I - Sobrea
Democracia, a Redistribuição e a Destruição de Propriedade
Por Hans-Hermann
Hoppe
Imaginem
um governo mundial, eleito democraticamente de acordo com o princípio “um
homem, um voto” em uma escala global. Qual seria o provável resultado dessa
eleição? Provavelmente, formar-se-ia um governo composto
por uma coalizão chinesa e indiana. E o que esse governo mais provavelmente
decidiria realizar de modo a satisfazer os seus eleitorese,
assim, ser reeleito? Esse governo provavelmente perceberia que o chamado mundo
ocidental é muito rico e que o resto do mundo, em especial a China e a Índia, é
muito pobre, entendendo que seria necessária uma
redistribuição sistemática de riqueza e de renda. Ou imaginem que, em seu
próprio país, o direito de voto foi ampliado para as crianças a partir dos sete
anos de idade. Embora o governo, provavelmente, não fosse composto por
crianças, as suas políticas certamente refletiriam as “preocupações e demandas
legítimas” das crianças de terem um acesso “adequado” e “igual” a vídeos,
batatas fritas e limonada “grátis”.
Com
esses “experimentos imaginários” em mente, não pode haver dúvida sobre
as consequências que decorreram do processo de democratização que
se iniciou na Europa e nos Estados Unidos na segunda metade do século
XIX e que se concretizou após o final da Primeira Guerra Mundial. A
sucessiva expansão da democracia e, por fim, o estabelecimento do sufrágio
adulto universal fizeram dentro de cada país o que uma democracia global faria
no mundo inteiro: colocar em marcha uma tendência aparentemente permanente à
redistribuição de riqueza e de renda.
O
princípio “um homem, um voto”, combinado com a “livre entrada” no governo
democrático, implica que todas as pessoas (assim como os seus bens
pessoais) ficam à mercê de serem pilhadas por todas as outras. Uma “tragédia
dos comuns” se estabelece. Pode-se esperar que as maiorias de “pobres” (“não
possuidores”) incansavelmente tentará enriquecer à custa das minorias de
“ricos” (“possuidores”). Isso não significa dizer que haverá apenas uma classe
de pobres e uma classe de ricos e que a redistribuição ocorrerá
de maneira uniforme dos ricos para os pobres. Pelo contrário. Ao passo que a
redistribuição dos ricos para os pobres sempre desempenhará um papel de
destaque, seria um despropósito sociológico supor que esta será a única ou até
mesmo a forma predominante de redistribuição. Afinal de contas, os
“permanentemente” ricos e os “permanentemente” pobres normalmente são ricos ou
pobres em decorrência de um determinado motivo. Os ricos, caracteristicamente,
são indivíduos inteligentes e trabalhadores, e os pobres, normalmente, são
indivíduos estúpidos ou preguiçosos (ou ambos). Não é muito provável que os
tolos, mesmo compondo a maioria, praticarão sistematicamente expedientes
astuciosos e
enriquecerão à custa de uma minoria de indivíduos brilhantes e cheios de
energia. Ao invés disso, a maior parte da redistribuição será realizada dentro
do grupo dos “não pobres”, e muitas vezes aqueles que se encontram em melhor
situação realmente obterão sucesso em serem subsidiados por aqueles que se
encontram em pior situação. Considere-se, por exemplo, a prática quase
universal da oferta de ensino universitário “gratuito”, na qual a classe
operária, cujos filhos raramente frequentam universidades, custeia através dos
impostos a educação dos filhos da classe média! Além disso, pode-se esperar
que haverá muitos grupos e muitas coalizões concorrentes tentando obter
vantagens à custa dos outros. Existirão vários critérios facilmente alteráveis
definindo o que torna uma pessoa “rica” ou “possuidora” (merecedora de ser
saqueada) e outra pessoa “pobre” ou “não possuidora” (merecedora de receber o
saque).
Ao
mesmo tempo, os indivíduos se tornarão membros de uma multiplicidade de grupos
de “ricos” e/ou de “pobres”, sofrendo perdas em razão de algumas das suas
características e obtendo ganhos em razão de outras das suas características, com
alguns indivíduos sendo os perdedores líquidos e outros indivíduos sendo os
ganhadores líquidos da redistribuição.
O
reconhecimento da democracia como uma máquina de redistribuição popular de
riqueza e de renda, em conjunto com um dos princípios mais fundamentais da
economia – o de que, no final, as pessoas acabarão recebendo cada vez mais
daquilo que estiver sendo subsidiado – fornece a chave para a compreensão dos
tempos atuais.
Toda
redistribuição, independentemente do critério em que se baseia, envolve “tomar”
algo dos proprietários originais e/ou dos produtores (os “possuidores”) e
“entregar” esse bem para os não proprietários e os não produtores
(os “não possuidores”). O incentivo para ser um proprietário original ou um
produtor da coisa em questão é reduzido, e o incentivo para ser um não
proprietário e um não produtor é estimulado. Assim, em consequência da prática
de subsidiar indivíduos em função de serem pobres, haverá cada vez mais
pobreza. Em consequência da prática de subsidiar pessoas em função de estarem
desempregadas, mais desemprego será
criado. A prática de sustentar mães solteiras com fundos públicos (recursos
fiscais) conduzirá a um aumento nas taxas de filhos uniparentais, de
“ilegitimidade” e de divórcio.
Com a
proibição do trabalho infantil, haverá transferência de renda das famílias com
crianças para os indivíduos sem filhos (em decorrência da restrição da oferta
de mão--de-obra, os salários aumentarão); portanto, a taxa de natalidade cairá.
Por outro lado, com a prática de subsidiar a educação das crianças, engendra-se
o efeito oposto: haverá transferência de renda daqueles indivíduos sem filhos
ou com poucas crianças para aqueles indivíduos com muitos filhos; em
consequência disso, a taxa de natalidade aumentará. Porém, em seguida, o valor
de crianças novamente diminuirá, e as taxas de natalidade cairão em
consequência do chamado sistema de previdência social, pois, com a prática de
subsidiar os aposentados (os velhos) por meio dos impostos cobrados dos atuais
assalariados e criadores de riqueza (os jovens), a instituição da família – o
vínculo inter-geracional entre pais, avós e filhos – é sistematicamente
enfraquecida. Os idosos, caso não
tenham feito qualquer poupança para a sua própria velhice, já não mais precisam
contar com a ajuda dos seus filhos; e os jovens (os quais, em geral, possuem
menos riqueza acumulada) devem sustentar os velhos (os quais, normalmente,
detêm mais riqueza acumulada) – em vez de as coisas
serem o contrário (como é típico no seio das famílias). O desejo dos
pais por filhos e o desejo dos filhos por pais diminuirão; aumentarão
número de rompimentos familiares e de famílias disfuncionais; e a ação
provedora – a poupança e a formação de capital – diminuirá ao mesmo tempo em
que o consumo aumenta.
Em
decorrência da prática de subsidiar os fingidores de doenças, os neuróticos, os
descuidados (negligentes), os alcoólatras, os viciados em drogas, os infectados
pela AIDS e os física e mentalmente “diferenciados” através de regulações na
área de seguros e através de seguros compulsórios de saúde, haverá mais
doenças, mais fingimentos, mais neuroticismo, mais descuido (negligência), mais
alcoolismo, mais toxicodependência, mais infecção por AIDS e mais retardo
físico e mental. Com a prática de forçar as pessoas honestas (não
criminosas), incluindo as vítimas de crimes, a custearem a prisão dos
criminosos (em vez de obrigar os criminosos a compensarem as suas vítimas e a
pagarem o custo total da sua própria apreensão e da sua própria prisão),
aumentarão as taxas de crime. Com a prática de forçar os empresários (os empregadores),
através de programas de “ação afirmativa” (“não discriminação”), a empregarem
mais mulheres, mais homossexuais, negros ou mais membros de outras “minorias”
além do número que eles gostariam de admitir em seus negócios, haverá mais
minorias empregadas, menos empregadores e menos homens, heterossexuais e
brancos empregados. Com a prática de obrigar os proprietários de terras
privadas a subsidiar (“proteger”) “espécies ameaçadas de extinção” que residam
em suas propriedades através da
legislação ambiental, haverá mais animais (e em melhor situação) e menos seres
humanos (e em pior situação). Mais importante ainda: com a prática de obrigar
os donos de propriedades privadas e/ou os indivíduos que trabalham no mercado
(produtores) a subsidiar “políticos”, “partidos políticos” e “servidores
públicos” (políticos e funcionários do governo não pagam impostos, mas são
pagos através dos impostos), haverá menos criação de riqueza, menos produtores
e menor produtividade; e haverá cada vez mais desperdício, “parasitas” e
parasitismo.
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