Por
Marcelo Centenaro
Foi lançado
recentemente no Brasil, pela Vide Editorial, Violência e Armas: A
Experiência Inglesa, da Dra. Joyce Lee Malcolm, com apresentação de Bene
Barbosa. No dia do lançamento, Bene deu uma palestra muito interessante. O
livro é um estudo bastante abrangente da história da criminalidade e do
controle de armas na Inglaterra e no País de Gales, levantando dados desde o
século 13 até o final do século 20. A Inglaterra possui registros bem
preservados sobre crimes e julgamentos desde a Idade Média. Também possui uma
das legislações mais restritivas a armas em países democráticos. Portanto, é um
excelente objeto de estudo para quem se interessa pela relação entre a
criminalidade e a difusão das armas entre a população civil.
A Dra. Joyce,
americana, professora da Universidade de Harvard, historiadora especializada no
Império Britânico e na América Colonial, pesquisou as mudanças na legislação
criminal inglesa, incluindo a evolução do conceito de legítima defesa, as
normas referentes a armas brancas e de fogo e o custo das armas comparado à
renda dos cidadãos comuns.
No século 13, ainda
não havia armas de fogo. A criminalidade era alta, com taxas de homicídio entre
18 e 23 casos anuais por 100.000 habitantes. Esses números provavelmente são
subestimados. A legítima defesa era reconhecida pela lei comum (common law).
Porém, existia a necessidade de que quem fosse agredido tentasse fugir antes de
recorrer à violência para que o caso fosse considerado legítima defesa. Havia
algumas exceções. Por exemplo, matar um criminoso em fuga não era considerado
homicídio. Não existia polícia. Todos os cidadãos eram obrigados a colaborar
para a prevenção dos crimes e a captura dos criminosos.
No final do século
16, as armas de fogo se tornaram comuns entre os ingleses. As leis criminais
foram endurecidas e seu alcance foi ampliado. Por outro lado, mais situações
passaram a ser consideradas como legítima defesa. Ao final do século, a taxa de
homicídios estava em torno de 10 casos anuais por 100.000 habitantes.
O século 18
estabeleceu a legislação mais dura da história da Inglaterra. Com a Lei Negra,
praticamente qualquer tipo de crime levava à forca. Possuir armas continuou não
sendo crime. Em 1800, as taxas de homicídio estavam chegando a 3,5 casos anuais
por 100.000 habitantes.A Revolução Francesa causou grandes preocupações ao
governo inglês. Temia-se tanto uma tentativa de invasão das Ilhas Britânicas
pela França como o surgimento de movimentos revolucionários dentro do Reino
Unido. Houve iniciativas de coibir a posse de armas que pudessem ser usadas
ilegalmente, mas isso não prosperou e as armas continuaram livres. No
início do século 19, foi criada a polícia. Ela atuava desarmada, porque os
ingleses temiam que ela fosse um instrumento de tirania. Somente os cidadãos
podiam estar armados. A Dra. Joyce conta um incidente ocorrido, já no século
20, em 1909, conhecido como Tottenham Outrage, no qual policiais
perseguindo assaltantes tomaram emprestadas as armas de quatro civis. Outros
cidadãos armados cumpriram seu dever de lutar contra o crime juntando-se à
perseguição.
O século 19
terminou com 1,5 homicídios anuais por 100.000 habitantes.
No século 20, o
governo decidiu trabalhar, de maneira paciente e constante, para desarmar a
população. A partir de uma primeira lei praticamente inócua em 1903, foram
implantadas outras cada vez mais restritivas em 1920 e 1937, até que, em 1953,
as armas foram banidas. Daí em diante, somente os criminosos estão armados. O
livro explica bem como isso aconteceu, mas não diz exatamente por quê. Esse
processo foi conduzido por sucessivos governos trabalhistas e conservadores. Da
mesma maneira, o conceito de legítima defesa foi sendo cada vez mais limitado,
até que fosse quase que completamente abolido. São narrados alguns casos assustadores
de pessoas condenadas por homicídio por se defenderem de agressões que
ameaçaram gravemente a vida delas.
A criminalidade
cresceu de maneira consistente desde que as armas legais começaram a ser
reprimidas. A Inglaterra tornou-se um lugar mais violento que os Estados
Unidos. O livro termina com uma comparação entre a situação dos dois países.
Cita o estudo do economista John Lott sobre as diferentes legislações de armas
nos Estados Unidos e seu efeito sobre a criminalidade, concluindo que a liberdade
de possuir e portar armas, inclusive escondidas, têm um efeito claro e
demonstrável de coibir a criminalidade e a violência.
Senti falta de mais
gráficos, especialmente das taxas de crimes ao longo da história ou, pelo
menos, no século XX. O livro é uma fonte preciosa de informações para quem se
interessa por combater a criminalidade e pela questão da proibição ou não da
posse e do porte de armas. Mostra claramente que as restrições criadas na
Inglaterra não tiveram o controle da violência como motivação e foram
implementadas de maneira subreptícia, sem discussão com a sociedade e
contrariando a tradição, a experiência e a lógica. Seu efeito foi totalmente
negativo em todos os índices de violência e criminalidade. Excelente leitura.
Fonte: Reaçonaria Resenha
Violência e Armas - Joyce Lee Malcolm,
PDF, aqui
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