Por Leonard
Read
Certa vez,
quando me pus a contemplar o miraculoso processo de criação de um simples lápis
de grafite, tive aquele lampejo: Aposto que não há uma só pessoa na terra que
saiba como fazer uma coisa tão simples como um lápis.
Se isso pudesse
ser demonstrado, tal fenômeno iria retratar vigorosamente o milagre que é o
mercado, e ajudaria a deixar claro que todos os objetos fabricados são
manifestações puras do processo de energia criativa, do processo de trocas
gerido por essa energia criativa. Acima
de tudo, deixaria claro que tais fenômenos são, na realidade, fenômenos
espirituais. As lições de economia
política que isso poderia ensinar seriam enormes!
A essa ideia
seguiu-se um inesquecível dia em uma fábrica de lápis, começando na plataforma
de desembarque da matéria prima, passando por cada uma das várias fases de
transformações, e concluindo tudo em uma entrevista com o químico responsável.
Tivesse você
visto o que eu vi, certamente também teria iniciado uma cordial amizade com
esse incrível personagem: EU, O LÁPIS.
Sendo ele
próprio um escritor, deixemos que EU, O LÁPIS fale por si só.
Eu sou um lápis
de grafite — daqueles lápis comuns de madeira, conhecidos de todas as crianças
e adultos que sabem ler e escrever.
Escrever é
minha vocação e minha profissão; é tudo o que eu faço.
Você pode se
perguntar o que me leva a escrever uma genealogia. Bem, pra começar, minha história é
interessante. E, depois, sou um mistério
— mais do que uma árvore ou um pôr-do-sol ou até mesmo um relâmpago. Mas, infelizmente, não sou devidamente
considerado por aqueles que me usam, que me veem como se eu fosse uma mera
ocorrência natural, sem todo um histórico de experiências. Essa atitude desdenhosa relega-me ao nível da
trivialidade. Esse é um tipo de erro
lamentável no qual a humanidade não pode persistir por muito tempo sem
riscos. Como o sábio G. K. Chesterton
observou, "Nossa decadência vem da falta de maravilhamento, não da falta
de maravilhas."
Eu, o Lápis,
apesar de parecer simples, mereço todo seu maravilhamento e espanto, como
tentarei demonstrar. Na verdade, se você tentar me compreender — não, isso é
pedir demais de alguém —, se você puder perceber a maravilha que eu simbolizo,
você pode ajudar a salvar a liberdade que a humanidade está infelizmente
perdendo. Tenho uma lição profunda a ensinar.
E posso ensiná-la melhor do que um automóvel ou um avião ou uma máquina
lava-louças porque... bem, porque eu sou aparentemente muito simples.
Simples? Sim. E
mesmo assim, não há uma única pessoa na face da terra que consiga me
produzir. Parece fantástico, não? Especialmente quando se sabe que, apenas nos
EUA, existem em torno de um a um bilhão e meio da membros da minha espécie
produzidos a cada ano.
Pegue-me e dê
uma boa olhada. O que você vê? Não há muito o que contemplar: há um pouco de
madeira, verniz, a marca impressa, a ponta de grafite, um pouco de metal e uma
borracha.
Inúmeros
antepassados
Assim como você
não pode rastrear o passado de sua árvore genealógica até muito longe, também
me é impossível nomear e explicar todos os meus antepassados. Mas eu gostaria de citar alguns deles para
que você se impressione com a riqueza e complexidade do meu passado.
Minha árvore
genealógica começa com aquilo que de fato é uma árvore de verdade, um cedro
nascido da semente que cresce no nordeste da Califórnia e no estado do
Oregon. Agora visualize todas as serras
e caminhões e cordas e outros incontáveis instrumentos usados para cortar e
carregar os troncos de cedro até a beira da ferrovia. Pense em todas as pessoas e suas inumeráveis
capacidades que concorreram para minha fabricação: a escavação de minerais, a
fabricação do aço e seu refinamento em serras, machados, motores: todo o
trabalho que faz com que as plantas passem por vários estágios até se tornarem
cordas fortes e pesadas; os campos de exploração de madeira com suas camas e
refeitórios, a cozinha e a produção de toda a comida para os lenhadores. Milhares de pessoas têm participação em cada
copo de café que os lenhadores bebem.
Os troncos são
enviados para uma serraria em San Leandro, Califórnia. Você é capaz de imaginar todos os indivíduos
que fizeram os vagões, os trilhos e as locomotivas, e que construíram e
instalaram todos os sistemas de comunicação para tudo isso? Essas multidões estão entre os meus
antepassados.
Considere o
trabalho dessa serraria em San Leandro.
Os troncos de cedro são cortados em pequenas tiras do comprimento de um
lápis com menos de 7 milímetros de espessura.
Essas tiras de madeira são queimadas no forno e em seguida são
coloridas, pela mesma razão que as mulheres colocam maquiagem em seus
rostos. As pessoas preferem que eu tenha
uma aparência bonita, e não um branco pálido. As tiras são enceradas e levadas
novamente ao forno. Quantas habilidades
foram necessárias para a fabricação da tintura e dos fornos? E para prover o calor, a luz e a
eletricidade, as correias e seus acoplamentos, os motores, e tudo o mais que
uma serraria requer? Os faxineiros da
serraria estão entre os meus antepassados?
Sim, e também os homens que despejaram o concreto para a construção da
represa da hidroelétrica que forneceu a energia da serraria!
E não se
esqueça de todos os antepassados atuais e distantes que participaram do
transporte dos sessenta vagões carregados dessas tiras de madeira através do
país.
Uma vez na
fábrica de lápis — US$ 27.700.000,00 (valores atualizados) em maquinário e
construção, tudo capital acumulado pelos meus pais que pouparam e foram frugais
—, uma máquina complexa faz oito entalhes em cada tira de madeira. Após isso, outra máquina deposita a ponta de
grafite, aplica a cola e coloca outra tira em cima da tira anterior — um
sanduíche de grafite, por assim dizer.
Sete irmãos e eu somos mecanicamente esculpidos por meio desse processo
de "ensanduichamento de madeira".
Minha ponta de
grafite também é complexa. O grafite vem
de minas no Sri Lanka. Pense nos
mineradores, naqueles que fabricam suas diversas ferramentas, nos fabricantes
dos sacos de papel nos quais o grafite é enviado, naqueles que fazem os cordões
que amarram os sacos, naqueles que os embarcam nos navios e naqueles que
fabricam os navios. Até os zeladores das
torres de farol auxiliaram no meu nascimento — além dos pilotos que conduzem os
navios quando estes chegam aos portos, também conhecidos como práticos.
O grafite é
misturado com argila vinda do Mississipi, em cujo processo de refinamento se
usa hidróxido de amônio. Agentes
umedecedores são então adicionados, como sebo sulfonado — gorduras animais
reagidas quimicamente com ácido sulfúrico.
Depois de passar por numerosas máquinas, a mistura finalmente surge na
forma de filetes expelidos (processo conhecido como extrusão) — como se saíssem
de um moedor de carne —, cortados no tamanho certo, secos e assados por várias
horas a mais de 1.000 graus Celsius.
Para alisar e aumentar sua resistência, as pontas são então tratadas com
uma mistura quente que inclui cera candelilla do México, parafina e gorduras
naturais hidrogenadas.
Minha madeira
recebe seis camadas de verniz. Você sabe
todos os ingredientes do verniz? Quem
poderia imaginar que os cultivadores de mamona e os refinadores de óleo de
mamona fazem parte? Mas fazem. Aliás, até os processos pelos quais o verniz
adquire um belo tom de amarelo envolvem a perícia de mais pessoas do que
qualquer um pode enumerar!
Observe minha
marca. Ela é um filme formado pela
aplicação de calor sobre carbono negro misturado com resinas. Como se faz resinas? E, por favor me diga, o que é carbono negro?
Meu pedaço de
metal na ponta superior — o arco — é de latão.
Pense em todas as pessoas que mineram zinco e cobre, e naquelas que
possuem as habilidades para fazer brilhantes placas de latão com esses produtos
da natureza. As pequenas manilhas no meu
arco de metal são níquel preto. O que é
níquel preto e como ele é aplicado? A
história completa sobre o porquê do centro do meu arco de metal não possuir níquel
preto levaria páginas para explicar.
Então há a
minha gloriosa coroação, a borracha, a parte que o homem usa para apagar os
erros que ele comete comigo. São os
ingredientes abrasivos que apagam. Produtos feitos pela reação do óleo de
semente de colza das colônias holandesas com cloreto sulfúrico. A borracha, contrária ao senso comum, é só
para dar consistência. E então, também,
há numerosos agentes vulcanizantes e aceleradores. A lixa vem da Itália; e o pigmento que colore
a borracha é o sulfeto de cádmio.
Ninguém sabe
Alguém deseja
contestar minha afirmação anterior de que não há sequer uma pessoa na face da
terra que saiba como me fazer?
Realmente,
milhões de seres humanos participaram da minha criação, e nenhum deles sabe
mais do que alguns dos outros. Agora,
você pode dizer que estou indo longe demais ao relacionar os colhedores de café
no Brasil — e em outros lugares — à minha criação, e que essa é uma posição
extremada. Mantenho minha posição. Não há uma única pessoa em todos esses
milhões, incluindo o presidente da empresa fabricante do lápis, que contribuiu
com mais do que uma mínima, ínfima porção de conhecimento. Do ponto de vista técnico e prático, única
diferença entre o minerador da grafite e o lenhador no estado do Oregon é o
tipo do conhecimento. Nem o minerador
nem o lenhador podem ser dispensados, tampouco se pode dispensar o químico da
fábrica ou o trabalhador da refinaria de petróleo — já que a parafina é um
subproduto do petróleo.
Aqui vai um
fato assombroso: nem o trabalhador da refinaria petróleo, nem o químico, nem o
escavador do grafite ou da argila, nem os homens que fazem os navios ou trens
ou caminhões, nem aquele que controla a máquina que arremata meu pedaço de
metal, nem o presidente da empresa fazem seu trabalho particular porque eles me
querem. Cada um me deseja menos, talvez,
do que uma criança na primeira série.
Sem dúvida, existem alguns nesta vasta multidão que nunca viram um lápis
ou não sabem como utilizá-lo. Sua
motivação é outra. É mais ou menos
assim: Cada um desses milhões vê que ele pode, deste modo, trocar seu pequenino
conhecimento por bens e serviços que deseja ou dos quais necessita. E eu posso estar ou não entre esses itens.
Sem uma mente
superior planejadora
Há um fato
ainda mais espantoso: a ausência de uma mente planejadora, de alguém ditando,
ou direcionando forçosamente essas incontáveis ações que me permitem
existir. Não há sinal da existência
dessa pessoa. Em vez disso, vemos apenas
o trabalho da mão invisível. Esse é o
mistério a que me referi anteriormente.
Diz-se que
"apenas Deus pode fazer uma árvore".
Por que concordamos com isso? Não
é porque percebemos que nós mesmos não conseguimos fazer uma? Conseguimos realmente explicar uma
árvore? Não, exceto em termos
superficiais. Podemos dizer, por
exemplo, que uma determinada configuração molecular se manifesta como uma
árvore. Mas qual é o intelecto entre os
homens que poderia sequer memorizar as constantes mudanças que acontecem na
extensão da vida de uma árvore? Essa façanha
é absolutamente impensável!
Eu, o Lápis,
sou uma combinação complexa de milagres: árvore, zinco, cobre, grafite e muito
mais. Mas, a esses milagres que se
manifestam na natureza, um milagre ainda mais extraordinário foi adicionado: a
disposição das energias criativas humanas — milhões de minúsculos conhecimentos
configurando naturalmente e espontaneamente uma resposta à necessidade e ao
desejo humano, sem precisar de qualquer mente superior! Se apenas Deus pode
fazer uma árvore, também insisto que apenas Deus pode me fazer. Homens não conseguem dirigir esses milhões de
conhecimentos para me trazer à "vida", assim como não conseguem
ajustar as moléculas para criar uma árvore.
O parágrafo
anterior mostra o que procurei expressar quando disse "se você puder
perceber a maravilha que eu simbolizo, você pode ajudar a salvar a liberdade
que a humanidade infelizmente está perdendo". Se alguém atentar para o fato de que esses
conhecimentos irão naturalmente, até mesmo automaticamente, arranjar-se em
padrões produtivos e criativos em resposta às necessidades e demandas humanas —
ou seja, na ausência de um governo ou qualquer outra mente superior coercitiva
—, então este alguém possuirá um ingrediente absolutamente essencial para a
liberdade — a fé nas pessoas livres. A
liberdade é impossível sem essa fé.
Uma vez que o
governo obteve o monopólio de uma atividade criativa como, por exemplo, a
entrega de correspondências, a maioria dos indivíduos passou a acreditar que as
cartas não poderiam ser entregues eficientemente pela ação livre dos
homens. E aqui está a razão: cada um
reconhece que ele próprio não sabe como fazer acontecer todas as circunstâncias
para a entrega de correspondências.
Essas suposições estão corretas.
Nenhum indivíduo possui conhecimento suficiente para efetuar a entrega
de correspondências para toda a nação, assim como nenhum indivíduo possui
conhecimento suficiente para fazer um lápis.
Agora, na ausência da fé em pessoas livres — sem a percepção de que
milhões de pequeninos conhecimentos podem naturalmente e miraculosamente se
formar e cooperarem para satisfazer suas necessidades — o indivíduo só pode
concluir equivocadamente que a correspondência só pode ser entregue graças à
"mente superior" do governo.
Fartura de
testemunhos
Se eu, o Lápis,
fosse o único item que pudesse oferecer testemunho sobre o que homens e
mulheres podem realizar quando têm liberdade para empreender, então aqueles com
pouca fé teriam um argumento justo. No
entanto, há uma fartura de testemunhos: estão à nossa volta, ao nosso alcance. A entrega de correspondência é extremamente
simples quando comparada com, por exemplo, a fabricação de um automóvel ou uma
calculadora ou uma máquina agrícola ou dezenas de milhares de outras
coisas.
Entrega? Aliás, onde os homens puderam se aventurar
nessa área, eles conseguiram fazer a entrega da voz humana em menos de um
segundo: entregam um evento visualmente e em movimento na casa de qualquer
pessoa no momento em que está acontecendo; entregam 200 passageiros de uma
cidade a outra em questão de horas; entregam gás de uma cidade à fornalha de
alguém em outra cidade a preços inacreditavelmente baixos e sem subsídio;
entregam um quilo de óleo do Golfo Pérsico no oeste americano — meia volta ao
mundo — por menos do que o governo cobra para entregar uma carta de 50 gramas
ao outro lado da rua!
A lição que eu
tenho para ensinar é a seguinte: deixem que as energias criativas permaneçam
desimpedidas. Simplesmente deixem que a sociedade se organize espontaneamente
para que ela aja em harmonia com essa lição.
Deixem que os aparatos legais da sociedade removam todos os obstáculos
da melhor forma possível. Permitam que esses conhecimentos fluam
livremente. Tenham fé que homens e
mulheres irão responder à mão invisível.
Essa fé será confirmada. Eu, o
Lápis, aparentemente tão simples, ofereço o milagre da minha criação como um
testemunho de que essa fé é real, tão real quanto o sol, a chuva, o cedro. Tão real quanto a Terra.
Leonard Read
foi o fundador do instituto Foundation for Economic Education -- o primeiro
moderno think tank libertário dos EUA -- e foi amplamente responsável pelo
renascimento da tradição liberal no pós-guerra.
Milton Friedman - "A História de um
Lápis"
Foi a mágica do
sistema de preços, a operação impessoal dos preços, que fez milhares de pessoas
se reunirem e cooperarem, mesmo sem estarem juntas, para produzir o lápis. Isso
tudo só é possível com o funcionamento do livre mercado, pois só ele promove
uma eficiência produtiva, preços baixos, além de promover paz e harmonia entre
os povos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente! Boa parte dos conhecimentos surgiu dos questionamentos.
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.