Por
Leonard Read
Educa
a criança no caminho em que deve andar; e até quando envelhecer não se desviará
dele. Provérbios
22:6
Como
criar métodos para iniciar os jovens no ensino da ciência econômica? Isso
é de suma importância, pois, afinal, a próxima geração é a que conta.
Tentar
ensinar economia para adultos já é difícil o bastante, dado que é um tanto raro
encontrar adultos que tenham genuíno interesse ou aptidão para o assunto. No
máximo, há adultos com inclinações partidárias e ideológicas, mas não com
genuíno interesse pela ciência econômica.
Será
que existe alguma maneira de apresentar ideias tão complexas a crianças, de
modo que elas se sintam compelidas a ter um comportamento social condizente com
o livre mercado? Talvez. Mas antes vamos refletir sobre nossa
matéria-prima: as crianças a quem ensinaríamos.
Há aquelas pessoas
que afirmam que cada bebê inicia a vida como um pequeno selvagem; que ele está
dotado, entre outras coisas, de órgãos e músculos sobre os quais não tem
controle, com um instinto de autopreservação, com emoções e impulsos agressivos
como a raiva, o medo, e o amor, sobre os quais ele tampouco possui qualquer
controle, e que durante o processo do crescimento é normal para uma criança se
sujar, brigar, responder, desobedecer, se esquivar. "Toda criança deve
crescer e ao mesmo tempo se livrar do comportamento delinquente".
Assim é o argumento.
De minha parte, não
me sinto confortável com essa visão freudiana da gênese da raça humana.
Preferiria muito mais pensar em uma criança como um broto de planta, com todo o
potencial para a beleza e a felicidade que um organismo em crescimento
prenuncia. É claro que em cada caso específico, do ponto de vista de um adulto,
poderá haver uma aparente desorganização, uma falta de coordenação, e uma
desarmonia. Mesmo que seja assim, o potencial para a beleza e a harmonia está
lá.
Seja a criança
considerada um bárbaro selvagem ou uma beldade em germinação, o desafio está em
fazê-la sair de um estado de ignorância quanto às suas relações com os outros,
e ascender para um estado de harmonia com as leis universais que governam a
condição humana. A criança é uma extensão da responsabilidade dos pais, e essa
responsabilidade inclui colocá-la na direção de um sólido entendimento
econômico. Eis algumas possibilidades:
Se derrubar
algo, pegue.
Isso é fácil de ser
ensinado, especialmente para os pais que seguem essa máxima eles próprios.
Trata-se de um treinamento básico sobre assumir a responsabilidade pelos
próprios atos — ou seja, não prejudicar terceiros com o próprio comportamento.
Uma criança que
adota esse comportamento desde cedo está dando seus primeiros passos em direção
ao autocontrole. E, caso esse comportamento se torne um hábito, ela provavelmente
irá, ao atingir a maturidade, recorrer a si mesma, e não aos outros, para se
resgatar a si própria de dificuldades econômicas criadas por seus próprios
erros.
Muito
provavelmente, ela não será um fardo para a sociedade.
O indivíduo que
possui um genuíno domínio sobre seu autocontrole tende a desenvolver uma
capacidade rara e valiosa: a habilidade de determinar as próprias ações. Uma
pessoa assim não se sentirá tentada a mudar bovinamente de posição apenas para
ser mais um no meio da massa. Ela não cederá por conta de pressões, de
opiniões volúveis, de sabedorias populares etc. Ela irá se tornar seu próprio
mestre.
Pegar o que você
deixou cair ajuda a organizar sua mente. Ao se transformar em algo
instintivo, torna-se um hábito jubiloso, levando você eventualmente a pegar
coisas que outros deixaram cair. Projetado na vida adulta, isso mostra
uma atitude caridosa, no sentido judaico-cristão: o dever moral de uma pessoa
para com os menos afortunados.
Se abrir uma porta, feche-a.
Esta é uma
sequência da lição anterior; trata-se meramente de uma prática que confirma a
sabedoria de se completar cada transação em sua vida.
Um inevitável
dualismo divide a natureza, de maneira que cada coisa é uma metade, supondo
alguma outra coisa que a complete; espírito e matéria, homem e mulher,
subjetivo e objetivo, dentro e fora, em cima e embaixo, movimento e repouso,
sim e não.[1]
Para ensinar
crianças eu acrescentaria isso: derrubar, apanhar; abrir, fechar; e outras.
Se fizer uma promessa, mantenha-a.
Não há melhor
aliado para o caos social do que promessas não cumpridas.
Crianças que não
tenham sido educadas para manter a palavra dada serão autoras de tratados feitos
para não serem seguidos; elas concorrerão a cargos políticos ou executivos
fazendo falsas promessas, cancelarão contratos, e utilizarão meios políticos
para expropriar propriedade alheia; elas venderão suas almas em troca de fama,
fortuna e poder.
Elas não apenas
fracassarão em serem honestas com seus companheiros, como também não darão
atenção nem mesmo às ordens de suas próprias consciências.
Por outro lado,
crianças educadas a manterem suas promessas não fugirão de suas obrigações,
chova ou faça sol. A integridade será a sua marca de distinção.
O que quer que você tenha pegado emprestado, devolva.
Essa é uma extensão
da lição sobre manter a promessa.
A adesão a esses
conselhos desenvolve o respeito pela propriedade privada, que é uma premissa
fundamental para a doutrina econômica sólida.
Nenhuma pessoa
criada dessa forma pensaria em construir seu ninho à custa dos ninhos de
outros. Estatistas adeptos do assistencialismo e entusiastas do
planejamento centralizado não surgem se houver esse tipo de treinamento.
É verdade que um
socialista pode honrar uma dívida contraída em seu próprio nome, mas o fato é
que ele desconsiderará qualquer endividamento feito em nome "do povo"
ou do bem comum. Ele não foi educado para entender que o princípio da compensação
se aplica a todo e qualquer caso.
Jogue o "jogo do obrigado".
Essa lição levará
um pai brilhante e uma criança esperta a qualquer lugar.
É possível enunciar
a ideia, mas não há como ensiná-la. Uma vez compreendida, a ideia é bastante
simples, embora tão evasiva que, apesar dos 33.000 anos passados desde o homem de Cro-Magnon, ela só foi descoberta há pouco mais de um século: o
valor de um bem ou serviço não é determinado objetivamente pelo custo de
produção, mas sim subjetivamente pelo que outras pessoas estão dispostas
voluntariamente a dar em troca deste bem ou serviço.
Não há conceito
mais importante do que esse na ciência econômica: o livre mercado não tem outra
origem econômica que não esta teoria de valor subjetivo ou de utilidade
marginal. Com efeito, ela é mais precisamente definida como a teoria do
valor-mercado.
Exemplo: quando uma
mãe troca R$ 1,00 por um kg de arroz, ela valoriza mais o arroz do que o R$
1,00 e o vendedor dá mais valor ao R$ 1,00 do que ao quilo de arroz. Se a mãe
valorizasse mais o R$ 1,00 do que o arroz, ela não faria a troca. Se o vendedor
valorizasse mais o arroz do que o R$ 1,00, ele não faria a troca. Os valores do
arroz e do R$ 1,00 (excluindo qualquer outra consideração) são determinados por
duas opiniões subjetivas.
A quantidade de
trabalho empregada (custo) na obtenção do R$ 1,00 ou na aquisição do arroz não
tem nenhuma relação com o valor do R$ 1,00 ou do arroz.
Repetindo: o valor
de qualquer bem ou serviço é determinado pelo que será dado por ele em uma
troca voluntária, e nunca forçada ou involuntária.[2]
Quando o R$ 1,00 é trocado pelo arroz, o vendedor conclui a transação dizendo
"Obrigado", já que em sua opinião ele teve um ganho. Esse é o mesmo
motivo pelo qual a mãe diz "Obrigada", já que ela também obteve um
ganho, na sua própria opinião. Não seria nada impróprio descrever isso como o
"estilo grato da vida econômica".
Esse conceito de
valor, é bom lembrar, tem sido praticado pelo homem comum milênios antes de os
teóricos econômicos o identificarem como o meio mais eficaz de se avançar
mutuamente no bem-estar econômico. E, justamente por isso, a criança pode
ser ensinada a praticá-lo antes mesmo de ela ter condições de entender o básico
da teoria.
Ao trocar
brinquedos ou bolinhas de gude ou figurinhas ou o que quer seja entre si,
crianças podem perfeitamente jogar o "jogo do obrigado". Elas
podem ser ensinadas a expressar o mesmo "obrigado" que esperam
receber de seus amigos. Se isso não ocorrer é porque houve algo de errado
com a troca. Por outro lado, quando ao final da transação dizem
"obrigado", é porque todos saíram ganhando.
Obtenha essa
atitude de um menino ou de uma menina e você terá plantado a semente do
pensamento econômico sólido.
Não faça a um amigo o que você não gostaria que ele fizesse a você.
A filosofia moral é
o estudo e a investigação sobre o certo e o errado. Já a ciência econômica é um
ramo dessa disciplina: o estudo do certo e do errado em assuntos econômicos.
Sendo assim, o
livre mercado é simplesmente a aplicação da filosofia moral à ciência econômica
— a economia de livre mercado, portanto, depende da prática da Regra de Ouro (a ética da reciprocidade).
É duvidoso que a
Regra de Ouro possa ser descrita e ensinada de modo a ser completamente
apreendida antes da adolescência. Sua apreensão requer uma natureza moral,
faculdade raramente adquirida antes da juventude — e, em alguns casos, nunca.
Mas o esforço para
se ensinar a Regra de Ouro a meninas e meninos irá resultar, no mínimo, em uma
melhor observação dessa regra por parte dos pais. Crianças — altamente
impressionáveis — são guiadas muito mais pela conduta dos pais do que por suas
reprimendas; elas são guiadas muito mais pela observação de exemplos do que
pelo mero ensino verbal.
Assim, a tentativa
de se ensinar esse princípio fundamental de moralidade e justiça, resultando
em um comportamento altamente exemplar, pode levar a criança primeiro à
imitação, e depois à observância e à prática rotineiras.
Ambos os genitores são os responsáveis pelas gerações vindouras, e
são também eles os responsáveis por escolher os tipos de pessoas que ajudarão a
educar e a ensinar seus filhos.
[1] Extraído de Compensation
de Ralph Waldo Emerson
Leonard Read foi o fundador do instituto Foundation for Economic Education -- o primeiro moderno think tank libertário dos EUA -- e
foi amplamente responsável pelo renascimento da tradição liberal no pós-guerra.
Fonte: Mises Brasil
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