Por Anon,
Hey Aqualung! Por acaso você conhece Dobri
Dobrev? Sabe o que é? Bem, a sua aparência me lembra muito a figura daquele
pobre velho! Além da idade quase centenária, da solidão e das dores nas pernas
devido à idade e ao frio quase glacial, o que mais vocês poderiam ter em comum?
Foram na grande guerra?
Talvez tenham até mesmo trocado tiros um com outro! Hein, Aqualung? Agora, ambos a margem da humanidade amoral,
na dependência de uns míseros trocados e a mercê do resto de tempo que parece
passar bem mais rápido agora que outrora!
Sabe Aqualung! Enquanto você
esteve por estás bandas da velha Escócia, mendigando em volta deste banco de
parque, e lançando olhares obscenos paras as garotinhas e limpando as melecas
do nariz, eu estive em Baylovo, uma aldeia próxima de Sofía, numa destas
viagens que o destino impera para nos dar uma merecida lição sobre a vida.
Lá, eu tive uma grade
satisfação de conhecer o mendigo Elder Dobri Dobrev e o seu peculiar modo de viver.
Na época, ele já contava com os seus 96 anos de vida e com uma surdez que o
acompanhava desde os tempos da segunda grande guerra mundial, da qual
sobreviveu a uma explosão milagrosamente. Sua humilde casinha ficava em Baylovo,
pequena aldeia que fica a uns dez quilômetros de Sófia, capital búlgara. De manhazinha, ele vestia a sua velha roupa
surrada, feita manualmente em casa, calçava os seus sapatos tradicionais de
couro cor da pele e partia a pé para a capital. Muitos, entre conhecidos e
estranhos, lhe ofereciam carona; ele agradecia gentilmente, mas se contentava
em ganhar uma moedinha e dizia que preferia caminhar, pois andado por aquela
estradinha teria chance de arrecadar mais esmola.
Hey Aqualung! Embora sejam
velhos e pertencentes à última classe social as verossimilhanças e as
semelhanças entre ambos param por aqui! Baseado neste paradoxo daria para se
escrever um livro de mil páginas! Pois o senhor é um extraordinário ser
místico, vindo das notas musicais, um duende na forma de um velho pedinte, de
olhar que beira a perversidade, que concomitantemente assombra a imaginação dos
ambiciosos e comove os poucos sobreviventes da velha ordem moral. Você é fruto da
pura gnose, o seu criador, que é apenas um homem, há muito não acredita mais nas
religiões. E leva a vida numa boa tocando a sua flauta! Você Aqualung é ele!
Hey Aqualung! Que ideologia
maligna poderia surgi de um velho mendigo que apenas tenta se aquecer sob os frios
raios do sol de inverno? Que corre atrás do Exercito da Salvação para filar um
chá quentinho? E que ainda paquera as
garotinhas como se fosse um jovem Eros? Nenhuma creio! Aqualung é apenas um ser
abstrato e que faz parte de uma canção...
Hey Aqualung! A realidade não
esta aqui! Ela está lá em Sófia, onde o ancião Elder depois de tanto caminhar em
torno das igrejas ainda consegue forças sobrenaturais para esmolar e agradecer
festivamente cada níquel. O que ele recebeu de nãos, o que sofreu de humilhações
e repulsa, tudo isto foi insignificante
perante a sua glória, pois logo, todo mundo ficou sabendo que ele doou para as
Igrejas e orfanatos todo dinheiro que havia arrecado, durante muitos anos de
peregrinação. Ele que vivia com apenas
240 reais mensais de pensão como veterano de guerra tinha doado tudo aquilo, mais
de 120 mil reais, para a preservação das igrejas, mosteiros e orfanatos.
Isto sim é fortaleza! Um
homem consegue dispor daquilo que necessita em prol de outros, um verdadeiro
amor cristão tão esquecido ultimamente... O princípio da subsidiariedade, o próximo
ajudando o próximo mais próximo, a livre iniciativa de um homem levando vários outros
a participarem, mesmo que inconscientes, do seu empreendimento caridoso.
Mas para a maioria dos homens mutantes de hoje,
que perdeu a nobreza individual, a noção do bem e do mal, e vive arraigado na
sordidez do mundo inferior, isto é
apenas um ato de loucura do pobre Dobri Dobrev.
Eles nem mesmo importam ou
levam em conta a satisfação, mesmo se fosse subjetiva, do benevolente Elder
de Baylovo. Incapazes de uma mínima ação deste tipo
restam-lhes apenas as críticas para que possam ocupar o extenso vazio de suas consciências.
Saiba Aqualung! Que os olhos
não mentem! Eu conheci a verdadeira generosidade nos olhos daquele homem! Demorei
muito para descobrir que a realidade é tão metafísica quanto à própria metafísica.
Anon, SSXXI
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