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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O grande erro de Bastiat e o Subjetivismo na Economia

Por Sheldon Richman


Depois de tantos anos, Frédéric Bastiat continua sendo um herói para os libertários. Nenhuma novidade nisso. Ele defendeu a liberdade, destruiu os argumentos socialistas, e falou para os leigos com clareza.

Bastiat amava a economia de mercado, e queria muito que ela florescesse por completo – na França e no resto do mundo. Quando ele exaltava a liberdade, era possível perceber de longe toda a sua compaixão. O livre mercado pode aumentar o padrão de vida e permitir que todos tenham vidas melhores; desta forma, oprimir a liberdade é algo injustificável e com péssimos resultados. O contrário da compaixão de Bastiat é a sua indignação com a destruição resultante da intervenção no processo de mercado.

Ele começa seu livro Economic Harmonies salientando os benefícios econômicos da vida em sociedade:

É impossível não ficar impressionado com a desigualdade, verdadeiramente imensurável, que existe entre as satisfações que um homem obtém da sociedade e as satisfações que ele poderia fornecer para si mesmo se estivesse reduzido a seus próprios recursos. Eu ouso dizer que, em um dia ele consome mais coisas do que ele poderia produzir por si mesmo em dez séculos.

O que torna o fenômeno ainda mais estranho é que o mesmo vale para todos os outros homens. Cada um dos membros da sociedade tem consumido um milhão de vezes mais do que poderia ter produzido; mas ninguém roubou ninguém.

A Existência de Privilégios

Bastiat não era ingênuo. Ele sabia que não estava em um livre mercado. Ele estava bastante ciente da existência de privilégios: “Privilégio significa dizer que alguém tirou vantagem de algo, e outra pessoa é que tem pagar por isso”, escreveu. Aqueles que pagam estão piores do que estariam em um livre mercado. “Eu confio que o leitor não irá concluir das observações anteriores que somos insensíveis ao sofrimento social de nossos semelhantes. Embora o sofrimento seja menor no atual estado imperfeito de nossa sociedade do que em um estado de isolamento, disso não conclui-se que não buscamos sinceramente por um maior progresso para reduzi-lo ainda mais”.

Ele desejava enfatizar a importância do livre comércio para o florescimento humano. No Capítulo 4 ele escreveu:

Troca é economia política. É a própria sociedade, pois é impossível conceber a sociedade sem troca, ou troca sem sociedade. […] Para o homem, isolamento significa morte […]

Por meio da troca, os homens obtêm a mesma satisfação com menos esforço, porque os serviços mútuos que prestam uns aos outros rendem-lhes uma maior quantidade de serviços gratuitos.

Portanto, quanto menores os obstáculos que uma troca encontra, menores os esforços necessários para a sua realização, e mais prontamente os homens trocam.

Como é que o comércio fornece seus benefícios?

A troca produz dois fenômenos: a união das forças dos homens e a diversificação de suas ocupações, isto é, a divisão de trabalho

É bastante claro que, em muitos casos, a força combinada de vários homens é superior à soma de suas forças individuais separadas. […]

Assim sendo, a união das forças dos homens implica em troca. Para obter sua cooperação, deve-se convencê-los que existem boas razões para antecipar a co-participação na satisfação a ser obtida. Cada um por seus esforços beneficia os outros, e por sua vez beneficia-se dos esforços alheios de acordo com os termos da barganha, que é a troca.

Mas não está faltando algo nessa descrição do mercado?

O Insight Austríaco

De fato, está: o insight austríaco subjetivista de que os indivíduos ganham do comércio per se. Para uma troca acontecer, as duas partes devem avaliar os itens negociados de forma diferente, com cada parte preferindo o que vai receber em relação o que se está entregando. Se essa condição não prevalecesse, nenhuma troca ocorreria. Deve haver o que Murray Rothbard chamou de dupla desigualdade de valor. Isso é algo que está contido na lógica da ação humana – que Ludwig von Mises batizou de praxeologia. Bastiat, como seus antecessores clássicos Smith e Ricardo, erroneamente acreditava (ao menos explicitamente) que as pessoas trocam valores iguais e que há algo de errado quando valores desiguais são trocados.

Talvez eu esteja sendo muito duro com Bastiat. Afinal, ele escreveu o seu livro antes de 1850. Carl Menger só publicou Princípios da Economia Política em 1871. Ainda assim, os austríacos não foram os primeiros a olhar para a troca estritamente através da lente subjetivista, isto é, do ponto de vista dos atores econômicos. O filósofo francês Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780) o fez centenas de anos antes de Bastiat:

O próprio fato de uma troca ocorrer é a prova que deve haver necessariamente lucro em si para ambas as partes contratantes; caso contrário não haveria ocorrido. Consequentemente, toda troca representa dois ganhos para a humanidade.

Bastiat Desinformado?
 
Talvez Bastiat não estivesse ciente do argumento de Condillac. Mas esse não é o caso. Ele cita o Condillac em seu livro e afirma que:
 
A explicação que devemos a Condillac parece para mim totalmente insuficiente e empírica, ou melhor, não consegue explicar nada. […]
 
A troca representa dois ganhos, você diz. A questão é: Por que e como? Ela resulta pelo simples fato de acontecer. Mas por que ela acontece? Quais motivos induziram os dois homens a fazê-la acontecer? A troca em si tem uma virtude misteriosa, inerentemente benéfica e incapaz de explicação?
 
Vemos como a troca […] acrescenta às nossas satisfações. […] Não há traço do […] lucro duplo e empírico alegado por Condillac.
 
Isso é intrigante. Claramente, a necessária dupla desigualdade de valor não é empírica ou acidental. Contra Bastiat, a dupla desigualdade explica bastante coisa, e todas as suas perguntas teriam respostas fáceis.
 
Ainda mais intrigante é a declaração de Bastiat no mesmo capítulo: “O lucro de um é o lucro do outro”. Isso me parece implicar o que ele havia acabado de negar.
 
A falha resultante
 
A falha de Bastiat em compreender essa questão teve consequências em seus debates com outros economistas. Por exemplo, ele e seu companheiro “esquerdista” defensor do livre mercado Pierre-Joseph Proudhon se envolveram em um longo debate sobre se os juros sobre empréstimos deveriam existir no livre mercado ou se eram um privilégio concedido quando o governo suprime a competição. Infelizmente, o debate sofre porque nem Bastiat ou Proudhon entendiam completamente e explicitamente o argumento austríaco e feito por Condillac sobre a dupla desigualdade de valor. Como Roderick Long explica em seu comentário sobre o debate:
 
Cada um tropeça na sua defesa de sua própria posição por causa de um entendimento inconsistente do princípio austríaco da “dupla desigualdade de valor”; Proudhon o adota, mas falha em aplicá-lo consistentemente, enquanto Bastiat implicitamente se baseia nele, mas explicitamente o rejeita […]
 
O argumento de Proudhon contra os juros parece depender crucialmente de sua alegação que todas as trocas devem ser de valores equivalentes; então salientar a incoerência dessa noção seria uma resposta suficiente. Mas Bastiat não pôde oficialmente dar essa resposta (embora ele chegue tentadoramente perto várias vezes durante o debate) porque em outro lugar – em seu livro Economic Harmonies – Bastiat explicitamente rejeita a doutrina da dupla desigualdade de valor.
 
Que frustrante! Bastiat tinha tanto para ensinar. Mas esse é um ponto cego que o evitou de ser ainda melhor.
 
Sheldon Richman é um escritor político americano, acadêmico, ex-editor da revista The Freeman, atual vice presidente da Future of Freedom Foundation e editor da Future of Freedom, publicação mensal da FFF.
 
Tradução: Robson da Silva & Ivanildo Terceiro.
 
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