Trinta anos
atrás Margaret Thatcher transformou o Reino Unido no centro mundial onde
“pensava-se o impensável”. Hoje essa peculiaridade pertence à Suécia. As ruas
de Estocolmo estão lavadas com o sangue de vacas sagradas. Os think-tanks do
país nórdico estão cheios de novas idéias. O antigo campeão da “terceira via” agora
está perseguindo um tipo de política muito mais interessante.
A Suécia
reduziu as despesas públicas em relação ao PIB de 67% em 1993 para 49% nos dias
atuais. Em breve poderá ter um Estado menor do que o britânico. Também diminuiu
o todo de imposto de renda em 27 pontos percentuais desde 1983, agora em 57%,
além de livrar-se de um ninho de impostos sobre propriedade, transmissão de
bens, patrimônio e herança. Esse ano diminuiu o imposto sobre lucros de 26.3%
para 22%.
A Suécia também
vestiu a camisa-de-força de ouro da ortodoxia fiscal, prometendo gerar um
superávit fiscal ao longo do ciclo econômico. A dívida pública foi reduzida de
70% em proporção ao PIB em 1993 para 37% em 2010, e seu orçamento saiu de um
déficit de 11% para um superávit de 0,3% no mesmo período. Isso permitiu que um
país com uma pequena economia aberta se recuperasse rapidamente da tempestade financeira
de 2007-08. Além disso a Suécia colocou seu sistema previdenciário em uma base
sólida, substituindo um sistema de benefício definido por um sistema de
contribuição definida, implementando um ajustamento automático em relação a um
aumento da expectativa de vida.
Mais
impressionante ainda, a Suécia introduziu um sistema universal de vouchers
escolares e convidou escolas privadas pra competir com escolas públicas.
Companhias privadas também competem entre si pra prover serviços de saúde e
asilos custeados pelo Estado. Anders Aslund, um economista sueco que vive nos
Estados Unidos, espera que a Suécia seja a pioneira de um “novo modelo
conservador”; Brian Palmer, um antropologista americano que vive na Suécia,
preocupa-se com a possibilidade do país se transformar em um “Estados Unidos da
Sueçamérica”.
Não há dúvida
de que a revolução silenciosa da Suécia trouxe uma mudança dramática em sua
performance econômica. As duas décadas após 1970 foram um período de declínio:
o país foi rebaixado do quarto mais rico do mundo em 1970 para o décimo quarto
mais rico em 1993, quando o sueco médio tornou-se mais pobre do que o inglês ou
o italiano médio. As duas décadas após 1990 foram um período de recuperação: o
crescimento do PIB entre 1993 e 2010 teve uma média de 2,7% ao ano, enquanto a
produtividade alcançou uma média de 2,1%, comparado a uma média de 1,9% e 1%
respectivamente dos outros 15 membros da União Européia.
Durante a maior
parte do século XX a Suécia se orgulhou de oferecer o que Marquis Childs chamou
– em 1993, no seu livro homônimo – de “Middle Way” (caminho do meio) entre o
capitalismo e o socialismo. Companhias globais como a Volvo e a Ericsson
criavam riqueza enquanto burocratas esclarecidos construíam o Folkhemmet, ou “a
casa do povo”. Com o passar das décadas, o caminho do meio inclinou-se mais
para a esquerda. O governo não parava de crescer: os gastos públicos em
proporção ao PIB quase dobraram de 1960 a 1980, atingindo o pico de 67% em
1993. Impostos continuavam subindo. Os Sociais Democratas (que governaram a
Suécia por 44 anos ininterruptos de 1932 a 1976 e durante 21 dos 24 anos entre
1982 a 2006) continuaram a sufocar as empresas. “A era do neo-capitalismo está
chegando ao fim”, disse Olof Palme, o líder do partido em 1974. “Em algum tipo
de socialismo está a chave para o futuro”.
Outros países
nórdicos têm seguido na mesma direção da Suécia, ainda que mais devagar.
Dinamarca possui um dos mercados de trabalho mais liberais da Europa.
Além disso, também permite que pais enviem seus filhos para escolas
privadas com dinheiro do governo equivalente ao valor de seus custos na escola
pública, dado que os pais complementem a diferença de preço. A Finlândia está
cultivando as habilidades de seus capitalistas de risco e de seus investidores
anjos para promover inovação e empreendedorismo. Noruega, rica em petróleo, é
uma exceção parcial a esse padrão, mas até lá o governo está se preparando para
seu futuro pós-petróleo.
Isso não quer
dizer que os nórdicos estão rasgando seus antigos modelos. Eles continuam a
orgulhar-se da generosidade de seus Estados de bem-estar. Por volta de 30% de
sua força de trabalho está no setor público, duas vezes mais do que a média dos
países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, um think-tank de países desenvolvidos. Eles continuam a acreditar na
combinação de economias abertas com investimento público em capital humano. Mas
o novo modelo nórdico agora começa com o indivíduo ao invés do Estado. Começa
com responsabilidade fiscal ao invés de estímulos fiscais e monetários
extravagantes: todos os quatro países nórdicos tem nota de crédito AAA e um
montante de dívida muito abaixo da média da zona do euro. Começa com escolha e
competição ao invés de paternalismo e planejamento central. O índice de
liberdade econômica do Fraser Institute, um think-tank canadense, mostra a
Suécia e a Finlândia se aproximando dos Estados Unidos (veja gráfico). O
tropeço pra esquerda se reverteu: ao invés de avançar o Estado sobre o mercado,
os nórdicos estão avançando o mercado sobre o Estado.
Por que os países nórdicos estão
fazendo isso? A resposta óbvia é que eles alcançaram o limite do tamanho do
governo. “O nosso Estado de Bem-estar é excelente em diversas formas”, diz
Gunnar Viby Mogensen, um historiador dinamarquês. “Só tem um pequeno problema,
nós não temos como pagar por ele”. A tempestade econômica que balançou todos os
países nórdicos no começo da década de 90 proporcionou uma amostra do que
estaria por vir se eles não corrigissem seu modelo.
Há duas razões menos óbvias. O velho
modelo nórdico dependia da habilidade de um conjunto de grandes companhias de
gerar dinheiro suficiente pra sustentar o Estado, mas essas companhias estão
sendo encolhidas pela concorrência global. O antigo modelo também dependia da
vontade da população de aceitar direções vindas de cima, mas a população
nórdica está se tornando mais exigente.
O pequeno é
poderoso
Os países nórdicos têm em conjunto
uma população de apenas 26 milhões. A Finlândia é o único que é tanto membro da
União Européia quanto da zona do euro. A Suécia está na União Europeia, mas não
aderiu ao euro e possui um regime de câmbio flutuante. A Dinamarca, também,
está na União Européia e fora da zona monetária, mas sua moeda está em paridade
com o euro. A Noruega permanece fora da União Européia.
Mas há uma forte razão pra prestar
atenção nesses pequenos países na borda da Europa. A primeira é que eles
chegaram primeiro ao futuro. Eles estão lidando com problemas que outros países
também terão que lidar no devido tempo, tal como o que fazer quando você atinge
o limite do crescimento do governo e como organizar a sociedade quando
praticamente todas as mulheres estão na força de trabalho. E os nórdicos estão
encontrando soluções altamente inovadoras que rejeitam as surradas ortodoxias
da direita e da esquerda.
A segunda razão é que o novo modelo
nórdico está provando ser muito bem sucedido. Os nórdicos dominam índices de
competitividade assim como de bem-estar. Suas altas notas em ambos aspectos
marcam uma grande mudança desde os anos 80, na época em que o bem-estar tinha
preferência sobre competitividade.
s nórdicos têm
bom desempenho em duas áreas onde competitividade e bem-estar podem se reforçar
mutuamente: inovação e inclusão social. O BCG, como o Boston Consulting Group
prefere ser chamado, dá a todos eles notas altas em seu índice de e-intensity,
que mede o impacto da internet nos negócios e na sociedade. Booz & Company,
outra consultora, diz que grandes companhias frequentemente testam seus
produtos em mercados nórdicos porque seus consumidores estão sempre dispostos a
tentar coisas novas. Os países nórdicos estiveram a frente na introdução das
redes de celular nos anos 80 e no padrão GSM nos anos 90. Hoje eles estão
novamente a frente na transição para o e-governo e para a economia sem dinheiro
físico. Os nativos gostam de contar vantagem dizendo que podem pagar seus
impostos por torpedo de celular. O correspondente que escreve essa matéria
desistiu de trocar libras para moedas locais porque tudo, desde táxi até café pode
ser pago com cartão.
Os nórdicos
também tem um forte precedente na exploração dos talentos de sua população
inteira, com exceção talvez de imigrantes. Eles tem a maior taxa de mobilidade
social do mundo: e uma comparação entre oito economia avançadas feita por Jo
Blanden, Paul Gregg e Stephen Machin, da Londo School of Economics, eles
ocuparam os primeiros quatro lugares. A Inglaterra e os Estados Unidos ficaram
por último. Os nórdicos também tem taxas excepcionalmente altas de participação
de mulheres na força de trabalho: na Dinamarca 72% das mulheres trabalham, em
comparação com 79% dos homens.
Moscas na sopa
Esse relatório
especial vai examinar a maneira com que os governos nórdicos estão atualizando
sua versão do capitalismo pra lidar com um mundo mais difícil. Fazendo isso
eles liberaram uma grande quantidade de criatividade e se tornaram líderes
mundiais em reformas. Empreendedores nórdicos estão dispostos de forma como não
se via desde o começo do século XX. Artistas e escritores nórdicos – assim como
chefs e designers de jogos – estão atravessando uma renascença criativa.
O relatório
também vai adicionar alguns avisos. As crescente diversidade das sociedades
nórdicas estão gerando tensões sociais, mais notoriamente na Noruega, onde
Anders Breivik matou 77 pessoas em um ataque motivado por questões raciais em
2011, mas também em um nível mais mundano diariamente. A Suécia especialmente
está tendo dificuldades de integrar sua grande população de refugiados.
O modelo
nórdico ainda é um trabalho em progresso. As três forças que obrigaram os
países nórdicos a se reformarem – recursos limitados, globalização acelerada e
crescente diversidade – estão ganhando impulso. Os nórdicos terão que continuar
a atualizar seu modelo, mas eles também terão que lutar pra manter aquilo que
os torna distintos. Lant Pritchett e Michael Woolcock do Banco Mundial,
cunharam o termo “chegando à Dinamarca” para descrever modernizações bem
sucedidas. Esse relatório irá sugerir que o truque não é apenas chegar à
Dinamarca, mas se manter lá.
A última
advertência é sobre aprender com o exemplo nórdico, o que outros países estão
corretamente tentando fazer. O Reino Unido, por exemplo, está introduzindo
“escolas livres” ao estilo sueco. Mas transferir esses experimentos é
problemático. O sucesso dos nórdicos depende da sua longa tradição de boa
governança, que dá ênfase não só na honestidade e transparência mas também no
consenso e no acordo.
Aprender com a
Dinamarca pode ser tão difícil como permanecer lá.
Tradução de
Leonardo Tavares Brown. Revisão de Ivanildo
Johan Norberg - A Suécia é socialista?
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