Por Johan Norberg
Uma vez eu fiquei interessado em teorias sobre o desenvolvimento econômico, porque eu estudei um país pobre, mais pobre que o Congo, que comparado com a média dos países em desenvolvimento, tinha metade da expectativa de vida e índices de mortalidade infantil três vezes mais altos.
Uma vez eu fiquei interessado em teorias sobre o desenvolvimento econômico, porque eu estudei um país pobre, mais pobre que o Congo, que comparado com a média dos países em desenvolvimento, tinha metade da expectativa de vida e índices de mortalidade infantil três vezes mais altos.
Este país foi onde eu
nasci, a Suécia – há menos de 150 anos.
Naquela época a Suécia era
incrivelmente pobre – e faminta. Quando havia problemas na colheita, meus
ancestrais no norte do país, em Ångermanland, misturavam cascas de árvore ao
pão para amenizar a fome. A vida em vilas e cidades não era mais fácil. O
superpovoamento aliado à falta de serviços de saúde, saneamento e sistema de
coleta de lixo provocavam mortes todo dia. No início do século XX, uma típica
família de trabalhadores com cinco ou mais filhos provavelmente estaria vivendo
em uma casa com um quarto e uma cozinha, que também serviam como sala de jantar
e dormitório. Várias pessoas moravam com outras famílias. Estatísticas mostram
que na Estocolmo de 1900, algo em torno de 1400 pessoas viviam em um único
edifício com 200 apartamentos de um quarto. Em condições como essa, não é
difícil imaginar que doenças eram abundantes. Os cidadãos tinham muitos filhos
não somente pela falta de métodos contraceptivos, mas também pelo risco de que
muitos deles não sobrevivessem por muito tempo.
Como Vilhelm Moberg, nosso
maior autor, salientou quando escreveu a história do povo sueco: “De todas as
maravilhosas histórias do povo sueco, nenhuma é mais extraordinária e admirável
que essa: ele sobreviveu a todas.”.
Contudo, em um século, tudo
mudou. A Suécia teve o maior e mais rápido desenvolvimento econômico e social
que seu povo já experimentou, e um dos mais velozes que o mundo já viu. Entre
1850 e 1950 a renda média dos suecos aumentou oito vezes, enquanto a população
dobrou. A mortalidade infantil diminuiu de 15 para 2%, e a expectativa de vida
aumentou em inacreditáveis 28 anos. Uma nação de camponeses pobres se tornou um
dos países mais ricos do mundo.
Muitos estrangeiros pensam
que essa transformação foi uma vitória dos sociais-democratas suecos, que
teriam, de alguma forma, achado o perfeito caminho centrista para taxar,
gastar, regular e distribuir igualmente a riqueza sueca – sem destruir a
capacidade de cria-la que geralmente acompanha essas políticas. Foi assim que a
Suécia – um pequeno país de nove milhões de habitantes no norte da Europa –
transformou-se em uma fonte de inspiração para todos aqueles que acreditam no
papel do governo na criação e distribuição de riquezas.
No entanto, há algo errado
com essa interpretação. Em 1950, quando a Suécia era conhecida mundialmente por
sua história de sucesso, os impostos e os gastos públicos eram menores que no
resto da Europa e nos Estados Unidos. Até aquele momento os políticos do país
não tinham iniciado os programas de altos impostos e massiva distribuição da
renda. O maior desenvolvimento social e econômico aconteceu quando a Suécia
ainda possuía uma economia laissez-faire, com a igualdade social precedendo o
estado de bem-estar social.
Essa é a história do que
aconteceu. É a história que deveria ser ensinada por países que querem chegar
onde a Suécia está hoje, porque se eles querem alcançar essa meta, eles
precisam fazer o que o país fez naquela época, não o que uma já rica Suécia faz
agora.
O pai do liberalismo sueco
Em 1763 Anders Chydenius,
um jovem pastor de Österbotten, na Finlândia (nessa época parte da Suécia),
sentou-se para escrever sua contribuição para uma competição de redações. A
questão que ele iria responder era uma das mais debatidas na Suécia daquele
período: “Por que tantas pessoas deixam a Suécia?”. A emigração aumentara e era
vista como um grande problema. A interpretação mais comum era a de que as
pessoas eram preguiçosas e gananciosas, e, em vez de assumirem
responsabilidades e trabalharem duro, elas eram tentadas por promessas de uma
vida mais fácil no exterior.
A resposta de Chydenius foi
o oposto. Não há nada de errado com a emigração, ele escreveu. O problema é o
opressivo e corrupto sistema que torna impossível as pessoas continuarem na
Suécia e construírem uma boa vida no país. Ao detalhar todos os abusos,
regulamentações e impostos que destruíam oportunidades, Chydenius esquematizou
com base no laissez-faire uma radical crítica
ao governo sueco. Ele mostrou que privilégios, licenças e proibições ao
comércio protegiam uma pequena e preguiçosa aristocracia e impedia dedicados
trabalhadores de criarem o seu próprio destino. Altos impostos confiscavam
qualquer coisa que o povo conseguia criar; um sistema de justiça corrupto
tornava impossível se ganhar dos poderosos; e restrições à liberdade de
imprensa faziam com que fosse ilegal reclamar disso. “Pátria sem liberdade e
mérito é uma palavra forte com um significado fraco”, ele comentou.
Chydenius era um pastor
moderno, influenciado pelos ideais do Iluminismo. Ele espalhou a ciência e a
medicina na sua região e ajudou fazendeiros a melhorarem a produção agrícola
implementando métodos mais modernos de cultivo na região. Ele também era
familiarizado com as ideias dos fisiocratas franceses. Contudo, a maior parte da
sua visão de mundo sobre política e economia veio da sua experiência em
primeira mão com o sofrimento do seu povo. Alguns pensavam que que os pobres
eram preguiçosos e sem esperanças, na melhor das hipóteses a “natureza” dos
pobres deveria ser motivo de piedade. Chydenius mudou essa perspectiva para: Os
pobres são inteligentes e trabalham duro – eles tiveram que ser assim para
sobreviver em condições geográficas e econômicas tão adversas. O problema é que
eles tem que devotar a maior parte de suas energias e trabalho evitando
regulamentações, impostos e corrupção. Como consequência disso, algo que ele
batalhou persistentemente contra era a legislação trabalhista, que forçava os
pobres a trabalharem para os aristocratas e grandes fazendeiros, e evitavam que
eles mudassem de empregador ou negociassem seus salários.
Chydenius observou casos
particulares de opressão, estendendo sua crença na liberdade humana para novas
áreas e universalizando isso para criar um consistente sistema de crenças
libertárias. Ele queria um Estado Mínimo que garantisse “a segurança de nossas
vidas e propriedades”, com as únicas funções de prevenir o povo da “violência
do exterior e a opressão doméstica”. Fora dessas atribuições, o governo não
deveria intervir. O tamanho do governo e dos impostos deveria ser drasticamente
reduzido. Mercados e comércio deveriam ser completamente livres. Ele se opunha
a subsídios até mesmo para setores econômicos que ele próprio apreciava, como a
atividade agrícola e a pesca. De acordo com Chydenius, até mesmo o governo
deveria ser obrigado a cumprir o Sétimo Mandamento – não roubar. Fazendeiros
deveriam receber todos os direitos sobre suas terras, e até os mais pobres
camponeses deviam ter o controle do seu labor. O país deveria abrir as
fronteiras e permitir às pessoas transitarem livremente entre a Suécia e a
Finlândia. O povo deveria ser livre para discutir ideias e chegar as suas
próprias conclusões. Até mesmo em questões religiosas ela pensava que o governo
deveria ser liberal e dar os mesmos direitos para todas as crenças. “Eu falo
exclusivamente para a pequena, mas abençoada palavra: liberdade”, ele concluiu.
Drama no Parlamento
O que fez Chydenius uma
crucial figura na história política da Suécia foi o fato dele também ser um
ativista, e não apenas um teórico. Sua defesa dos direitos dos fazendeiros
locais de comerciarem livremente o fizeram popular, e os pastores de sua região
elegeram-no para o parlamento. Em 1765-66 ele viajou para Estocolmo, onde
deixou um duradouro legado em seu país. Isso aconteceu durante um pequeno
período em que a Suécia possuía uma monarquia fraca e um parlamento forte. Em
1765, o partido antirrusso “Partido do Chapéu” [N.R.: No original em inglês Hat
Party] perdeu poder para os “gorros” [N.R.: caps], que eram um pouco mais
interessados na paz e em restringir os gastos do governo, mas não tinham uma
ideologia coerente: Chydenius lhes deu uma. (A ala do parlamento que era
mercantilista e pró-guerra nomeou os seus oponentes como “Gorros”, e, por
contraste, começaram a se chamar de “Chapéus”. Os nomes pegaram.)
Por causa de sua habilidade
política e uma série de panfletos bem feitos que ele publicou no parlamento,
Chydenius se tornou o líder da ala
não-aristocrática do “Partido do Gorro”. Isso o levou a uma bem sucedida vitória
parlamentar na liberalização do comércio, redução de subsídios e diminuição de
impostos. Mais importante que isso, Chydenius conseguiu ganhar apoio para um
estatuto que permitisse liberdade de imprensa, abolindo a censura na Suécia.
Como resultado, as decisões das autoridades tornaram-se públicas. Isso era
único no mundo em 1766, e a Suécia logo ganhou reputação por ser um país onde o
debate era livre.
Um panfleto que Chydenius
publicou foi mais importante que os outros. O Ganho Nacional foi um curto, mas
forte, argumento a favor da liberdade econômica. Nele Chydenius explicou que um
livre mercado se autorregula com base nos lucros e no mecanismo de preços que
nos mantêm estimulados para ajudar os outros na produção de bens e serviços que
eles mais querem:
Todo indivíduo
espontaneamente tenta achar o lugar e o comércio no qual ele melhor incrementa
o Ganho Nacional, se as leis não o impedirem de fazer isso.
Todo homem busca seu
próprio ganho. Essa inclinação é tão natural e necessária que todas as
comunidades do mundo são fundadas nesse princípio. De outra forma, leis,
punição e recompensa não existiriam e a humanidade logo pereceria junta. O
trabalho que tem o maior valor é sempre a mais bem pago, e o que é mais pago é
o mais desejado
Esse conceito do Ganho
Nacional, embora pareça rígido para as nossas novas empresas, é, mesmo assim,
simples e fácil por si só.
Isso dá liberdade para
todas as trocas legais, mas sem prejudicar os outros. Isso protege os
empreendimentos dos mais pobres, encoraja a dedicação e o livre comércio.
Considera todos nas mesmas escalas, e ganho
é a medida certa que mostra quem deveria ter a preferência.
Isso livra o governo de milhares de
preocupações nada fáceis, estatutos e supervisões, quando os ganhos privados e
nacionais tornam-se um só interesse, e o egoísta prejudicial, que sempre tenta
se cobrir em baixo dos estatutos, pode ser, certamente, controlado pela
competição mútua.
Isso permite a um sueco exercer o maior e
mais prezado direito que a Natureza do Todo-Poderoso deu-lhe, como apoiar a si
mesmo no suor de sua testa da forma que ele achar ser a melhor.
Isso tira toda a preguiça dos ombros
daqueles que, graças a seus privilégios, podem agora dormir dois terços de seu
tempo de forma segura. Todos os expedientes para viver sem trabalhar serão
removidos e nada, senão os diligentes, poderão viver bem.
Isso gera uma desejável redução nas ações
judiciais. Os inúmeros estatutos, suas explicações, exceções e aplicações, as
quais limitam o comércio de uma forma ou outra, serão então desnecessárias e
silenciadas, e quando a lei for anulada, sua quebra não significará nada.
Nossas simples observações
do poder do mecanismo de preços e da auto-regulamentação do livre mercado,
Chydenius construiu sua visão do liberalismo econômico. Isso foi a mão
invisível onze anos antes d’”A Riqueza das Nações“, e Chydenius fora, de fato,
chamado de “o Adam Smith nórdico”. De acordo com Eli Heckscher, um dos mais
famosos economistas suecos do século XX, o panfleto provavelmente iria ter uma
grande repercussão internacional se, naquela época, tivesse sido traduzido para
alguma língua com maior número de falantes.
O radicalismo de Chydenius
alienou a nobreza dentro de seu próprio partido, e ele foi na verdade
descartado do parlamento pelo partido por causa de sua crítica aberta às
políticas monetárias. Contudo, sua influência continuou a crescer, parcialmente
porque as políticas monetárias levaram a uma crise, justamente como ele advertira.
Muitas das mais importantes figuras da elite cultural, que eram próximas ao rei
Gustaf III, foram fortemente influenciadas pelos pensamentos de Chydenius. Isso
vale para Nil Von Rosenstein, um defensor do iluminismo que liderou a Academia
Sueca; e o famoso poeta Johan Henrik Kellgren, que atacou o misticismo
religioso e os conservadores em suas obras e poemas, e explicou por que o
mercado deveria ser liberalizado em ensaios econômicos. Von Rosenstein e
Kellgren até mesmo iniciaram uma organização, com eles como os únicos membros,
para debochar as ocultas e supersticiosas organizações do final do século XVIII
na Suécia. Era chamada “Pro sensu communi” (For Common Sense) e respeitava o
dia 29 de agosto – aniversário de John Locke – como feriado. A visão deles era
a de que seres humanos eram criaturas racionais que necessitavam pensar por si
mesmos para entender o mundo e decidir como viver, por isso, a coerção deveria
ser abolida na medida que nos impelia contra nossas decisões racionais.
O próprio rei assinou uma
proposta de liberdade religiosa, elaborado por Chydenius, que garantiu aos
judeus o direito de se morarem na Suécia. Ele também deu aos fazendeiros mais
controle sobre suas terras e liberalizou o comércio agrícola. Contudo, o rei
também deu fim à era do parlamento forte e centralizou o poder em torno de si
mesmo. Depois que ele foi morto em 1792 por uma estranha conspiração entre
nobres que lutaram por seus privilégios e alguns que foram inspirados pela
Revolução Francesa, seu filho, Gustaf IV Adolf, usou esses poderes para
censurar o debate político e suspender o parlamento. Contudo, as ideias
liberais não estavam mortas. Georg Adlesparre, um oficial que chamou suas
crenças na liberdade individual e direitos de propriedade como “liberais” já em
1804, publicou uma controversa revista iluminista chamada Leituras em Temas
Mistos. E eles eram mistos, de fato. Poemas e estudos filosóficos eram
publicados próximos a artigos sobre liberalização da indústria de álcool e a
primeira tradução de A Riqueza das Nações para o sueco. Adlersparre adicionou
uma nota de rodapé para explicar como as ideias de Smith poderiam ser
implementadas na Suécia.
Uma nova oposição
Quando as políticas do rei
levaram o país à estagnação e conflitos com a Rússia, Dinamarca e França, os
suecos ficaram cada vez mais hostis ao seu poder. Além disso, tributação e
inflação aumentaram o fardo que o povo tinha que carregar. No final de 1808, os
militares suecos tiveram que abandonar o leste do território – a Finlândia –
para tropas russas. O ressentimento contra o rei que não conseguia suprir o
exército, mas se recusava a procurar a paz, cresceu até mesmo em círculos
militares. Nesse momento, Adlesparre, que agora liderava o exército sueco do
oeste, publicou uma proclamação dizendo que os conflitos militares e a opressão
estavam prestes a destruir a Suécia. Foi um manifesto revolucionário: para
salvar o país, o exército deveria agir contra o rei. Adlesparre e suas tropas
começaram uma popular marcha para Estocolmo. Por isso, o rei decidiu fugir para
o sul, mas foi preso por pessoas ligadas à burocracia da capital. Para deixar
claro que isso geraria mudanças políticas concretas, Adlesparre continuou a
marcha e o exército ocupou Estocolmo até que um novo parlamento fosse formado e
as reformas começassem a ser implementadas.
Essa foi a Revolução de
1809 – a única revolução violenta da história moderna da Suécia, e foi iniciada
por um oficial e editor liberal inspirado por Adam Smith.
O caminho para a liberdade
não seria tão direto quanto os liberais esperavam naquele tempo. O parlamento
restaurou a liberdade de imprensa, levou adiante algumas reformas econômicas e
reduziu privilégios aristocráticos. Mas os liberais, agora unidos no Partido
Liberal, estavam desapontados – e ficaram ainda mais quando a Suécia teve um
novo rei. Sempre desejando fazer amigos com as potências do redor, o Parlamento
Sueco escolheu um dos generais de Napoleão, Jean-Baptiste Bernadotte – que logo
seria Carlos XIV João da Suécia – como o novo rei. Ele surpreendeu a todos ao
dar a fim a guerra com a Rússia (ele abandonou a Finlândia, mas conquistou a
Noruega da Dinamarca), e também ao tomar atitudes hostis ao Iluminismo e a as
propostas de se realizar mais reformas. Os liberais novamente estavam na
oposição. Todavia, o fato da revolução ter restaurado a liberdade de expressão
de Chydenius significava que o debate era relativamente livre e um movimento
liberal genuíno poderia ser formado.
Influências da França e da
Inglaterra continuaram a dar suporte para ideias libertárias no começo do
século XIX. Reformas agrárias deram aos fazendeiros direitos de propriedade
sobre suas terras. A produção agrícola tornou-se mais eficiente, enquanto
muitas pessoas tiveram que deixar a terra. Os desempregados e os pobres
mudaram-se para as cidades apenas para se depararem com indústrias que tinham
muito potencial empregatício, mas estavam paradas graças a leis antiquadas.
Guildas locais controlavam profissões urbanas e tomavam todas as decisões sobre
quem tinha o direito de trabalhar, com qual qualidade e por qual preço. Leis e
regulamentações impediram que as indústrias de ferro e de madeira
expandissem-se, e uma grande quantidade de importações e exportações eram
proibidas.
Um grupo cada vez maior de
nobres também começou a ver problemas com uma sociedade construída em cima de
privilégios e hierarquias. Ao mesmo tempo, a classe média começou a emergir.
Fazendeiros que ficaram ricos com o aumento de produção, comerciantes que mostraram
algum progresso econômico e serventes civis que não eram nem nobres, nem
comerciantes, não se sentiam confortáveis com a antiga estrutura ou o
parlamento corporativista que era dividido em quatro estados: nobres, clero,
comerciantes e fazendeiros. Membros de todos esses grupos detinham capital, mas
não podiam investi-lo livremente. Eles tinham ideias, mas não eram livres para
implementá-las.
O arquiteto da mudança
Esses grupos começaram a
achar uns aos outros no início do século XIX. E o homem que fez tudo isso
acontecer foi um alto, ruivo e jovem jornalista radical, Lars Johan Hierta. Ele
era um empresário de sucesso, sempre fascinado pelas últimas tecnologias, e no
final tornou-se um dos homens mais ricos da Suécia graças às suas aventuras
empresariais. Ele também era um político, sempre tentando criar uma aliança
oposicionista no Parlamento. Mas o mais importante, em 1830 ele fundou o
Aftonbladet – O Jornal Vespertino -, o primeiro jornal moderno da Suécia, um
bastião do liberalismo sueco e o primeiro jornal a atacar não apenas o abuso de
poder, mas sim o próprio poder político.
Hierta inaugurou
Aftonbladet com o resto do dinheiro que tinha – se falhasse estaria arruinado.
Mas foi um tremendo sucesso. O revolucionário Adlesparre foi o seu primeiro patrocinador.
Foi o primeiro jornal sueco a combinar notícias e propagandas, e, como um
periódico vespertino, podia reportar as notícias que chegavam com as
correspondências matinais. Por causa do senso de humor de Hierta, o jornal era
satírico e divertido mesmo tendo um forte criticismo. No Aftonbladet, a
crescente classe média podia ler as primeiras “reportagens sociais” de como o
país estava indo: a destituição em áreas rurais; as terríveis condições em
superpovoados centros urbanos. Entretanto, eles também podiam ler sobre as
soluções – liberalização e industrialização. Aftonbladet apontou para países
mais liberais como exemplos: Noruega, Inglaterra, França e Estados Unidos. Em
sua parede, Hierta tinha uma cópia da pintura de Trumbull da assinatura da Declaração
de Independência Americana – uma declaração a qual Hierta chamava “a mais
bonita fundação e verdade para uma sociedade”.
Com seu liberalismo
iluminista urbano, Hierta transformou-se na voz da emergente classe média. Sua
primeira proposta no Parlamento – lidando com o consumo público de álcool – diz
muito sobre sua visão de mundo. Nessa época, era ilegal beber em público.
Hierta pensava que isso era legislação de classe, uma vez que só os pobres eram
pegos pela polícia. Ele argumentava que estar bêbado não deveria ser ilegal
enquanto o bêbado não ameaçasse qualquer pessoa ou propriedade. A carreira
política de Hierta foi dedicada a expandir os princípios libertários para novas
esferas. Ele acreditava em total liberdade de expressão, sufrágio universal e
direitos iguais para as mulheres. Seu princípio básico era que a nenhum grupo
deveria ter permissão para “tirar dinheiro do bolso dos outros”, além de sempre
tentar controlar os gastos governamentais. Também acreditava que todos deveriam
ser livres para começar um empreendimento, incluindo um banco, e comerciar sem
impedimentos.
A frase sobre não pegar
dinheiro do bolso dos outros foi constantemente repetida em círculos liberais.
Chydenius tinha uma expressão similar: A ninguém deveria ser permitido apoiar-se
nos ombros dos outros. Isso resumia o ponto central da ideologia liberal –
igualdade perante a lei, o governo não pode tomar lados. Todos os privilégios
que garantiam ou negavam a certas pessoas uma posição ou comércio deveriam ser
abolidos. Todos deveriam ter os mesmos direitos e serem tratados igualmente.
Isso também definiu um limite natural ao tipo de intervenção que poderia ser
aceita. Tudo que beneficiava um grupo à custa dos outros era rejeitado. Ao
invés disso, o governo deveria lidar com os bens públicos que beneficiavam à
sociedade inteira. Lei e ordem eram algo que todos concordavam. A maioria dos
liberais acreditava também que o governo deveria garantir educação básica,
dizendo que isso era algo que beneficiava a sociedade como um todo. Alguns, que
a infraestrutura também deveria ser incluída. Alguns liberais – apesar de não o
liberais radicais como Hierta – apoiavam que o governo financiasse um sistema
nacional de ferrovias. Mas mesmo esses diziam que isso só porque beneficiava o
país inteiro; as rotas locais de trem que beneficiavam determinadas regiões ou
cidades deveriam ser financiadas privadamente.
O liberalismo de Hierta era
baseado nos direitos naturais expostos por John Locke e as Revoluções Americana
e Francesa, mas ele frequentemente combinava essa abordagem com os argumentos
utilitários de Jeremy Bentham e dos liberais clássicos. Autores que que
combinaram essas duas abordagens, como o economista francês Frédéric Bastiat;
além de Richard Cobden e John Bright da Escola de Manchester; eram
especialmente populares com Hierta, e ele introduziu suas ideias no
Aftonbladet. O liberalismo sueco é distinto porque aproximou duas tradições ao
invés de seguir apenas uma linha de pensamento – alguns diriam que isso é
característico da mentalidade sueca.
O liberalismo sueco era um
tipo de “liberalismo harmonioso” que afirmava que a luta entre diferentes
grupos era uma ilusão. Todos os grupos e classes poderiam progredir juntos caso
os privilégios fossem abolidos e às pessoas fosse permitido sustentar-se e
lucrar servindo uns aos outros pelo livre mercado. Essa era a versão política
do Iluminismo em progresso, e ganhou ajuda da economia clássica. Quando Adam
Smith explicou que não era da benevolência do açougueiro que esperamos carne
boa e barata, mas sim do seu próprio interesse, era mais que uma afirmação
econômica, era também uma visão de mundo, uma maneira de dizer que o açougueiro
não é meu inimigo. Se todas as trocas fossem voluntárias, nós não entraríamos
em nenhum acordo a não ser que ambas as partes esperassem beneficiar-se.
Juntos, nós podemos progredir e melhorar o mundo.
Liberais suecos tinham essa
visão otimista de como lidar com problemas sociais. As antigas relações de
segurança das guildas apenas deram segurança a um grupo pequeno. Quando elas
foram abolidas, os liberais queriam ver grupos de ajuda mútua nos quais
trabalhadores e famílias voluntariamente organizassem poupança para os doentes
e desempregados, fundos de pensão e educação. Isso faria não apenas as pessoas
melhores financeiramente, mas também ajudaria a desenvolver um senso de
responsabilidade e uma habilidade de lidar com os próprios problemas.
Outros jornais
oposicionistas podiam ser silenciados por suborno ou ameaças, mas o regime
entendia que o Aftonbladet era diferente, um potencial líder das anteriormente
dispersas forças oposicionistas. No parlamento, fazendeiros e comerciantes
usavam os argumentos do Aftonbladet para incentivar reformas. Como resultado,
em 1835 o governo usou uma lei antiga da última guerra para censurar esse
veículo de comunicação. Contudo, com a ajuda de outros indivíduos, Hierta
conseguiu a permissão para começar outro jornal. Assim, quando o Aftonbladet
fechou, ele simplesmente abriu O Novo Aftonbladet. E quando esse foi fechado,
ele criou O Mais Novo Aftonbladet. Esse, por sua vez, foi seguido pelo O Quarto
Aftonbladet, e o quinto, o sexto, e assim foi.
O episódio deu ao
Aftonbladet um grande estímulo, e Hierta tornou-se celebridade e herói para
muitos. Os conservadores mais radicais diziam que a única forma de impedi-lo
era atacar com força e tornar ilegais novos jornais, mas o governo não tinha
coragem de fazer isso devido à popularidade de Hierta. Depois de mais de três
anos de “jogos de gato e rato”, Hierta ameaçou abrir outro jornal se o atual
fosse fechado. Temendo uma violenta reação do público, o governo
silenciosamente derrubou a antiga lei sem nem mesmo uma decisão do parlamento.
A liberdade de imprensa estava mais uma vez garantida, e todos podiam ver que o
governo podia ser vencido.
Um movimento
Passo a passo, a força da
oposição cresceu. Ela ganhou apoio de poetas e autores como C. J. L. Almqvist,
que também escreveu agressivos artigos liberais no Aftonbladet; Fredrika
Bremer, que explicou que Jesus foi o primeiro liberal, uma vez que ele era favorável
a direitos individuais; e E. G. Geijer, o famoso conservador que abandonou os
amigos em 1838, explicando que o mundo moderno, com seu comércio,
industrialização e liberdade de expressão, parecia um milagre, e que com mais
democracia e livre mercado, ele poderia ser levado a todos. Autores como Bremer
e Geijer introduziram valores religiosos ao liberalismo sueco. Em contraste,
pessoas como Hierta eram ateístas que não defendiam muito liberdade de crença
uma vez que isso era majoritariamente superstição. A nova geração de liberais,
contudo, via a liberdade religiosa como uma das mais importantes reformas.
Visões libertárias sempre
foram fortes entre os fazendeiros do parlamento. Ao lutar por um sistema mais
democrático, segurança nos direitos de propriedade da terra e liberdade para
comerciar, eles naturalmente acabaram no lado liberal. Por um tempo, oponentes
chamaram a maioria dos membros do estado dos fazendeiros como “os economistas
políticos”, acusando-os de serem mais interessados na economia teórica liberal
do que em políticas práticas.
No estado dos comerciantes,
a cena era mista. Um novo grupo de empreendedores que queriam liberdade
econômica para competir e desafiar a antiga organização, que protegia o
comércio da competição. A medida que o tempo passou, o novo grupo cresceu e
logo controlava o estado.
Os nobres e o clero, na
maioria das vezes, rejeitavam propostas para a liberalização, deixando os votes
dos estados seguidamente empatados em 2-2, bloqueando reformas. Mas entre os
nobres o jeito de pensar também estava começando a mudar. Um grupo chamado de
“liberais moderados” ganhou mais influência à medida que a opiniões no país
transformou-se na medida em que os suecos aprenderam os positivos resultados da
industrialização em outros países. Gradualmente, mas constantemente, maiorias
liberais foram formadas para abolir proibições de comércio e permitir a
abertura de novas indústrias.
Os liberais moderados – “os
cinzas” – tornaram-se ainda mais influentes após 1848. A revolução na França
assustou o rei, Oscar I, e a nobreza. Isso os ajudou a entenderem que os
problemas do desenvolvimento estavam pressionando e alguma coisa tinha que ser
feita para evitar uma revolução na Suécia. Entretanto, a todo custo eles
queriam evitar tanto o laissez-faire radical quanto o emergente socialismo.
Eles acharam sua solução nos liberais moderados, que queriam liberalização para
modernizar o país, mas eles advogavam reformas, em vez de revolução, e não eram
hostis à monarquia. Em 1848, o seu mais proeminente membro no parlamento, o
jovem Johan Augusut Gripenstedt, foi apontado como Ministro, mas sem receber
uma pasta para comandar.
Um tenente aristocrata,
sempre vestido de casaco preto com um cachecol branco, Gripenstedt era de
princípios, no que tangia objetivos, mas oportunista, quanto aos meios. Ele
viajou para a França e descobriu as ideias de Bastiat, que se tornaram uma
importante influência na sua luta pelo livre comércio e livre mercado. Além
disso, ele era completamente imerso na tradição de liberalismo harmonioso,
acreditando em um largo programa liberal de emancipação feminina, liberdade
religiosa e mais democracia no parlamento. Contudo, ele era um estrategista.
Quando o “clima” mudava para uma direção conservadora, ele não pressionava a
implementação de suas ideias e não reclamava publicamente quando liberais eram
forçados a deixar o governo.
Contudo, Gripenstedt estava
esperando seu tempo. Ele era um político habilidoso, que sabia como fazer
alianças e lidar com eventos difíceis. Ele fez a si mesmo indispensável para o
governo e para o rei, e, quanto mais o forte movimento liberal crescia, mais
importante era para o regime ter um forte político liberal no governo. Além
disso, o rei também favorecia a proposta de Gripenstedt para um sistema de rede
ferroviária na Suécia, o que muitos liberais se opunham. Em 1856, o próximo
rei, Carlos XV, promoveu Gripenstedt a Ministro das Finanças.
Os liberais trabalhavam em
duas frentes. No governo, Gripenstedt forçava reformas sempre que tinha chance.
Além disso, ele também se opunha ao rei, promovia suas próprias ideias e
frustrava planos reais de aventuras militares no exterior. Quanto mais forte
Gripenstedt ficava, mais riscos ele podia tomar. Ele ainda possuía forte apoio
do popular Handelstidningen (O Jornal do Comércio), em Gothemburgo, sobre a
editoria efetiva de S. A. Hedlund. Ao mesmo tempo, fora do governo, Hierta e os
liberais mais radicais constantemente lutavam por mais e reclamavam que
Gripenstedt e o governo não liberalizavam ainda mais. Isso dava a Gripenstedt
mais espaço para agir, usando a ameaça de fora do governo contra o rei e as
forças mais conservadoras do governo. Reformas brandas levaram a uma melhora na
economia e mais empregos, o que levou a uma aceitação a novas reformas. Logo o
governo também tinha um primeiro ministro liberal moderado, Louise de Geer.
Juntos, de Geer e Gripenstedt viram mudanças dramáticas na política sueca,
graças as suas habilidades e a pressão externa.
Não é exagero dizer que a
Suécia experimentou uma revolução liberal entre 1840 e 1865. O sistema de
guildas foi abolido, e agora qualquer um poderia começar um empreendimento e
competir livremente. As regulamentações que travavam o desenvolvimentos das
indústrias de madeira e ferro foram suspensas. A Suécia desde 1848 tem uma lei
de Sociedade Anônima. Bancos foram liberados e as taxas de juros eram
desregulamentadas. Imigração e emigração se tornaram livres (e aproximadamente
mais de um milhão de suecos foram para os EUA). As antigas escolas que tinham
como missão fazer das crianças das elites pastores e servos civis foram
trocadas por educação útil para todos. A liberdade de imprensa e religiosa
foram drasticamente aumentadas. Mulheres ganharam direitos para ter e herdar
propriedades, ter uma educação e uma carreira.
E logo antes de Gripenstedt
deixar o governo por problemas de saúde – provavelmente malária, ele
certificou-se que suas reformas seriam duradouras. Depois que os comerciantes
livres conseguiram abolir as proibições de comércio e diminuir dramaticamente
as tarifas, Gripenstedt ajeitou as coisas para que a Suécia entrasse em um
acordo de livre comércio com França e o Reino Unido, em 1865 – um acordo com a
cláusula da nação mais favorecida, na qual cada participante possuía máximo
acesso ao mercado dos outros. Barreiras comerciais caíram por toda a Europa.
Gripenstedt foi também fundamental na abolição do antigo parlamento com quatro
estados e na criação de um novo, e mais democrático, parlamento.
O resultado
Quando Gripenstedt saiu do
governo, seus críticos disseram que ele era um covarde que saiu justamente
quando as pessoas veriam as destrutivas consequências de suas políticas
liberais. Eles conjecturaram que os competidores internacionais destruiriam a
indústria sueca e, sem o controle governamental do mercado, haveria enormes
problemas quanto à qualidade dos produtos e à coordenação da produção. Quando
às pessoas foi permitido abrir lojas em áreas rurais, os críticos do
liberalismo disseram que as cidades estariam perdidas porque os fazendeiros não
teriam motivos para ir até elas para comprar.
Raramente uma previsão foi
tão embaraçosamente errada. Dois séculos depois da primeira aparição de
Chydenius, a Suécia era um dos países mais ricos do planeta, e no momento em
que Gripenstedt saiu do governo foi o exato momento que essa transformação
começou. A renda real de um trabalhador da indústria cresceu cerca de 25 por
cento por década entre 1860 e 1910, enquanto a expectativa de vida aumentou em
cerca de 12 anos. Ao total, a renda real do cidadão sueco aumentou em 170%
cinquenta anos, muito mais rápido que os 110% dos próximos cinquenta anos. Além
disso, no final do século, o gasto público na Suécia era de cerca de 6 por
cento da renda nacional.
O liberalismo transformou
completamente a Suécia. De uma sociedade que era rigorosamente controlada – na
qual todas as ocupações eram detalhadamente reguladas e o comércio com outros
países era praticamente proibido – subitamente abriu as comportas da
criatividade que estavam cerradas por séculos. A criatividade era agora recompensada,
não punida. Mercados abertos e regulações mínimas significavam que o capital
poderia alocar-se para as melhores ideias e as companhias eram livres para
contratar e demitir. Os antigos comércios foram mecanizados, e a Suécia agora
podia exportar o que fazia de melhor para o Reino Unido e outros países em
troca de importações daquilo que o país não podia produzir tão bem.
Fazendeiros que adquiriram
a propriedade de suas terras começaram a investir em uma melhor e mais
eficiente agricultura. A indústria florestal, que agora podia exportar seu
produto, tornou sua madeira – “ouro verde” – em bens de madeira serrada e
pasta. As fábricas, agora desreguladas, faziam ferro e aço dos minérios que por
gerações as pessoas meramente caminhavam por cima. Artesãos, libertados do
antigo sistema de guildas, começar a competir por novas soluções, novos bens,
novos modelos e menores preços. A produção foi “eletrificada” nas fábricas que
agora podiam produzir em massa bens que até mesmo os pobres podiam comprar. Quando
os bancos e as corporações eram permitidas, o capital era alocado para os mais
eficientes produtores, e o suecos começaram a investir em novas máquinas e
métodos capazes de produzir mais e melhores bens.
O período laissez-faire
criou um bom ambiente para criadores e empreendedores. Ele engendrou uma das
mais amáveis expressões suecas, snilleindustrierna – as “indústrias geniais”,
significando negócios fundados ao redor de uma invenção engenhosa, ou o desenvolvimento
de uma, produzindo em massa para exportação. Uma vez que se estava livre para
alugar, contratar, produzir e vender, o caminho de uma ideia para um
empreendimento, da genialidade para a indústria genial, se tornou bem curto.
Em certos casos, as indústrias
eram estabelecidas por pessoas que eram tanto inventores quanto líderes
industriais. Esses conseguiram sucesso tanto em criar algo novo quanto em levar
isso aos consumidores. Lars Magnus Ericsson inventou uma central telefônica
automatizada e fundou a L. M. Ericsson. Sven Wingquist inventou um rolamento
autocompensador de esferas e criou a SKF. Alfred Nobel inventou a dinamite e
criou a Nitroglycerin Ab (mais tarde Dyno Nobel), e Gustaf Dalén inventou um
dispositivo de flash para os faróis e fundou a AGA. Alguns empreendedores
comercializavam as ideias de outras pessoas: Axel Wenner-Gren, por exemplo,
construiu a Electrolux ao introduzir aspiradores e refrigeradores nas casas
suecas.
Foi nesse estágio que as
“rodas” na qual a Suécia “rolou” para o futuro começaram a rodar. Um sucesso
“vinha forte nos calcanhares” do outro.
O país agora crescera e poderia fazer mais. Água corrente e saneamento
foram instalados nas casas as pessoas, as ruas e as casas eram servidas com luz
elétrica.
Em 1857, Gripenstedt deu
dois discursos dramáticos explicando que, com mercados livres, acesso a
mercados externos e infraestrutura moderna, a Suécia, um dos mais pobres países
europeus, podia se tornar um dos mais ricos. Ele foi ridicularizado pelos
oponentes, que chamaram seus discursos de ingênuas “pinturas de flores”. Mas
Gripenstedt riu por último. Como notado, entre 1850 e 1950, a renda per capta
dos suecos aumentou oito vezes, enquanto a população dobrou. A mortalidade
infantil caiu de 15 para 2%, e a expectativa de vida aumentou em incríveis 28
anos.
“Todos são liberais hoje em
dia”
O movimento liberal logrou
êxito, mas estava prestes a ser vítima do próprio sucesso. Em janeiro de 1867,
com um novo e mais democrático parlamento sem a divisão em estados, o liberalismo
parecia triunfante. Lars Johan Hierta, o mais velho membro do parlamento, fez
um discurso de boas-vindas em que ele celebrava as reformas e avisava os
membros para não chegarem com novas ideias de como tirar dinheiro das pessoas.
Um comentarista disse: “Agora, não existem mais partidos. Todos são liberais
hoje em dia”.
Contudo, de certa forma,
isso apresentava problemas para os liberais clássicos. Parecia que eles tinham
terminado suas agendas. A coalizão, que antes trouxera as ideias ao trunfo,
agora tinha outros interesses. Isso podia ser visto na formação de novos
partidos no Parlamento. Pessoas envolvidas com o velho governo liberal
começaram um Partido Ministerial, com o objetivo de defender as reformas já
feitas, mas impedir novas. Um grupo menor começou o Partido Neoliberal, o qual
era economicamente liberal e queria estender seus princípios quanto à cultura e
aos problemas políticos, incluindo mais direitos para as mulheres, um mais
extensivo Estado de Direito e mais democracia. Enquanto isso, o dominante novo
partido era o Partido dos Homens do Campo, um partido para fazendeiros que
tinha elementos liberais e queria redução de tarifas e descentralização do
poder de Estocolmo.
De forma assustadora, os
liberais se dividiram entre todos esses partidos. Gripenstedt e os liberais
moderados se juntaram ao Partido Ministerial. Por um momento, Hierta e os
liberais radicais se juntaram ao Partido Neoliberal, enquanto Hedlund e muitos
liberais de fora de Estocolmo juntaram-se ao Partido Campestre. Isso
significava que todos os partidos eram influenciados pelo liberalismo, e um
governo liberal ainda comandava – mas isso também significava que o liberalismo
não era mais coerente, não era mais uma força efetiva trabalhando em prol de um
objetivo.
Quando os liberais e
comerciantes livres perderam uma longa e agressiva campanha sobre tarifas nos
grãos no final dos anos 1880s, e um novo governo conservador se formou, novas
alternativas políticas emergiram. Economicamente, as tarifas não significavam
muito. Elas não eram ajustadas pela inflação e se tornaram cada ano menores em
termos reais, e a contínua redução nos custos de transporte mais que
compensavam a perda com as tarifas. As exportações e importações da Suécia
continuaram a crescer anualmente. No entanto, as tarifas tiveram consequências
políticas mais sérias.
O problema era que o
liberalismo harmonioso se rompeu quando um lado começou a tirar dinheiro do
bolso dos outros. Todos, então, tinham um interesse em tentar conseguir
recompensas e privilégios para si mesmos. Qualquer um que permanecesse um
liberal e tentasse manter-se neutro veria seu bolso roubado pelos outros. Um
comentador explanou que “Depois da vitória pelo protecionismo, o parlamento
estava imergido em uma onda de sugestões que tinham em comum querer que o governo
fosse ativo aqui e ali.”.
O movimento liberal começou
a mudar como resultado. A simpatia natural de muitos era com os pobres e os
trabalhadores. Agora que o governo havia os traído, ao aumentar o preço de seus
pães, eles tinham que contra-atacar. No momento parecia mais importante
estender as concessões, uma vez que as pessoas queriam livre comércio, mas o
tinham perdido para um parlamento não democrático. Alguns liberais, contudo,
tiraram outra conclusão: Visto que o governo beneficiava produtores com
tarifas, agora era o momento de contra-atacar em prol dos consumidores. Alguns
queriam importar as ideias de segurança-social de Bismarck e se tornaram
“sociais liberais”.
Ao mesmo tempo, a
alternativa conservadora, a qual tinha sido vista como morta há mais de 20
anos, era renascida em uma versão mais moderna, pró-empresas e pró-tarifas.
Onde uma vez fora dito que apenas um governo forte e intervencionista poderia
parar o desenvolvimento, agora era dito que apenas um governo assim poderia
criar o desenvolvimento.
O que os sociais-democratas fizeram
Contudo, a mais forte nova
frente era a dos socialistas, que, interessantemente, estavam organizados em
uma plataforma de livre comércio. Em 1889, o Partido Social-Democrata foi fundado,
e uma das suas demandas era “Nenhuma Tarifa para a Fome”. Eles reclamavam que a
elite chamara o governo para destruir a igualdade ante à lei ao ajudar empresas
e fazendas, e, desse modo, os trabalhadores não podiam ficar contentes em
apenas esperar o crescimento econômico. Também deveriam ter os seus privilégios
junto ao governo.
Esses diversos interesses
significam que, no geral, o sistema liberal continuava vivo. Tanto
conservadores quanto sociais democratas lutavam pela propriedade privada e conservadorismo
fiscal, colaborando para manter a Suécia longe do socialismo. E quando os
sociais democratas tomaram o poder, em 1932, eles rapidamente abriram mão dos
planos de socializar as empresas. Os seus líderes pensaram que um aumento na
produção era essencial para pagar por seus programas de reforma e ficaram
impressionados com a efetividade que a economia liberal trazia para esses
meios. Eles também eram fortemente influenciados por uma geração de liberais
independentes como Gustaf Cassel e Eli Heckscher, os quais consideravam
Chydenius como mentor intelectual. De forma interessante, muitos sociais
democratas estavam, na verdade, entre os mais consistentes economicamente
liberais e pró-livre comércio na Suécia.
Muito mais que outros
países, a Suécia manteve um livre comércio, o que era necessário para uma
pequena economia dependente de importações e exportações. Os sociais democratas
e os sindicatos permitiam que setores antigos, como agricultura, transporte e
indústria têxtil ficassem livres desde que novos empregos fossem criados. Eles
mantiveram uma política cautelosa de manter o mercado livre para criar riqueza,
permitindo ao processo de criação destrutiva fazer seu trabalho, e apenas
depois distribuir –uma crescente – parte dessa riqueza. Eles sabiam que um
partido socialista não seria capaz de manter seu poder na Suécia. Ao invés
disso, eles criam um sistema de seguridade social que dava maiores pensões e
auxílios-desemprego, licença paternidade e doença para aqueles com altos
salários. A maioria dos benefícios era proporcional à quantia paga, assim a
razoavelmente rica classe média poderia ter interesse em apoiar o sistema.
As regulamentações eram
flexibilizadas para beneficiar as grandes indústrias – por exemplo, à medida
que as leis trabalhistas eram introduzidas, exceções podiam ser feita se os
sindicatos concordassem, o que eles constantemente faziam quando se tratava de grandes
companhias exportadoras. Em negociações coletivas os salários de companhias
pequenas e menos produtivas eram equiparados aos salários de grandes
companhias, o que impunha um custo maior para as pequenas empresas. Quando a
taxação era aumentada, era geralmente no consumo e, logo, regressiva, assim não
interferiria nos incentivos à produção.
Tudo isso começou com
políticas cautelosas. Em 1950, a Suécia era um dos países mais ricos do mundo.
O total de impostos representavam 19% do PIB – mais baixo que o dos Estados
Unidos e de outros países europeus. Esse número não passou de 30% até 1965. Foi
uma economia aberta com um governo pequeno que produziu esses maravilhosos
resultados, com uma pequena ajuda de ter se mantido fora de duas guerras
mundiais.
Na sua história das
políticas econômicas na Suécia, o economista Johan Myhrman concluiu que, apesar
do crescimento no governo, essas políticas continuaram:
No período de 1950 a 1970, a Suécia ainda
tinha uma política liberal no comércio, o que significava baixas tarifas e uma
benevolente atitude perante empresas, por exemplo, com uma política tributária
que admitia generosas deduções de custos de capital.
Sim, a Suécia hoje tem
outra reputação. Mas isso veio depois. Nos anos
1970, com os cofres enchidos pelas grandes companhias e as cabeças cheias de
ideias vindas de uma virada internacional para a esquerda, os sociais democratas começaram a expandir os benefícios e regulamentar
o mercado de trabalho. Os gastos públicos quase dobraram entre 1960 e 1980, aumentando de 31
para 60% do PIB, e altos impostos os acompanharam.
Por um tempo, os sociais
democratas podiam viajar o mundo e dizer como eles tinham, ao mesmo tempo, um
grande governo e uma alta renda – mas apenas por um tempo, porque esse também
foi o momento que o modelo começou a apresentar problemas. O crescimento médio diminuiu para 2% nos anos
de 1970, diminuindo ainda mais nos anos 80s, e isso foi antes da grande crise
dos anos 90s. A moeda teve de ser desvalorizada cinco vezes para manter a
indústria competitiva, sendo desvalorizada em um total de 45 por cento. Em
1990, o ano antes dos problemas econômicos sérios na Suécia, a iniciativa
privada não havia criado um único emprego desde 1950, entretanto o setor
público tinha ganho um milhão de novos funcionários.
Enquanto as áreas
econômicas de educação e serviços tornou mais importante investir em capital
humano, maiores impostos marginais sobre a renda reduziram os incentivos para
indivíduos investirem nas suas habilidades e educação. Generosos benefícios aos
que não trabalhavam erodiram a ética do trabalho, e um país com uma das mais saudáveis
populações tornou-se um dos países com mais pessoas doentes incapazes de
trabalhar.
A aliança entre o governo
grande, as grandes empresas e o grande sindicalismo fez a Suécia menos
flexível. Encorajar investimentos em grandes empresas funcionava bem, desde que
fosse necessária pouca inovação. Quando isso mudou, o sistema apresentou
problemas e a falta de crescentes pequenas e médias empresas tornou-se um
problema real. As companhias que existiam não cresciam, em parte por casa dos
riscos e dos custos das leis que os faziam evitar demitir empregados.
As mais importantes
empresas suecas ainda são as que foram criadas durante o período laissez-faire
antes da Primeira Guerra Mundial. Em 2000, apenas uma das maiores 50 companhias
suecas foi fundada após 1970. Enquanto isso, serviços que podiam ter se tornado
novas fontes de crescimento do setor privado, como educação e saúde, foram
monopolizadas e financiadas pelo governo.
Entre 1975 e 2000, enquanto
a renda per capta aumentou 72 por cento nos Estados Unidos e 64 por cento no
Oeste Europeu, ela não cresceu mais do que 43 por cento na Suécia. Em 1970, a
Suécia era o quarto país mais rico no ranking da OECD. Em 2000, o país já
estava em 14º lugar.
Como o Ministro das Finanças Social Democrata, Bosse Ringholm, explicou
em 2002:
Se a Suécia tivesse crescido à mesma taxa
que a média da OECD desde 1970, nossos recursos seriam maiores em cerca de
20.000 SEK – Coroas Suecas, o equivalente a cerca de 7340 reais – a mais por
mês para cada casa.
Epílogo
Não foram políticas
socialistas que tornaram a Suécia um dos países mais ricos do mundo. Quando a
Suécia tornou-se rica, ela tinha uma das economias mais abertas e desreguladas
do mundo, e os impostos eram mais baixos que os dos Estados Unidos e da maioria
do Ocidente. Os sociais democratas mantiveram a maioria das políticas intactas
até os anos 70s, quando eles pensaram que essas excelentes fundações – riqueza
sem precedentes, forte ética do trabalho, força de trabalho educada, indústrias
mundiais de exportação e uma burocracia relativamente honesta – eram tão
estáveis que o governo poderia taxar, gastar e montar um generoso sistema de
bem-estar social que fosse do berço ao túmulo.
Eles não podiam. Ao menos,
não sem custos. Porque o sistema de bem-estar começou a erodir as condições que
outrora fizeram o modelo viável. E o quarto mais rico país tornou-se o décimo
quarto dentro de três décadas.
Contudo, desde então, as
coisas melhoraram um pouco para esse pequeno país nórdico. Nos anos 90s a
Suécia teve um importante novo período de reformas em resposta a um crescimento
“preguiçoso” e uma severa crise bancária. Tanto sociais democratas quanto
partidos de centro-direita contribuíram para que os impostos marginais fossem
reduzidos; mercados foram desregulamentados; o Banco Central tornou-se
independente; o sistema de pensões foi reformado parcialmente com contas
pessoais; fornecedores privados de saúde e cuidados geriátricos foram aceitos;
e um sistema de vouchers para as escolas foi introduzido. Durante os últimos
anos, os governos suecos reduziram impostos substancialmente, de 52 para 44 por
cento do PIB, e aboliram impostos em presentes, heranças e propriedades.
A Suécia novamente aumentou
suas exportações, criou empregos no setor privado e teve um crescimento
econômico maior que o resto da Europa. A Suécia conseguiu passar pela crise de
forma muito mais suave que outros países, e a dívida pública está em cerca de
30 por cento do PIB. Mas essa é outra história – apesar de não inteiramente,
porque as liberalizações e os liberalizadores constantemente foram inspirados
pela história de indivíduos suecos, reformas alcançadas 150 anos atrás, e uma
prosperidade sem precedentes que elas produziram. Uma estátua de Lars Johan
Hierta foi erigida no centro de Estocolmo e um orador social democrata do
parlamento proclamou Anders Chydenius como um dos maiores pioneiros da história
do Parlamento Sueco. Na parede da sala do Ministro das Finanças Anders Borg há
um quadro de Gripenstedt e Chydenius – “os pais da prosperidade sueca”, de
acordo com Borg.
Quando a Suécia liberalizar
novamente, ela estará indo de volta ao futuro. O contexto – e o esse futuro –
são as mais importantes lições que o resto do mundo pode tirar da Suécia.
Como Anders Chydenius
escreveu há mais de 250 anos, nessa competição de ensaios que deu ao
liberalismo sueco um impressivo começo: “Que aquilo que nosso tempo pisoteia, a
posteridade pegará, e o que agora é chamado de coragem será honorado em nome da
verdade.”.
Esse ensaio foi distribuído pela AtlasOne, um projeto da Atlas Network.
Fonte: Portal Liberal
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