Por Rubem Novaes
A mais recente manifestação da interferência dos
governantes em nossa vida está no que o jornalista americano David Harsanyi
convencionou chamar de Estado-babá, em seu best-seller de 1997, Nanny State.
Políticos e burocratas, acreditando saber mais do que nós o que é bom para nós
mesmos, passaram a interferir, com incrível intensidade, em questões miúdas de
nossa vida, que deveriam pertencer ao âmbito das decisões pessoais ou
familiares.
Aqui, no Brasil, onde a mais
importante manifestação do Estado-babá foi a imposição do voto obrigatório, em
1932, algumas áreas têm merecido especial atenção dos políticos e burocratas na
tentativa de nos impor padrões de comportamento. Destacam-se a segurança no
trânsito (cinto de segurança, Lei Seca, vistorias do Detran, etc.), os cuidados
com a alimentação e a saúde em geral (inúmeras medidas da Anvisa e iniciativas
de diferentes órgãos legislativos) e a imposição do que seria considerado
politicamente correto no campo da moral e dos costumes (leis defendendo
direitos e privilégios para minorias, medidas ecológicas exageradas, etc.).
Exemplo da importância que o tema vem ganhando em nossa sociedade foi a escolha
da Lei Seca como tema de redação em prova recente do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem), quando já se admite que serão penalizados os estudantes que
discordarem dos rigores de uma lei que pune o pré-crime, sem a configuração do
dano a terceiros.
Ora, que os políticos e burocratas
queiram impor sua vontade não surpreende. Surpreende de verdade é constatar
que, mesmo no seio da população bem informada, uma parcela expressiva aceite
passivamente que seus gostos, sua segurança e suas ações sejam pautadas por
terceiros. É como se a população estivesse convencida de que semelhantes seus,
desde que em funções públicas, adquirem uma sabedoria e um tirocínio muito
especiais, que os fazem merecedores do respeito e da obediência de todos.
As iniciativas públicas que
configuram o Estado-babá partem do princípio de que há um interesse social que
se deve sobrepor ao somatório das vontades individuais. É como se o Estado,
esse ser supremo, pudesse ter uma vontade própria, independente da dos seus
cidadãos, mesmo sem que qualquer "contrato social" pudesse ser
concebido ou percebido para regular as situações sob exame.
Por trás da atitude dos governantes,
que não aceitam a pecha de babás, dizendo-se defensores dos mais altos
interesses da sociedade, há todo um discurso de caráter técnico lastreado na
teoria das "externalidades". Segundo essa teoria, consagrada em
manuais de economia, indivíduos, em certas situações, não levariam em conta
devidamente efeitos de suas ações sobre terceiros, o que justificaria punições
e proibições estatais. Quando alguém fuma perturba os outros que estão por perto.
Quando alguém adoece ou engorda e se utiliza do sistema público de saúde está
impondo custos sobre os contribuintes em geral. Quando alguém põe seu carro no
trânsito contribui para o engarrafamento e o aumento da poluição. O argumento
de que devam pagar um preço por isso faz sentido, mas é clara a sensação de que
as medidas restritivas tomadas na esfera governamental extrapolam de muito o
que seria justificável em termos de "externalidades não
internalizadas". O governo, ao intervir, cheio das boas intenções, pode
estar gerando mais custos e problemas do que os que pretende eliminar.
Outro ponto a considerar é que,
aceita a lógica de que cabe ao Estado cuidar da população para resolver os seus
problemas, o que se verifica é uma competição de todos pela obtenção de mais e
mais benesses. Mamar nas tetas do governo, tirar uma "lasca" de seus
recursos, passa a ser o esporte predileto das massas infantilizadas, que passam
a agir como "bebê chorão". Afinal, se o Estado é a babá que me infantiliza,
eu vou ser o "bebê chorão", que "chora" para obter os
favores do Estado.
Esquecem os governantes
intervencionistas, tão preocupados com a nossa segurança e a nossa alimentação,
que não queremos, conscientemente, maximizar nossa saúde e a longevidade de
nossa vida (lembremo-nos aqui de Vinicius de Moraes e tantos outros que
preferiram uma vida intensa a uma vida longeva). Nem agir com tudo certinho
dentro de alguns princípios rígidos da moral e dos costumes. Isso porque há
muitos aspectos agradáveis da vida que conspiram contra esses objetivos puros e
austeros. Não somos ascetas, apreciamos a adrenalina do risco e somos tentados
por prazeres etílico-gastronômicos e outros a nos entregarmos a emoções
irresponsáveis. Por certo, a monotonia não tem a preferência da natureza
humana, sempre atraída pelos pecados da luxúria e da gula. Mas o Estado
moderno, além de ser grande, quer agora ser chato. E quer que tenhamos uma vida
chata.
Cabe notar, finalmente, a tênue linha
que há separando um Estado-babá de um Estado realmente opressor. O Welfare
State moderno, com uma infinidade de programas que pretendem resolver problemas
que antes estavam no âmbito da responsabilidade individual, já enfraqueceu de
muito a figura do cidadão perante o Estado. Se, nas questões mais comezinhas, o
Estado passa também a se intrometer e a ditar regras de comportamento, andamos
um passo adiante na fragilização do indivíduo no que este tem de mais nobre:
sua ânsia por independência e liberdade. E uma população que se tornou passiva
e pusilânime, mediante um longo processo de destruição de suas vontades, é o
caminho aberto, sem resistências, para o retorno das tiranias mais radicais.
Vamos resistir ao Estado-babá
enquanto é tempo!
Rubem
Novaes é economista (UFRJ) com doutorado na Universidade de Chicago, foi
diretor do BNDES e presidente do Sebrae.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente! Boa parte dos conhecimentos surgiu dos questionamentos.
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.