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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Não ao Estado-babá



Por Rubem Novaes


A mais recente manifestação da interferência dos governantes em nossa vida está no que o jornalista americano David Harsanyi convencionou chamar de Estado-babá, em seu best-seller de 1997, Nanny State. Políticos e burocratas, acreditando saber mais do que nós o que é bom para nós mesmos, passaram a interferir, com incrível intensidade, em questões miúdas de nossa vida, que deveriam pertencer ao âmbito das decisões pessoais ou familiares.


Aqui, no Brasil, onde a mais importante manifestação do Estado-babá foi a imposição do voto obrigatório, em 1932, algumas áreas têm merecido especial atenção dos políticos e burocratas na tentativa de nos impor padrões de comportamento. Destacam-se a segurança no trânsito (cinto de segurança, Lei Seca, vistorias do Detran, etc.), os cuidados com a alimentação e a saúde em geral (inúmeras medidas da Anvisa e iniciativas de diferentes órgãos legislativos) e a imposição do que seria considerado politicamente correto no campo da moral e dos costumes (leis defendendo direitos e privilégios para minorias, medidas ecológicas exageradas, etc.). Exemplo da importância que o tema vem ganhando em nossa sociedade foi a escolha da Lei Seca como tema de redação em prova recente do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), quando já se admite que serão penalizados os estudantes que discordarem dos rigores de uma lei que pune o pré-crime, sem a configuração do dano a terceiros.

Ora, que os políticos e burocratas queiram impor sua vontade não surpreende. Surpreende de verdade é constatar que, mesmo no seio da população bem informada, uma parcela expressiva aceite passivamente que seus gostos, sua segurança e suas ações sejam pautadas por terceiros. É como se a população estivesse convencida de que semelhantes seus, desde que em funções públicas, adquirem uma sabedoria e um tirocínio muito especiais, que os fazem merecedores do respeito e da obediência de todos.

As iniciativas públicas que configuram o Estado-babá partem do princípio de que há um interesse social que se deve sobrepor ao somatório das vontades individuais. É como se o Estado, esse ser supremo, pudesse ter uma vontade própria, independente da dos seus cidadãos, mesmo sem que qualquer "contrato social" pudesse ser concebido ou percebido para regular as situações sob exame.

Por trás da atitude dos governantes, que não aceitam a pecha de babás, dizendo-se defensores dos mais altos interesses da sociedade, há todo um discurso de caráter técnico lastreado na teoria das "externalidades". Segundo essa teoria, consagrada em manuais de economia, indivíduos, em certas situações, não levariam em conta devidamente efeitos de suas ações sobre terceiros, o que justificaria punições e proibições estatais. Quando alguém fuma perturba os outros que estão por perto. Quando alguém adoece ou engorda e se utiliza do sistema público de saúde está impondo custos sobre os contribuintes em geral. Quando alguém põe seu carro no trânsito contribui para o engarrafamento e o aumento da poluição. O argumento de que devam pagar um preço por isso faz sentido, mas é clara a sensação de que as medidas restritivas tomadas na esfera governamental extrapolam de muito o que seria justificável em termos de "externalidades não internalizadas". O governo, ao intervir, cheio das boas intenções, pode estar gerando mais custos e problemas do que os que pretende eliminar.

Outro ponto a considerar é que, aceita a lógica de que cabe ao Estado cuidar da população para resolver os seus problemas, o que se verifica é uma competição de todos pela obtenção de mais e mais benesses. Mamar nas tetas do governo, tirar uma "lasca" de seus recursos, passa a ser o esporte predileto das massas infantilizadas, que passam a agir como "bebê chorão". Afinal, se o Estado é a babá que me infantiliza, eu vou ser o "bebê chorão", que "chora" para obter os favores do Estado.

Esquecem os governantes intervencionistas, tão preocupados com a nossa segurança e a nossa alimentação, que não queremos, conscientemente, maximizar nossa saúde e a longevidade de nossa vida (lembremo-nos aqui de Vinicius de Moraes e tantos outros que preferiram uma vida intensa a uma vida longeva). Nem agir com tudo certinho dentro de alguns princípios rígidos da moral e dos costumes. Isso porque há muitos aspectos agradáveis da vida que conspiram contra esses objetivos puros e austeros. Não somos ascetas, apreciamos a adrenalina do risco e somos tentados por prazeres etílico-gastronômicos e outros a nos entregarmos a emoções irresponsáveis. Por certo, a monotonia não tem a preferência da natureza humana, sempre atraída pelos pecados da luxúria e da gula. Mas o Estado moderno, além de ser grande, quer agora ser chato. E quer que tenhamos uma vida chata.

Cabe notar, finalmente, a tênue linha que há separando um Estado-babá de um Estado realmente opressor. O Welfare State moderno, com uma infinidade de programas que pretendem resolver problemas que antes estavam no âmbito da responsabilidade individual, já enfraqueceu de muito a figura do cidadão perante o Estado. Se, nas questões mais comezinhas, o Estado passa também a se intrometer e a ditar regras de comportamento, andamos um passo adiante na fragilização do indivíduo no que este tem de mais nobre: sua ânsia por independência e liberdade. E uma população que se tornou passiva e pusilânime, mediante um longo processo de destruição de suas vontades, é o caminho aberto, sem resistências, para o retorno das tiranias mais radicais.

Vamos resistir ao Estado-babá enquanto é tempo!

Rubem Novaes é economista (UFRJ) com doutorado na Universidade de Chicago, foi diretor do BNDES e presidente do Sebrae.

Fonte: O Estadão

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