? De onde vem o capital — as máquinas, ferramentas e equipamentos — das fábricas, com o qual os trabalhadores contratados realizam seu trabalho para produzir os bens que eventualmente estarão disponíveis para os consumidores comprarem?

A resposta de Böhm-Bawerk foi que alguém necessariamente teve de poupar uma parte dos rendimentos obtidos no passado para, então, utilizar esses recursos poupados na construção da empresa e no seu aparelhamento com todos os bens de capital necessários, sem os quais o trabalho de qualquer trabalhador seria consideravelmente muito menos produtivo, com muito menos quantidades produzidas, e muito mais imperfeito em sua qualidade.

O empreendedor que inicia um empreendimento tem necessariamente de ou ter economizado os fundos necessários para cobrir suas próprias despesas de investimento ou ter tomado emprestado de outros que pouparam o necessário. Alguém teve necessariamente de se sacrificar, de abrir mão do consumo no presente para que essas economias estejam disponíveis no futuro para financiar o empreendimento.  Quando o empreendimento for feito, ele poderá então gerar um retorno financeiro no futuro, quando o produto houver sido fabricado e for vendido.

Um indivíduo só irá abrir mão do seu consumo no presente se ele for suficientemente compensado com um ganho futuro que faça valer a pena abrir mão desse consumo e prazer no presente.  Poupança é sacrifício e esse sacrifício tem de ser compensado.

É por isso que são pagos juros.  Juros são o preço pago a alguém que optou por abrir mão do consumo presente para, com isso, obter um valor maior no futuro.  Juros são o preço que arbitram se os recursos serão consumidos no presente ou investidos para o futuro.  Juros são o preço que os poupadores recebem no futuro por sacrificarem satisfações mais imediatas do presente, até que as quantias emprestadas sejam pagas de volta.

E o tomador de empréstimo paga esses juros porque ele valoriza mais o uso que fará do dinheiro e dos recursos que toma emprestado hoje do que todo o juro que pagará pelo empréstimo no futuro.

Empreendedores e capitalistas poupam os trabalhadores de terem de esperar pelos seus salários

O fato de empreendedores terem esses recursos à disposição — sejam eles oriundos de sua própria poupança passada ou de terem pegado emprestado a poupança de terceiros — significa que aqueles que ele emprega não terão de esperar até que os bens sejam produzidos e realmente vendidos para receberem seus salários pelo trabalho que realizaram durante o período de produção.

O empregador, em outras palavras, "adianta" aos trabalhadores o valor de seus serviços enquanto o processo de produção está em andamento, precisamente para aliviar seus empregados de terem de esperar até que as receitas da venda dos produtos aos consumidores sejam recebidas no futuro.

O fato de o trabalhador não receber o "valor total" da produção futura simplesmente reflete o fato de que é impossível o homem trocar bens futuros por bens presentes sem que haja um desconto no valor. O pagamento salarial representa bens presentes, ao passo que os serviços de sua mão-de-obra representam apenas bens futuros.

Com efeito, é por isso que é correto dizer que é o empreendedor quem de fato "faz tudo", pois sem sua disposição e capacidade para organizar, financiar e dirigir o empreendimento, seus empregados não teriam trabalho e nem receberiam salários antes que um único produto fosse fabricado e vendido.

A apreciação deste último ponto é de importância crucial. O empreendedor não é somente o organizador da empresa e o investidor que faz tudo acontecer; ele também é quem irá arcar com as consequências caso não obtenha um lucro pelos seus esforços empresariais.

Empreendedores arcam com a incerteza de planejar para o futuro

Os trabalhadores e todos os demais que fornecem ao empreendedor os bens, serviços e recursos necessários para que todo o processo de produção ocorra recebem seu pagamento enquanto o trabalho está sendo feito.  Já o empreendedor arca com toda a incerteza sobre se irá ganhar ou não o suficiente com a venda de seus produtos para cobrir todas as despesas nas quais incorreu.  Ele, aliás, nem sequer sabe se conseguirá vender seu produto.

Ao pagar aos seus empregados os salários que foram acordados por contrato, o empreendedor os alivia da incerteza a respeito de se, no final do processo, haverá lucro, prejuízo, ou se a empresa ficará no zero a zero.

É o empreendedor quem tem de fazer os julgamentos especulativos e criativos sobre o que produzir e a que preços seus produtos poderão ser vendidos. A precisão deste juízo empreendedorial em conseguir antecipar melhor do que seus concorrentes aquilo que seus consumidores podem querer comprar no futuro, bem como os preços que poderão pagar por esses bens, é o que determinará o sucesso ou fracasso de seu empreendimento.

Assim, Karl Marx errou completamente ao não entender o que determina o valor dos bens, o valor dos trabalhadores no processo de produção, e o papel vital e essencial do empreendedor, que é realmente quem faz com que as coisas aconteçam.

O mal decorrente das políticas baseadas em Marx

É de pouca importância se políticos e intelectuais que vêem trabalho, salários e empreendedores sob uma ótica de conflito de classes estão cientes do quanto suas concepções a respeito do capitalismo e do mercado de trabalho são implicitamente derivadas e influenciadas pelas ruminações obsoletas de um socialista revolucionário de meados do século XIX.

O que realmente importa é que políticas econômicas baseadas nesses equívocos marxistas a respeito da natureza e do funcionamento da economia de livre mercado irão gerar malefícios para aquelas mesmas pessoas a quem, supostamente, tais políticas deveriam ajudar.

E tais políticas equivocadas destruirão ainda mais os fundamentos essenciais do sistema de livre mercado, o qual, no decorrer dos últimos duzentos anos, deu aos homens uma liberdade pessoal e prosperidade material jamais ocorrida em toda a história humana. São políticas que destroem a liberdade que as pessoas possuem para trabalhar e se associarem livremente das maneiras que considerarem mais vantajosas, e que têm o potencial de levar a sociedade a um caminho ruinoso e conflituoso.

Fonte: Mises Brasil

Os idiotas e suas leis

“Aqueles idiotas foram fazendo leis e mais leis; foram dando direitos, além do que se possa imaginar, para aqueles que nem mesmo mereciam. Foram sobrecarregando as vidas das pessoas com burocratas, impostos, fiscais, multas e polícias. As empresas foram fechando, os investidores foram embora, desemprego em massa, aumento da criminalidade e convulsão social... Enfim, deu no que deu, e o resultado não poderia ter sido outro senão a miséria prenunciada.” Anon, SSXXI

Frases subversivas ou libertárias (41)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A Poeira da Glória - Martim Vasques da Cunha

Lançamento do livro "A Poeira da Glória" - Martim Vasques da Cunha – Rodrigo Gurgel


Lobão e Martim ao vivo. A Poeira da Glória e roquenrou na veia, rapaziada


Vale a pena ler esse artigo desse mesmo autor...

Eric Voegelin e a coragem da Filosofia

Por Martim Vasques da Cunha

The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity. W.B. Yeats, “The Second Coming

 Conta-se que o filósofo grego Anaxágoras caminhava por uma estrada quando encontrou um homem agonizante. Este lamentou o fato de estar distante de sua pátria na hora da morte. Para tranqüilizá-lo, Anaxágoras disse-lhe: “Não se preocupe, meu caro. A descida ao inferno é a mesma de qualquer lugar”…

A historieta, dura – embora não tanto: lembremo-nos que o Hades grego não tem o mesmo peso que o inferno tem para nós, o de uma rejeição eterna e irrevogável do real -, alude à coragem que todos temos de ter se queremos conhecer a realidade.

Antes de mais nada, porém, o que é essa tal “realidade”? Não tenho a pretensão de responder aqui a esta pergunta, mas, para ir à raiz do problema, basta que nos perguntemos: O que entendemos por realidade? Como a compreendemos? Esse foi, em todos os tempos, um problema constante, que só pode encontrar alguma solução se o homem der ouvidos a esse fundo insubornável do ser de que fala Ortega y Gasset, ao mais íntimo dos seus pensamentos naquele momento em que enfrenta o seu reflexo no espelho e tenta reconhecer a própria face.

É daí que me dirijo a você, leitor. Não sou filósofo, e muito menos um condutor de homens. Sou, no máximo, um cidadão que, por uma comichão na consciência, tenta observar as coisas como são e por isso chegou a algumas conclusões perturbadoras. Por isso, gostaria de que me lesse, não como quem traz respostas para todos os problemas, mas apenas como alguém que reflete sobre o que todos sabem, mas talvez tenham medo de dizer. E aqui procurarei que essa voz não seja apenas minha; através dela, queria transmitir a de outra pessoa, a do homem que tentarei apresentar aqui: Eric Voegelin.

Um filósofo para uma seleta minoria

Voegelin nasceu em Colônia, na Alemanha, a 3 de janeiro de 1901, e faleceu em Stanford, na Califórnia, a 19 de janeiro de 1985. É um dos maiores filósofos do século XX, mas permanece ignorado em boa parte dos meios acadêmicos nacionais. Por quê? Bem, na verdade, não há mistério nisso: é um autor difícil por ser duro como poucos, rigoroso como um verdadeiro filósofo deve ser e, como se não bastasse, escreve com uma facilidade que desnorteia os que pensam que a filosofia deve ser transmitida como um código secreto para iniciados. Além disso, não brinca com as coisas sérias da vida.

Pelos locais de nascimento e morte, já percebemos que não morreu na terra natal. Em 1938, teve de fugir de Viena, onde tinha estudado e depois começado a carreira universitária, devido ao Anschluss, a anexação da Áustria pela Alemanha governada pelo Partido Nacional-Socialistas dos Trabalhadores. Nessa altura, era já persona non grata para os nazistas: em 1933, quando eles haviam chegado ao poder, publicara dois estudos que criticavam as raízes ideológicas do partido – Raça e Estado e O Estado autoritário.

Em Viena, tinha sido discípulo de Hans Kelsen, o filósofo do Direito positivista que, ironicamente – porque as suas teorias serviram para fundamentar doutrinalmente o sistema legal nazista – , também tivera de fugir por ser de ascendência judaica. Voegelin não era judeu nem socialista, e também não tinha a intenção de ser um opositor político do nazismo; era contrário a qualquer ideologia por motivos estritamente intelectuais e espirituais, pois num momento em que mais ninguém tinha coragem de admiti-lo, já sabia que era insustentável ser nazista para qualquer um que quisesse manter um mínimo de honestidade moral.

Depois de uma breve passagem pela Suíça, chegou aos Estados Unidos, onde recomeçou a carreira acadêmica como filósofo, fixando-se na Universidade de Louisiana, em Baton Rouge. Era um fim de mundo acadêmico, convenhamos, mas permitiu-lhe preparar-se durante vinte anos para o trabalho de toda a vida – desmascarar o mecanismo que permite às ideologias políticas corromper uma nação inteira.

Ali começou por escreveu um tratado de 3.200 páginas sobre a História das idéias políticas, que abandonou e que só viria a ser publicado postumamente. A seguir, dedicou-se a pesquisar os símbolos religiosos de Israel e da filosofia grega, e publicou parte dos resultados deste trabalho no livro A nova ciência da política, de 1953, que lhe valeu uma reportagem na Time e o transformou em um nome celebrado nas universidades americanas. Mesmo assim, Voegelin não se acomodou sobre os louros, mas começou a redação do grande tratado Ordem e História, iniciado em 1955 e só terminado no final da vida.

Contudo, em 1958, treze anos depois do fim da Segunda Guerra, suas atividades acadêmicas nos Estados Unidos foram interrompidas quando a Ludwig-Maximilian Universität de Munique o convidou a assumir a cátedra de ciências políticas, que tinha sido a de Max Weber e estava vaga havia vinte anos. Ali, Voegelin acrescentou um trabalho administrativo às responsabilidades acadêmicas, fundando o Instituto de Ciência Política. Por fim, em 1969, voltou para os Estados Unidos, desta vez para trabalhar em Stanford, onde permaneceria até a morte.

“Dominar” o passado?

Voegelin aceitou o desafio de voltar para a Alemanha – apesar da posição de destaque no meio acadêmico conquistada a duras penas –
por um motivo simples: era a oportunidade de, vinte anos depois, acertar as contas com os fantasmas do nazismo.

Quando chegou, o país estava em pleno processo de “desnazificação”. Oficialmente, tratava-se uma “condenação do passado nazista” feita pelo povo e pelo governo de Konrad Adenauer, que girava em torno da noção de culpa coletiva. O termo soava bem num país ocupado por quatro potências ocidentais e dividido por um muro, mas realmente “desnazificava” o país? Essa “revisão” do passado assegurava uma mudança real para o presente e o futuro?

Voegelin responderá decididamente que não. Em 1964, deu uma série de palestras sob o título de Hitler e os alemães que foram um enorme sucesso de público.[1] Conforme o filósofo tinha pretendido, esse público estava composto na sua maioria por estudantes, que eram o seu alvo preferencial por já correrem o risco de perder a noção do que fora viver nos tempos de Hitler. E as perguntas que lhes fez não diziam respeito a pretensas culpas coletivas, mas atingiam aquele fundo insubornável do ser individual: como fora possível que semelhante corrupção espiritual tivesse atingido todos os níveis da sociedade, da política à intelectualidade, do mundo dos negócios à moral? E essa corrupção não continuaria a atuar na mente da jovem geração, mesmo vinte anos depois do desaparecimento do nazismo?

De acordo com a retórica da culpa coletiva, todos os alemães seriam culpados pelo nazismo. Que sentido fazia isso? Os membros do partido teriam a mesma responsabilidade que os que tinham votado em Hitler por acharem que seria o salvador do mundo? E os que não queriam saber de política e desejavam apenas escapar ao pesadelo da ruína econômica após a Primeira Guerra Mundial? Tudo isso não passava de uma paródia de expiação, que mascarava algo muito mais importante: a responsabilidade individual.

De fato, a “desnazificação” não atingia os altos escalões do poder público. Membros importantes da antiga burocracia nazista – simples “funcionários” ou “burocratas”, dizia-se, sem responsabilidade pelas decisões criminosas e por isso mesmo incapazes de perturbar alguém – permaneciam em cargos-chave do novo governo. Um caso clamoroso era o de Hans Globke, que despertou as mais ferozes indignações de Voegelin e da filósofa Hannah Arendt.

Em 1958, Globke era o braço direito de Adenauer, ocupando o cargo de “subsecretário de Estado e chefe da divisão pessoal da Chancelaria da Alemanha Ocidental”. Vinte e seis anos antes, fora um dos funcionários mais respeitados do Ministério do Interior do Terceiro Reich. Quando surgiu o escândalo em torno do seu passado, Globke apressou-se a afirmar que apenas procurara tomar “medidas mitigadoras”. Curiosas medidas, aliás… Em primeiro lugar, fora o autor da lei segundo a qual todo judeu deveria ter como segundo nome “Israel” e usar uma estrela de Davi amarela a fim de mostrar que não tinha “ascendência ariana”; e isso foi em 1932, quando “a subida de Hitler não era uma certeza, mas apenas uma forte possibilidade”. Mais tarde, já no ministério, criara a lei que obrigava moças tchecas que pretendessem casar com soldados alemães a exibir fotos em que apareciam vestidas de maiô, para comprovar os dados antropométricos arianos (talvez fosse mesmo uma mitigação, pois antes se exigiam fotos em que apareciam nuas…).

Isso já fora denunciado por Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém, o livro-reportagem publicado em 1962 que narrava o julgamento de Adolf Eichmann, acusado pelo governo de Israel de ser o “arquiteto da Solução Final”. Arendt se perguntava se Eichmann, um burocrata arrivista, seria o monstro de que tanto se falava. E chega à conclusão de que não: tratava-se de um “homem-massa”, sem vida interior, sem convicções pessoais, imbuído apenas do intuito de seguir o rebanho – mesmo que este praticasse assassinato em quantidades industriais. De quem era a responsabilidade? Dos alemães? Dos judeus? Do Ocidente? Talvez de todos, desde que isso não mascarasse o fato de que, antes de mais nada, o verdadeiro responsável por suas ações era o próprio Eichmann.

A conclusão que se impunha era que o verdadeiro processo de “desnazificação” não se podia obter por meio de um processo legal ou político; era necessária uma reviravolta da consciência, uma revolução do espírito – uma conversão pessoal que tinha de começar com uma “descida aos infernos”. E essa foi a tarefa que Voegelin se impôs ao chegar à Alemanha em 1958: fazer a sua terra natal compreender que, para “dominar” o passado, tinha antes de mais nada de “dominar” o presente.

A descida ao inferno

Para isso, Voegelin recupera e propõe no conjunto da sua obra duas noções praticamente esquecidas no ambiente acadêmico: a do homem maduro e a do princípio antropológico.

O “homem maduro” corresponde ao spoudaios de Aristóteles, a pessoa que desenvolveu ao máximo as suas potencialidades e, em conseqüência, aprendeu que governar e comandar os outros é antes de mais nada governar e comandar-se a si mesmo, especialmente no domínio das paixões e dos sentimentos. Conhece a profundidade da sua alma e da dos seus semelhantes porque desceu ao inferno do conhecimento próprio e de lá voltou. Neste sentido, não é apenas alguém que manda, mas alguém que representa os anseios mais íntimos dos homens de carne e osso que compõem a sociedade; não é um chefe político ou institucional, mas um líder autêntico, com liderança existencial, pois chega a ser o reflexo da sociedade que governa. Tudo isso pode ser resumido na seguinte sentença: a sociedade é a alma do homem escrita por extenso. Voegelin recuperará essa noção de Platão e a chamará de princípio antropológico.

Ora bem, nas suas palestras sobre “Hitler e os alemães” Voegelin começa apresentando uma carta escrita por um jovem acadêmico à famosa revista Der Spiegel:

“Quando lemos que Hitler foi um amador, ‘abaixo da média dos homens’, perguntamo-nos automaticamente como então ele foi capaz de modelar uma época. Reconheço que ele era um ‘jogador’, mas um jogador que ofuscou os outros. […] E o seu único crime foi o de ser um jogador que perdeu, e que levou consigo todo um povo, de maneira que afundou com ele. Entretanto, toda a política é um jogo e os ganhos aumentam quando as apostas são altas. Hoje já não podemos e não queremos jogar; portanto, também nos é impossível ganhar – a não ser o tão cotado padrão de vida. Mas talvez estejamos perdendo mais, mesmo sem Hitler”.

Aqui estão prefigurados muitos dos clichês que, inquietantemente, voltamos há pouco a ouvir repetidos na imprensa e na academia: o de que Hitler, no fim das contas, era um grande líder, o de que a política é um jogo, e o de que sua única culpa foi perder. Nem se menciona que o nazismo e o seu líder tinham um projeto de eliminação sistemática de toda uma raça e, nas palavras de Churchill, de toda a civilização.

Voegelin apresenta outro exemplo, extraído de um acadêmico que faz a seguinte descrição física e psicológica de Hitler:

“Hitler fascinava as pessoas com seus olhos azuis profundos, ligeiramente esgazeados, quase radiantes. Muitos que se encontravam com ele eram incapazes de resistir a seu olhar”.

E, com palavras mais reveladoras:

“É quase impossível comunicar aos que nunca o conheceram o impacto pessoal de Hitler […]. Havia, no entanto, muitas pessoas sobre quem isso não tinha absolutamente nenhum efeito. Certa vez um coronel me descreveu que, quando estava conversando com Hitler, sentiu uma aversão crescente ao homem enquanto este o fitava de perto (vale notar que Hitler dispensou esse coronel e outros muitos rapidamente). A reação reversa foi provocada numa requintada proprietária da Pomerânia de ascendência aristocrática e convicções cristãs, que detestava Hitler. Encontrou-o por acaso no passeio de madeira de uma praia do Mar Báltico, foi atingida por um breve momento pelo olhar dele e declarou, como fulminada por um raio, que embora ainda não gostasse dele, sentia que ele era um grande homem. Aqueles a quem Hitler tolerava perto dele eram, é claro, mais do que tocados pelo seu olhar, e eram transformados em seus satélites voluntários”.

Nestes parágrafos quase hagiográficos, o Führer aparece como um “enigma”, como se tivesse uma “aura” incomum que o transformasse em um homem situado “além do bem e do mal”. É verdade que o seu autor, Percy Schramm, tinha feito parte do Supremo Comando das Tropas de Guerra; mas já agora, devidamente munido do seu “certificado de desnazificação”, era um acadêmico de renome e ganhador da Ordem do Mérito – a maior honra que, na Alemanha pós-guerra, se podia conferir a um civil.

Esse tipo de mitificação, diz Voegelin, mascara um fato relevante para qualquer análise política decente: o da representação social. Se as pessoas viam essa “aura” em Hitler, por mais que antipatizassem com a sua causa, as suas idéias ou mesmo a sua pessoa, era porque desejavam participar dela, ver essa “aura” refletida nelas mesmas. O jornalista Konrad Heiden descreveu isso com precisão já em 1933, quando ainda ninguém previa as dimensões que o nazismo viria a assumir:

“Com uma confiança ímpar, Hitler expressou o pânico sem palavras das massas confrontadas por um inimigo invisível e deu um nome ao espectro sem nome. Ele era um fragmento puro da própria alma da massa moderna […]. Alguém se perguntará quais foram as artes pelas quais ele conquistou as massas; na verdade, ele não as conquistou, apenas as retratou e as representou“.

Essa intuição brilhante, que Heiden captou no calor da hora, mostra o fundo da “aura” e do “enigma” de Hitler. Não havia ali nada da liderança do “homem maduro”, mas apenas um homem-massa imbuído de um intenso complexo de inferioridade e da intensidade que conferem a angústia e o ódio. O próprio estilo repleto de clichês dos “hagiógrafos” manifesta esta realidade, pois a primeira manifestação da corrupção social está na corrupção da linguagem, que se torna uma “língua de madeira”, rígida, repetitiva e vazia de sentido real, como a que caracterizou igualmente o governo totalitário soviético.

Manipulação, não liderança

Schramm acrescenta, ainda no tema do “enigma de Hitler” e baseado em testemunhos dos que cercavam o Führer, que este só contava aos que lhe estavam próximos o estritamente necessário, mesmo nos momentos decisivos da Segunda Guerra. Essa atitude enigmática é às vezes mencionada, mesmo hoje, como uma “técnica de liderança”. Voegelin, pelo contrário, chega a uma conclusão muito mais banal e concreta:

“O problema obviamente escapou a Schramm, pois esse sonegar informações, mesmo aos membros do Estado Maior e do Almirantado, tinha uma razão institucional. Nos últimos anos, Hitler não contou com nenhum Estado Maior para conduzir a guerra, mas tomou as rédeas do exército em suas próprias mãos, pois temia ser posto sob pressão se tivesse de enfrentar um grupo de seis ou sete generais e almirantes com visão de jogo. Assim, lidava com eles apenas individual e pessoalmente, e esse contato isolador, em que nenhuma pessoa sabia qual era o plano todo, era uma tática deliberada e um instrumento de estabelecimento da ditadura“.

Com efeito, esse reservar para si a informação de conjunto é uma das técnicas clássicas de manipulação do poder. Novamente, não há aí nenhum tipo de liderança, mas apenas uma imposição da ambição pessoal.

Uma segunda amostra dessa manipulação surge da análise do relacionamento do Führer com a sua “comitiva”. Para Schramm, como para outros, a “culpa de tudo” não estaria em Hitler, mas sim naqueles que o cercavam. Ele, homem imbuído de um sonho grandioso, teria sido influenciado por asseclas criminosos e incompetentes; se tivesse podido traduzir na prática os seus ideais, o nazismo teria tido outro destino histórico.

Ora, é mais do que sabido que a ordem decisiva para a última fase da “Solução Final” – a do extermínio em massa dos judeus – veio do próprio Hitler. O que nos leva à teoria oposta, também apresentada com certa freqüência: a “culpa de tudo” teria sido exclusivamente do Führer, não do partido nem do governo nem do povo. Sabemos aonde conduz esse raciocínio: à afirmação de que “o nazismo foi desvirtuado por Hitler; sem ele, seria outra coisa, muito mais bonita” (É interessante notar que se usa o mesmo procedimento para o comunismo, apenas trocando “Hitler” por “Stálin”).

As duas teorias são nitidamente insuficientes. Se aplicarmos o princípio antropológico, o de que o líder representa os anseios dos seus adeptos, veremos que Hitler se cercava de uma comitiva incompetente porque ele próprio era incompetente. Por ser o representante do homem-massa inferiorizado, as suas palavras só encontravam eco em uma “pseudo-elite” intelectual e militar que, no fim, não passava de uma “massa inferiorizada”,
de uma “ralé”.

Voegelin apresenta seis parâmetros para analisar o “caso de amor” de Hitler com sua comitiva:

“(1) Hitler estava a par da inadequação de seu círculo. (2) Hitler era, no entanto, obcecado com a ‘camaradagem’ e a ‘lealdade’. Desaprovava veementemente as mudanças que Mussolini fazia em sua guarda, as trocas de ministros. (3) Ele era conservador em seus hábitos de vida e dificilmente rompia relações com pessoas com quem crescia. (4) Teria ocorrido uma mudança, no entanto, se tivesse sido capaz de ver os seus homens como eram realmente, de discernir quem dentre eles era incompetente ou tinha sérias deficiências de caráter. Eis a contradição: por um lado, ele tinha consciência da inadequação desse círculo; por outro, não era capaz de detectar-lhes a incompetência, as deficiências de caráter. (5) Portanto, não tinha precisamente aquilo pelo que muitas vezes foi louvado: o conhecimento da natureza humana. (6) Hitler conseguia suprimir um julgamento inteiramente correto, mas que não lhe era conveniente, a fim de justificar pessoas que lhe pareciam úteis e devotadas”.

É especialmente importante aqui a expressão “como eram realmente“. A incompetência de Hitler e de sua comitiva devem-se simplesmente a que não foram capazes de ver a realidade. Por isso, não formaram uma “elite”, uma minoria seleta que sabe que primeiro a realidade tem de ser estudada com amor para só depois se tornar dócil; formaram uma “ralé” que acreditava que a realidade estivesse aos seus pés apenas por serem eles quem eram. E se as coisas davam errado, limitavam-se a negar toda a responsabilidade, lançando as culpas, conforme o caso, ora no Führer, ora na sua comitiva. Mas quem se recusa a ver as conseqüências do real, não merece outro nome que o de estúpido.

Pneumopatologia da estupidez

Antes de mais nada, devo dar um esclarecimento. O leitor talvez se tenha surpreendido com as palavras “ralé” e “estúpido”, e pense que são insultos vulgares. Não são. Na verdade, são termos técnicos e rigorosos, que classificam um determinado comportamento diante do real. Além de que um insulto preciso às vezes pode ser um excelente diagnóstico.

Comecemos com o termo “estupidez”. Voegelin faz um resumo delicioso de como essa palavra é usada desde o início dos tempos, da Bíblia até a mais recente literatura moderna, passando pela filosofia grega. Os israelenses chamam o homem que cria desordem na sociedade de “tolo”, nabal, pois não é um “crente”, não aceita a revelação de Deus; Platão usa outro termo, amathes, o homem irracional, que não se curva à razão e, portanto, tem uma imagem defeituosa da realidade. Para São Tomás de Aquino, o “tolo” é o stultus, o estulto, que não compreende nem a revelação, nem a razão, e mesmo assim tenta mudar a realidade, tendo como resultado óbvio produzir o caos. Por fim, na literatura moderna Voegelin encontra no escritor austríaco Robert Musil as expressões “estúpido”, “idiota” e “néscio”, que retratam o mesmo tipo humano.

Qualquer um de nós já sentiu o momento em que se depara com a estupidez do próximo como um dos tormentos mais angustiantes de sua vida. Ortega y Gasset define certeiramente a distinção entre o tonto e o “perspicaz”: o segundo sempre se surpreende a dois passos de se tornar um tonto (e aí está o início da inteligência), ao passo que o primeiro jamais suspeita de si mesmo, sempre se considera “discreto” e se instala na sua torpeza e tranqüilidade de “néscio”. Não há como tirar o tonto da sua tontice; aliás, como bem diz Ortega, a diferença entre um “néscio” e um homem “mau” é que o mau descansa às vezes, o néscio nunca.

Voegelin toma de Musil os conceitos de “estupidez simples” e “estupidez inteligente”. O “estúpido simples” é alguém que erra por ignorar o que acontece, por mera desinformação; já o “estúpido inteligente” é alguém que insiste no erro por acreditar que sempre tem razão. Do resumo histórico que o filósofo faz, ressalta uma constante que caracteriza o “estúpido inteligente”: a negação deliberada da razão, que lança o ser humano na bestialidade, mesmo que esta assuma as formas aparentemente sofisticadas da técnica ou da ideologia. O estúpido não quer conhecer, prefere permanecer na negação da realidade. No fim das contas, pensa com o poeta alemão Novalis (muito admirado pelos nazistas): “o mundo será como eu quero que ele seja”. Por não respeitar a realidade como ela é, violenta-a de uma forma ou de outra; mas, como ela é “insubornável”, cedo ou tarde ela se vingará, pregando-lhe uma peça. E como resultado o estúpido assume uma atitude de revolta contra tudo e contra todos.

Ao binômio de Musil, Voegelin acrescenta mais um termo para descrever “Hitler e os alemães”: o de “estupidez criminosa”. Se o estúpido inteligente insiste no erro, o criminoso está disposto a fazê-lo custe o que custar. A sua vontade racional é substituída por um desejo de poder alucinado, que acaba encontrando satisfação somente na destruição do seu semelhante; as aparentes “razões” que invoca para fazê-lo – de raça, de credo, de cor ou de sexo -, não passam de pretextos.

Hitler foi exatamente isso: um estúpido criminoso, o exato oposto do spoudaios, do homem maduro defendido por Aristóteles. Contudo, permaneceu um ser humano: não é possível perder a razão ou o próprio espírito só porque queremos: eles continuam a fazer parte da constituição humana. Como diria Voegelin: “Foi de uma humanidade em forma absolutamente humana, porém a humanidade mais notavelmente desordenada e doente: uma humanidade pneumopatológica“. O estúpido, e mais ainda o estúpido criminoso, não é um “psicopata”, mas algo mais profundo: sofre de uma doença do espírito, de uma pneumopatologia, que nasce da vontade humana mas acaba por enraizar-se em todo o ser da pessoa.

Musil criou também a distinção entre “primeira realidade” e “segunda realidade”. A primeira é a realidade captada pela apreensão concreta das coisas, entendida pela razão e refletida no bom senso, em que todos vivem e se comunicam; a segunda é a pseudo-realidade criada como alternativa pelo espírito doente, em que ele tentará viver e expressar-se independentemente dos desejos dos seus semelhantes. Quando ocorre o choque inevitável entre as duas, nasce a mentira erigida num sistema em que todos os dados incompreensíveis da “primeira realidade” têm de encontrar uma explicação exata na “segunda realidade”. E nesse momento ocorre uma desumanização: o ser humano, esse algo concreto e inesgotável, feito de carne e espírito, é transformado em um mero conceito, uma simples abstração – uma “estatística”. Daí para o genocídio é apenas um passo.

Este foi o caso da Alemanha na época em que foi representada política e existencialmente por Adolf Hitler. Não houve nenhuma “aura”, nenhum “enigma”, muito menos uma “personalidade demoníaca”: tratava-se somente de uma nação de estúpidos governada por um estúpido criminoso. No choque entre a primeira realidade e a segunda, a “elite” da nação abdicou do espírito e decidiu deixar-se escravizar pelo desejo de poder, tornando-se “ralé” submetida à “autoridade da ignorância”. Essa “ralé” só estava aberta à vontade do Führer, e isso porque também ela estava imersa na mesma doença espiritual.

Para mostrar com clareza o que caracteriza a “ralé”, Voegelin usa um episódio do Dom Quixote. Como todos sabem, o cavaleiro espanhol é a personificação do homem que vive na “segunda realidade”, confundindo moinhos com monstros e camponesas com nobres donzelas. A certa altura do romance, o Quixote é libertado de uma gaiola de madeira pelo cônego, que o acompanha até a sua casa e procura convencê-lo de que suas aventuras não passam de rematada loucura. O cavaleiro responde-lhe que suas aventuras são tão reais como as que compõem os livros de cavalaria da época; o verdadeiro louco, diz, seria o cônego, que não acredita nesses livros “apesar de terem sido publicados com a licença do rei”. Aqui temos o raciocínio característico da “autoridade da ignorância”: aceita-se incondicionalmente a mentira porque “a autoridade” (que pode ser do rei, do Führer ou da “maioria”, tanto faz) a aprova.

A resistência dolorida

Uma “ralé” comandada por um “estúpido”, intoxicada por uma doença erigida em sistema legal: essa estupidez institucionalizada gera uma situação de sonâmbulos conduzidos por outros sonâmbulos. Houve, entretanto, alguns que se ergueram contra essa “opção preferencial pelo desastre” e cumpriram a famosa frase do filósofo inglês Richard Hooker: ao menos “a posteridade saberá que não deixamos, pelo silêncio negligente, que as coisas se passassem como um sonho”.

O mito de que não houve resistência ao nazismo mostra-se cada vez mais infundado. Já mencionamos as obras do próprio Voegelin ou o de Robert Musil, que, ainda em 1937, deu uma conferência pública chamada “Da estupidez”. Mas existiram vários tipos de resistência, como o dos prelados Faulhaber ou Von Galen (que os nazistas não ousaram prender), de católicos como Fritz Gehrlich e Alfred Delp (executados), dos pastores Dietrich Bonhöffer (preso e executado) e Martin Niemöller (a princípio fascinado pelo nazismo, mas que percebeu a armadilha e foi preso), de intelectuais como Hermann Broch e Thomas Mann (exilados nos EUA) – e, é claro, dos irmãos Hans e Sophie Scholl.

Em fevereiro de 1943, os Scholl – que tinham formado com mais três amigos um grupo clandestino chamado “Rosa Branca” – distribuíram nos corredores da universidade de Munique milhares de panfletos em que denunciavam a loucura da guerra e a existência de campos de concentração. A Gestapo, com eficiência alemã, caçou-os e prendeu-os quase que imediatamente. Depois de uma farsa de julgamento, os Scholl foram condenados à morte e levados à guilhotina; Sophie tinha 21 anos e Hans, 25 anos. A evocação dos dois não é casual: o próprio Voegelin batizou o Instituto de Ciência Política de Munique, que fundou e onde deu as suas palestras sobre “Hitler e os alemães”, de Geschwister-Scholl-Institut (Instituto Irmãos Scholl); para o filósofo de Colônia, uma política autêntica tem de estar sob a égide da coragem.

A conclusão de Voegelin é um chamado à responsabilidade individual e a uma qualidade completamente insuspeitada neste contexto: a humildade. Porque a humildade é exatamente aquilo que afirmamos no início deste artigo: confiar na realidade. A coragem de confiar no real é a única garantia que permite superar a estupidez institucionalizada, tornar-se um homem maduro e encontrar essa realidade que fundamenta o encontro com todas as outras realidades: a vida do espírito. São necessários anos e anos de dedicação, e é necessária também uma reviravolta interior para perceber as coisas por esse novo olhar. Mas o começo de tudo está em perceber que estamos sempre a dois passos de nos tornarmos estúpidos.

Enfrentar-se com essa clareza é uma espécie de descida aos infernos; mas não esqueçamos que o estúpido também desce, e de maneira muito pior: no caso de Hitler, basta ler os últimos relatos de sua vida no fétido bunker onde escolheu morrer. Uma frase publicitária da época, profundamente irônica, afirmava: “Hitler no bunker – esse, sim, é o verdadeiro Hitler!” E o que era? Segundo Joachim
Fest, um homem consumido pelo ódio à humanidade, cristalizado nos seus padrões de pensamento, dominado por uma força irracional orientada somente para a destruição. É interessante confrontar esta atitude com a de Winston Churchill, a “nêmesis de Hitler”, que descreve assim os seus “anos de ostracismo” na década de 30:

“Todo profeta deve provir da civilização, mas todo profeta tem de ir para o deserto. Deve ter uma impressão profunda de uma sociedade complexa e de tudo o que ela tem para dar, e depois atravessar períodos de isolamento e meditação. É mediante esse processo que a dinamite psíquica é feita”.

O spoudaios, o homem que “desceu ao inferno” do autoconhecimento e de lá voltou, é precisamente esta “dinamite psíquica”. Esta é a lição que Eric Voegelin deixou para todas as jovens gerações: a de que a tarefa da filosofia é cultivar a coragem e confiar no real, sempre de acordo com o aviso do profeta Ezequiel: “Filho do homem, te pus como sentinela para a casa de Israel. Assim, quando ouvires uma palavra da minha boca, hás de avisá-los da minha parte. Quando eu disser ao ímpio: ‘Ímpio, certamente hás de morrer’ e tu não o desviares do seu caminho ímpio, o ímpio morrerá por causa da sua iniqüidade, mas eu requererei o seu sangue de ti. Por outra parte, se procurares desviar o ímpio do seu caminho, para que se converta, e ele não se converter do seu caminho, ele morrerá por sua iniqüidade, mas tu terás salvo tua vida” (Ez 33:7-9).

Martim Vasques da Cunha é escritor, jornalista e coordenador do departamento de Humanidades do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS).



As Revoluções e a Democracia: As Garras e o Corpo do totalitarismo – Apenas uma questão de tempo.

“A primeira revolução russa começou em 1789, na França; quase tão sanguinária quanto à segunda revolução russa de 1917. Ambas pregavam a igualdade, mas eliminaram quase todos aqueles que pensavam ou agiam de forma diferente. Pregavam a irmandade, mas somente entre os membros interesseiros da nova elite dominante. Pregaram a liberdade, que nunca foi cumprida, mas à custa das guilhotinas, da fome e dos extermínios em massa nos campos de concentração.  O nome de tudo isso é Democracia.” Anon, SSXXI

Frases subversivas ou libertárias (40)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Por que precisamos urgentemente de uma direita?

Por André Tavares

Num pronunciamento há alguns anos, Lula manifestou sua satisfação (ou felicidade?) com o fato de que as eleições subsequentes no Brasil seriam concorridas somente por candidatos “de esquerda”. A afirmação do então presidente era sintomática, e era um indício de que a agenda “gramsciana” encontrava-se adiantada na medida em que se tornava patente que para a opinião pública a moralidade política e democrática situava-se já, na geografia das ideias, à esquerda do espectro ideológico. Trata-se daquele momento no qual, para o “homem de rua”, o comprometimento ético confunde-se com a doutrina esquerdista. Sem “uma gota de sangue” os valores socialistas ganham plausibilidade não somente nas estruturas sociais, conduzindo as políticas públicas e o planejamento, mas também, e mais importante, na mente, na subjetividade.

Ao contrário do bolchevismo, que pretendia primeiramente o controle das instituições sociais e dos meios de produção para depois promover as mudanças estruturais, a “nova esquerda” pós-Segunda Guerra percebeu no embate cultural e político o verdadeiro campo de disputa – o chamado “Marxismo Cultural”. A conquista de corações e mentes é a via mais segura para um propósito tão amplo; e a Revolução Russa já havia dado duas lições importantes para a esquerda: (I) o determinismo marxista havia sido desmentido por um bando de camponeses semimedievais liderados por cossacos semiletrados, (II) o sangue que uma revolução derrama cobra um preço alto demais em termos deopinião pública em outros países, o que dificulta a duplicação do mecanismo, e (III) adoutrina econômica marxista está radicalmente equivocada, demonstrando que a revolução depende profundamente das mudanças na superestrutura (era preciso reinverter o que Marx inverteu).

Em lugar da rudeza e frenesi da sublevação e da frieza cínica de um regime totalitário, que precisa criar um aparato para controle, censura e supressão das dissidências difícil de gerir e sustentar por muito tempo, é preciso gerar uma situação social à qual as pessoas queiram se submeter e, consequentemente, manter. Um sistema que mantenha coisas como gulags precisa promover um nível de alienação e terror nas massas muito maior do que qualquer sociedade burguesa pode produzir (por isso Arendt está muito certa quando localiza nazismo e comunismo no mesmo âmbito), ao mesmo tempo que basta um número mínimo de indivíduos e grupos serem jogados para situações limite para que a plausibilidade que sustenta o contexto se desfaça.

Sociedades industriais e pós-industriais não se submeteriam facilmente ao batismo de fogo revolucionário nem a um regime totalitário nos moldes stalinistas, visto que sua complexidade oferece vias de desalienação e disseminação de informação virtualmente impossíveis de controlar (veja que a China precisa manter um exército de trabalhadores simplórios em indústrias modernas e controlar firmemente a circulação de informação não oficial, criando uma monstruosidade composta de controle tradicional na superestrutura e controle hipertécnico na infraestrutura). Está contado em verso e prosa que desde o domínio da bomba atômica, o destino da estrutura soviética estava decidido, e o marxismo e o movimento revolucionário voltou-se para a kulturkampf, e a teoria revolucionária tendia ao “marxismo democrático”. Pode ser uma relação absolutamente espúria, mas foi o que o partido nazista fez na Alemanha – depois de um golpe fracassado, Hitler investiu na militância partidária, na propaganda e no engajamento de certos segmentos corporativos e profissionais estratégicos (como os médicos, como sugere “Arquitetura da Destruição”), e conseguiu o poder pelas urnas (e por negociações partidárias para o cargo de chanceler).

A Teoria da Hegemonia desenvolvida por Gramsci é uma estratégia bastante simples e largamente adequada para este cenário, e audaciosa por questionar o modelo determinista e escatológico do marxismo clássico (na verdade, parece-me que Gramsci inverteu Marx: transformar pela mudança de valores e não pela posse coletiva dos meios de produção é marxianamente um contrassenso). A base da ação encontra-se, portanto, na educação e na persuasão, no inculcamento dos “valores de esquerda”, na transformação da mentalidade, auferindo uma nova cosmovisão e mudando as bases da cultura. Segundo Finocchiaro, a primeira providência é produzir uma clivagem, uma oposição que ao invés de produzir simplesmente um conflito, promova a dominação de um dos lados por outro com a permissão ou concordância do primeiro. Para tanto é preciso “eliminar” os elementos (intelectuais, sobretudo) “não-engajados”, ou ostracizando-os ou rotulando-os (casos paradigmáticos no Brasil: Gilberto Freyre, Bruno Tolentino, Nelson Rodrigues, Gustavo Corção) atribuindo-lhes pertença à posição “conservadora” (no sentido mais negativo que o termo possa assumir) – todo ator deve ser reconhecido como um agente partidário de uma “classe”.


A educação ganha a maior relevância nesse cenário. No caso brasileiro, a esquerda vive a dizer horrores da ditadura (e isso não é uma justificação para o regime militar), e esfumaça o fato de que a universidade ficou praticamente intocada pelos milicos, e lá o pensamento marxista-esquerdista prosperou e informou a intelectualidade, formadores de opinião, professores, políticos e a cabeça da classe média brasileira. De certa maneira, o golpe terminou por prestar um serviço à esquerda no Brasil ao impedir a ação dos marxistas daquele tipo mais obtuso, numa espécie de “seleção” que beneficiou os “revisionistas” (colocando-os em contato, até, com o que havia de mais “avançado” em termos de teoria marxista lá fora ao exilá-los, coisa que dificilmente teriam ficando por aqui, ou só teriam décadas depois devido ao atraso nacional em relação à produção intelectual externa).

Outra provisão dos militares foi o término do ensino clássico, substituído pelo cientificismo positivista. Desprovido de tudo o que era interessante e formador na cultura, as escolas incumbidas da tarefa da “educação universal” promovida pelo Estado deram seguimento ao emburrecimento e estupidificação enlatadas, em massa. Na esteira apareceram os “construtivistas” e “piagetianos” que associados ao discurso de saberes “do oprimido” celebravam o embrutecimento. A educação foi tornada em “ferramenta política” – não quero julgar aqui as intenções de Paulo Freire em sua “pedagogia do oprimido”,  mas segundo ele mesmo, “a alfabetização (…) associada sobretudo a certa práticas claramente políticas de mobilização e de organização, pode constituir-se num instrumento para o que Gramsci chamaria de ação contra-hegemônica” (FREIRE, A Importância do Ato de Ler).

Freire, o ídolo de 11 em cada 10 pedagogos, segundo críticos, não passa de uma mistura indisfarçável de Makarenko e Gramsci (a menos, é claro, para os pedagogos que não dão notícias de nem um, nem outro). E os educandos do projeto brasileiro são gente em preparação para o tal “exercício de questionamento e reflexão sobre sua condição”, claro, de acordo com as premissas da teoria da hegemonia. Esse exercício, em larga medida, constitui-se meramente no questionamento da noção de autoridade: do professor, dos pais, dos agentes do Estado, dos mais velhos… é a formação de um exército em estado permanente de desordem mental, nada sabendo de fato, sofrendo somente de uma raiva e irritação constantes.

Não por acaso, o MEC anda à polvorosa tentando assassinar no berço a ideia de educação doméstica (o homeschooling) e grita a plenos pulmões o monopólio estatal da educação compulsória – a família e a comunidade são ambientes perigosos por portarem valores “tradicionais” até que uma certa engenharia social os transforme em ferramentas de situação social oposta. De um lado o sucateamento do ensino de matemática, português (gramática e a literatura clássica), ciências (a não ser o uso doutrinário de elementos úteis contra o Cristianismo, por exemplo), e, de outro, o ensino marxista de história, geografia, a “educação sexual”, o ensino de “literatura” e todo o lixo possível como equiparável à alta cultura tornam a educação em outra coisa que não a formação de indivíduos integrados psicológica e comunitariamente. Tudo o que sobra é essa legião de furiosos.

A ação contra-hegemônica trata de esvaziar a “direita”, fazendo toda a imagem do conservadorismo associada às oligarquias obtusas e tacanhas e ao empresariado que está longe de qualquer exercício político ou intelectual coerente, e que pensa somente que qualquer governo está justificado desde que não interfira demasiadamente nos negócios (ou que os impulsione; daí as experiências bem sucedidas em polos chineses de “socialismo de mercado”, ou na intervencionismo seletivo da política econômica brasileira). Toda a imoralidade, antiética, corrupção e malignidade ficam conferidos ao outro espectro ideológico num falso maniqueísmo. Não creio ser exagero dizer que essa “revaloração” toca até esquemas de teodiceia: o mal, todo ele, é fruto do conservadorismo, e o bem, a soteriologia está associada aos novos valores da esquerda. Veja que por muito tempo os petistas e esquerdistas em geral eram gente da qual era impossível pensar o pecado da corrupção e traição das “causas populares”; toda a desgraça brasileira, a bandidagem, é responsabilidade dos “demônios de direita”. O Cristianismo, até, precisa tornar-se uma “religião de esquerda” para encontrar justificação.

Lula não está errado, mesmo PT e PSDB estão do mesmo lado do espectro, estão em oposição dentro da mesma matiz. Ambos compartilham a origem uspeana, radicalmente marxista (aos incautos: radicalmente, i.e., na raiz). A realização de eleições sem candidatos de direita, sem uma posição madura do outro lado do espectro é um péssimo sinal. A esterilidade e recursividade são sinais de que a democracia vai mal, a ausência de debate real é um sinal dos tempos. E qualquer esquerdista que se quiser democrata (se isso ainda for possível depois das definições) haverá de concordar comigo que a ausência de bons oponentes conservadores é um sintoma de uma doença aguda. Crer nos “valores de esquerda” e em toda esta visão de mundo é esquecer-se de que é construída por homens, feita por homens e, portanto, atende a intenções de homens; e o homem, de esquerda ou direita, é caído, é mau e injusto. Se as monarquias caíram, em parte, porque entendeu-se que o poder total na mão de um só homem era o risco maior de opressão (então melhor mantê-lo no maior número possível de mãos), podem ressuscitar pela criação do Leviatã da hegemonia (e homogeneização), os homens todos cingidos por um só sistema, excluído o diálogo e a situação de reflexão.

«O Conservadorismo, no sentido da conservação, faz parte da essência da atividade educacional, cuja tarefa é sempre abrigar e proteger alguma coisa», dizia Hannah Arendt. Vencer o Leviatã e retomar o diálogo implica diretamente na recuperação da alta cultura e dos valores “de direita”, exatamente daquilo que quer exterminar a “revolução silenciosa”. O risco de não se realizar tal tarefa é a extinção da situação democrática e dos valores civilizacionais ocidentais no país, engolfando-nos novamente no abismo sem luz nem voz, sem forma e vazio.

Fonte: andretavares.wordpress