Por Art Carden e Steven Horwitz
De acordo com os relatos mais
comuns da Era Progressista1, o esclarecido governo surgiu e regulamentou os
mercados de bens, de trabalho e de capital, protegendo assim as massas
miseráveis das vicissitudes do capitalismo laissez-faire. Os progressistas
tinham fé de que especialistas se poriam acima de seus interesses pessoais e
implementariam planos sensatos para regulamentar a sociedade. As
regulamentações estaduais dos locais de trabalho, as restrições ao trabalho
infantil e o salário mínimo restauraram a dignidade dos oprimidos e explorados
trabalhadores.
Apesar da aceitação geral dessa
narrativa, há muitos motivos para questionar se ela de fato retrata as
motivações e espectativas dos reformadores da Era Progressista. Num artigo de
2005 no Journal of Economic Perspectives, "Eugenics and Economics in the Progressive Era" ("Eugenia e economia na Era Progressista"), oeconomista Thomas C. Leonard fez uma análise histórica inovadora das fontes das
legislações trabalhistas da Era Progressista e das intenções de seus
partidários. O trabalho de Leonard - incluindo um importante artigo seu de 2009
co-autorado com o acadêmico do direito David E. Bernstein para o jornal Law and
Contemporary Problems, "Excluding Unfit Workers: Social Control Versus Social Justice in the Age of Economic Reform" ("Excluindo
trabalhadores inadequados: Controle social versus justiça social na época da
reforma econômica") - indica que por trás do que muita gente vê como
reformas humanitárias estava algo bem mais sinistro.
Leonard e Bernstein alegam que
muitos dos mais importantes reformadores progressistas eram "defensores da
desigualdade humana". Eles apoiavam intervenções no mercado como formas de
avançar seus objetivos eugenistas de uma raça humana mais pura (ou seja, mais
branca), através da eliminação das oportunidades para os "inaptos"
conseguirem trabalhos decentes. Os "inaptos" aqui não eram somente os
não-brancos (especialmente afro-americanos), mas também os "insanos",
os imigrantes (especialmente da Europa central e oriental) e, de forma um tanto
diferente, as mulheres.
Em outras palavras, o que vemos
hoje em dia como consequências imprevistas das leis defendidas por
bem-intencionados porém economicamente ignorantes progressistas eram na verdade
os objetivos declarados de alguns de seus ancestrais intelectuais um século
atrás. Os primeiros economistas progressistas entendiam os efeitos dessas
intervenções, mas consideravam seus efeitos desejáveis.
Os economistas progressistas do
final do século XIX e do começo do século XX viam as ciências sociais não só
como métodos de pesquisa e entendimento da realidade, mas também como guias de
gerenciamento e controle social. O advento e a maior aceitação do darwinismo no
final do século XIX, combinado com uma crença geral no poder da ciência e do
gerenciamento científico para resolver problemas sociais, levaram a uma
fascinação com a eugenia e com a possibilidade de usar as políticas públicas
para assegurar a "sobrevivência dos mais aptos" e a pureza e a força
da raça humana. Nas mãos de muitos pensadores na virada do século XIX para o
XX, a teoria darwinista se tornou uma justificativa para o uso do poder estatal
para remover da sociedade os elementos "indesejáveis" e
"inaptos", da mesma forma que a nova compreensão da evolução estava
modificando as noções sobre agricultura e pecuária. Os clubes e sociedades
eugenistas cresceram rapidamente e muitos dos principais intelectuais do começo
do século XX, inclusive vários economistas conhecidos (como John Maynard Keynes
e Irving Fisher - talvez o mais famoso economista americano da época), eram
ativos nesses grupos e viam seus trabalhos através das lentes da eugenia.
A eugenia e as consequências
intencionais
Nós apropriadamente nos
horrorizamos hoje em dia com o que foi o movimento eugenista. Contudo, as
mesmas ideias que levaram a esterilizações forçadas também levaram a restrições
no ambiente de trabalho, porque os mercados trabalhistas eram o único lugar
onde os economistas eugenistas podiam combinar seus dois interesses. Eles
reconheceram cedo que legislações que excluíssem os "inaptos" do
mercado de trabalho avançariam seus objetivos eugenistas. A maior parte dessas
leis foram promulgadas em nível estadual durante este período, mas o New Deal
fez com que muitos dos mesmos argumentos fossem usados em nível nacional.
Consideremos as leis de salário
mínimo, por exemplo. Hoje em dia, tendemos a pensar que as pessoas as apoiam
porque acreditam que o salário mínimo é um almoço grátis que é capaz de ajudar
os pobres. Os economistas liberais clássicos criticam há muito tempo esse tipo
de regulamentação, alegando que são exemplos perfeitos da lei das consequências
inesperadas e da desconexão entre as intenções e os resultados práticos. Num
mercado de trabalho competitivo, qualquer trabalhador que seja capaz de
produzir valor é contratável a um salário até esse valor. Até mesmo
trabalhadores com habilidades bastante limitadas são empregáveis. O que as leis
de salário mínimo e outras leis de benefícios obrigatórios fazem é criar um
critério mínimo para a contratação, fechando as portas do mercado de trabalho
para os trabalhadores cuja produtividade é muito baixa para justificar tais
custos.
O trabalho de Leonard mostra
que alguns defensores do salário mínimo, e inclusive vários gigantes dos
primeiros anos da profissão de economista, como John R. Commons e Richard T.
Ely, entendiam exatamente o que as leis de salário mínimo fariam e apreciavam
esses efeitos. Adicionalmente, vários progressistas e socialistas que não eram
economistas, como Eugene Debs e Beatrice e Sidney Webb, também apoiavam leis de
piso salarial e outras intervenções no mercado de trabalho precisamente porque
elas excluiriam aqueles que fossem considerados estúpidos ou preguiçosos demais
para competir numa economia de mercado - particularmente, mulheres, imigrantes
e negros.
Leonard afirma que "os
economistas progressistas [...] acreditavam que a perda de postos de trabalho
induzida pelo salário mínimo era um benefício social, porque promovia o
objetivo eugenista de livrar a força de trabalho dos 'não-empregáveis'".
Ele cita a afirmação do casal Webb de que "este tipo de desemprego não é
sinal de doença social, mas de saúde". Além disso, ele cita Henry Rogers
Seager, da Columbia University, que sugeriu que os salários mínimos fossem
necessários para proteger os trabalhadores da "exaustiva competição dos
trabalhadores casuais e dos preguiçosos".
A. B. Wolfe, que
eventualmente se tornaria presidente da American Economic Association, escreveu
na American Economic Review em 1917 (citado parcialmente por Leonard e
Bernstein): "Se os empreendedores ineficientes fossem eliminados [através
do salário mínimo], também o seriam os trabalhadores ineficientes. Não me
disponho a desperdiçar simpatia por nenhuma dessas classes. A eliminação do
ineficiente está alinhada ao nosso tradicional suporte á competição livre e
também ao espírito e à tendência da moderna economia social. Não há panaceia
que possa 'salvar' os incompetentes, a não ser às custas das pessoas normais.
Eles são um fardo sobre a sociedade e os produtores, onde quer que
estejam."
No contexto do início do século
XX, esse grupo incluía, basicamente, os não-brancos, os imigrantes e as
mulheres, além de homens brancos com deficiências físicas ou mentais - os
mesmos grupos que os eugenistas progressistas achavam estar diluindo a
qualidade do banco genético humano. Ao contrário de seus sucessores modernos,
esses partidários das leis de salário mínimo não tinham quaisquer ilusões a
respeito dos efeitos das políticas que propunham; eles as compreendiam e
aceitavam as consequências negativas que os economistas atuais se esforçam para
esclarecer que serão os efeitos das políticas defendidas pelos progressistas
contemporâneos. A grande ironia do movimento progressista em prol do salário
mínimo é que, embora ele tenha objetivado eliminar os
"não-empregáveis", o que ele de fato fez foi criar um grupo de
"não-empregáveis".
A pesquisa de Leonard mostra
que mesmo os economistas profissionais, até mesmo alguns cujos nomes são
emprestados a distintos prêmios e palestras atualmente, faziam uso de uma forma
de pensar a respeito de questões como pisos salariais que era profundamente - e
mesmo obscenamente, dados os seus objetivos explicitamente racistas -
anti-econômica. De acordo com alguns progressistas, os salários eram
determinados não pela produtividade marginal do trabalho, mas pelos padrões de
vida aos quais um trabalhador particular estava acostumado. A competição com
mulheres, crianças e membros das "raças de salários baixos" ameaçavam
a dignidade dos homens brancos chefes de família, o vigor do banco genético
branco e, fundamentalmente, a estrutura social. Leonard e Bernstein citam o
sociólogo Edward A. Ross, que escreveu que "o coolie2, embora não possa
superar o americano, pode viver abaixo de seus meios". Para que a
sociedade sobrevivesse, os homens brancos precisavam de proteção da competição
externa.
Economistas hoje em dia por
vezes alegam que subsídios ou uma expansão de programas de imposto de renda
negativo são modos mais preferíveis de ajudar os pobres do que políticas de
salários mínimos. Leonard e Bernstein, porém, mostram que, segundo o economista
progressista Royal Meeker, subsídios eram indesejáveis justamente por que
poderiam criar mais empregos, em particular para os "infelizes". O
aspecto positivo do salário mínimo residia no fato de que ele aumentava a
suposta dignidade do trabalho branco enquanto excluía os "infelizes"
e "defeituosos" de trabalhos que eles normalmente poderiam ter. Pisos
salariais eram defendidos por gente explicitamente racista que buscava
objetivos explicitamente racistas.
Avançando algumas décadas, os
resultados são os mesmos, mesmo que as intenções sejam mais nobres. No recente
artigo "Unequal Harm: Racial Disparities in the Employment Consequences of
Minimum Wage Increases" ("Dano desigual: As disparidades raciais nas
consequëncias empregatícias após aumentos do salário mínimo"), William
Even e David Macpherson argumentam que em estados totalmente expostos aos
aumentos mais recentes do salário mínimo, a legislação custou mais empregos aos
afro-americanos que a própria recessão. Devemos avaliar as políticas por seus
resultados, não por suas intenções. Como diria o economista Thomas Sowell, uma
política deve ser tachada como "piedosa" ou não de acordo com seus
efeitos e não por conta dos objetivos de seus defensores.
Outras intervenções no mercado de
trabalho
A eugenia fornecia um pretexto
supostamente científico para legislações protecionistas - especialmente
restrições à imigração. Os eugenistas apoiavam as restrições à imigração porque
acreditavam que os membros das "raças de salários baixos" comprometeriam
não apenas os padrões de vida dos brancos, mas também banco genético dos
brancos, através da miscigenação. Segundo eles, imigrantes e outros intrusos (a
saber: afro-americanos) degradariam a força de trabalho e corromperiam a
espécie. Os progressistas pensavam num modelo de sociedade na qual um (homem
branco) provedor ganhava um "salário familiar" suficiente para
sustentar uma esposa (branca) e filhos (brancos). As mulheres deveriam realizar
seus papéis de "mães da raça" e os filhos seriam treinados a fazer o
mesmo nas gerações seguintes.
Em seu artigo de 2005, Leonard
observou que as restrições ao trabalho infantil foram promulgadas
especificamente para evitar que as classes baixas empregassem suas crianças.
Presumivelmente, isso as faria pensar duas vezes antes de procriar e limitar
suas rendas familiares.
Os progressistas utilizaram as
mesmas técnicas para reduzir as oportunidades de mercado das mulheres. As
mulheres eram vistas como frágeis - necessitavam de proteção dos rigores do
ambiente de trabalho - e desempenhavam o papel essencial de criar os filhos e
cuidar das famílias, enquanto "mães da raça". Isso se colocava em
contraste com a percepção de "procriação excessiva" dos não-brancos e
imigrantes oriundos de locais como a Europa oriental e do sul. Os reformadores
progressistas tentaram manter as mulheres fora da força de trabalho através da
promulgação de uma variedade de legislações "protetoras" a nível
estadual que incluíam limite máximo de horas de trabalho e pisos salariais para
mulheres, ambos os quais eram diferentes daqueles estabelecidos para os homens.
Tais leis tornavam as mulheres menos desejáveis e mais caras para serem
contratadas como empregadas, o que limitou sua participação no mercado de
trabalho - exatamente o objetivo dos reformadores.
Os problemas dos anos 1930
proveram uma justificativa adicional para maiores sobrecargas ao mercado
laboral planejadas para excluir os trabalhadores "inaptos". Leonard e
Bernstein relatam que a lei Davis-Bacon3, por exemplo, foi "aprovada com o
objetivo de evitar que trabalhadores itinerantes afro-americanos e outros
concorressem com os trabalhadores brancos sindicalizados em projetos de
construção federais". A intensificação das políticas de grupos de
interesse ficava relativamente evidente nas tentativas dos progressistas do New
Deal de proteger certos setores da concorrência dos salários mais baixos do sul
- de afro-americanos e outras "raças de salários baixos".
Nos anos 1930, o deputado
americano John Cochran (Partido Democrata-Missouri) afirmou que havia
"recebido numerosas reclamações em meses recentes a respeito de
empreiteiros sulistas estarem empregando mecânicos negros4 de baixos
rendimentos e trazendo empregados do sul". O deputado Clayton Allgood
(Partido Democrata-Alabama) fez coro: "Já foram feitas referências a um
empreiteiro do Alabama que foi a Nova York com trabalhadores ilegais. É um
fato. Esse empreiteiro emprega trabalhadores negros baratos, os quais
transporta e abriga em cabanas, e são trabalhadores dessa natureza que competem
com os trabalhadores brancos por todo o país."
Os efeitos sobre o desemprego
da Lei de Recuperação Industrial Nacional (NIRA)5 foram severos. Leonard e
Bernstein citam uma estimativa de que as estipulações salariais da NIRA
"levaram direta ou indiretamente à dispensa de 500.000 trabalhadores
afro-americanos". Escrevem também que a "American Federation of Labor
levou a culpa pelo fracasso da FLSA6 em prover um salário mínimo mais baixo no
sul dos Estados Unidos", evitando fluxos de capital para aquela região.
Os progressistas, a esquerda
moderna e a ciência lúgubre7
Esta história pode ser lida
como uma versão americana do que ocorreu mais cedo na Inglaterra. David Levy
mostrou que a economia ficou conhecida como "ciência lúgubre" porque os
economistas liberais clássicos (como John Stuart Mill) apoiavam a igualdade
racial no mercado de trabalho livre. Românticos, elitistas e reacionários
britânicos, como Thomas Carlyle e John Ruskin, alegavam que um mercado livre,
com sua pressuposição fundamental de igualdade, eliminaria hierarquias raciais
e ocasionaria um "lúgubre" futuro de miscigenação racial. Quem dava
suporte intelectual a esse futuro eram os economistas liberais.
A moral da história é que,
apesar das contínuas afirmações por parte da esquerda de que a filosofia
pró-mercao é racista, sexista e xenófoba, a história demonstra que os liberais
clássicos/libertários é quem foram os proponentes da igualdade e os oponentes
do racismo, e aqueles que viam as raças como desiguais eram quem provavelmente
buscaria apoio estatal, em particular no mercado de trabalho. A história da
esquerda nessas questões é muito mais manchada do que ela está preparada para
admitir.
Apesar de suas opiniões
repugnantes sobre raças e seu uso do estado para realizar seus sonhos de futuro
eugenista, os reformadores da Era Progressista estavam à frente de seus colegas
modernos liberais em um aspecto importante. Eles entendiam que mercados livres,
especialmente um livre mercado de trabalho, são o inimigo do racismo.
Notas:
1 A Era Progressista foi o
período de 1900 até 1920, quando ocorreram profundas reformas econômicas e
sociais nos EUA. Várias dessas reformas foram então adotadas por outros países
no mundo. [N.T.]
2 O termo "coolie"
designava ofensivamente os trabalhadores orientais pouco qualificados. [N.T.]
3 A lei Davis-Bacon
(Davis-Bacon Act) estabelece que as obras públicas federais devem pagar os
salários prevalentes na região para projetos parecidos. [N.T.]
4 O termo utilizado no original
foi "colored", que era um termo ofensivo usado para designar os
negros nos EUA. [N.T.]
5 National Industrial Recovery
Act. O NIRA regulamentava a concessão de cartéis e monopólios pelo presidente,
e estabeleceu um plano nacional de obras públicas. [N.T.]
6 Fair Labor Standards Act,
literalmente Lei de Padrões Trabalhistas Justos. Era uma legislação que
establecia um salário mínimo nacional (antes haviam somente legislações
estaduais regulamentando salários). [N.T.]
7 No original, "dismal
science". Desconheço um termo corrente em português para traduzir a
expressão de Thomas Carlyle, que, basicamente, expressava desprezo para com os
economistas de sua época (que eram, em sua grande maioria, liberais). [N.T.]
Original publicado em The Freeman, outubro de 2011.
Art Caden é professor de economia e finanças no Rhodes College.
Contribui frequentemente para o Mises.org.
Steven Horwitz é professor de economia na St. Lawrence
University e editor da revista The Freeman. Escreve regularmente para o blog
Coordination Problem.
[Nota do tradutor: Embora o texto fale sobre uma época bastante
particular da história dos Estados Unidos; acho que há relevância para o Brasil
e para muitos outros países, já que a legislação aprovada nos EUA se irradiou
para nossas terras e muitos dos argumentos utilizados em defesa do salário
mínimo e outras restrições econômicas são hoje em dia completamente opostas às
que foram usadas inicialmente.]
Fonte: The Free Mann
- Libertyzine
(missão libertária de criar, repassar, relembrar e atualizar todo material pró-mercado
livre e anarcocapitalista) A liberdade deve ser estendida para todos. Anon, XXI
OBRA DO ARTISTA NAIF NERIVAL RODRIGUES - TEMA: COLHENDO LARANJA - MEDIDA-30X40-PRECO-SOB-CONSULTA-COM-AJUR-SP Clique na gravura ou aqui
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