Por Carlos I. S.
Azambuja
Quando ainda se encontrava no poder, Gorbachev
afirmou que o mercado não era apenas uma invenção capitalista e sim “uma
conquista permanente da civilização moderna”. E que, além do mercado, a
propriedade privada e o princípio do lucro eram também “aquisições do mundo moderno”. No
campo político, Gorbachev reconheceu como incontestáveis a democracia
parlamentar e as liberdades individuais. Era, então, o tempo
da perestroika e da glasnost.
Alguém já se teria preocupado em analisar as
conseqüências desses pronunciamentos do ex-Secretário-Geral do Partido
Comunista da União Soviética e ex-presidente da ex-URSS?
Se o mercado é uma conquista permanente da
civilização moderna, então o socialismo real, que o aboliu, cometeu um ato
de barbárie e, por vir exigindo a supressão do mercado desde o Manifesto
Comunista, ou seja, há mais de 150 anos, o ideal socialista é, ele
próprio, uma ameaça à civilização, em vez de ser um corretivo para as
mazelas do capitalismo selvagem.
No campo político,
o socialismo antepôs a ditadura do proletariado à democracia. Já em
1918, essa ditadura fechou sumariamente a Assembléia Nacional Constituinte e
instituiu os Gulags(mais de 4 milhões de vítimas reconhecidas, com dezenas
de milhares de mortos, segundo estimativas), as fomes genocidas (7 milhões de
mortos somente na Ucrânia), massacres (desde Kronstadt, em 1921, até Vilna, em
1991), sindicalismos de pelegos, hospitais psiquiátricos para os dissidentes e
casas de repouso para os membros da nomenklatura e para os dirigentes
dospartidos-irmãos.
A partir de tais
pressupostos político-econômicos, o socialismo real asfixiou a vida
social. O controle estatal da produção científica impôs à URSS e aos países
satélites um calamitoso atraso tecnológico. Foram destruídas, quase por
completo, as emergentes ciências humanas; a filosofia foi reduzida a serva da
propaganda; a religião voltou às catacumbas e áreas inteiras da cultura
ocidental foram totalmente censuradas.
As artes, no
entanto, sofreram o pior. Os suicídios de Yessenin e de Maiakovski, o
assassinato de Meyerhold, a deportação de Soljesnitsyn, a rejeição de
Stravinski, são apenas alguns indícios dos assombrosos crimes culturais que
deixaram desterradas, ou nos porões, as artes na ex-União Soviética, embora
essa história ainda não tenha sido contada por inteiro.
Igualmente, em
nome da revolução internacional e da vitória final do socialismo, as nações
vizinhas da ex-União Soviética foram sistematicamente agredidas - recordemos as
invasões dos países bálticos em 1918 e, posteriormente da Hungria, Checoslováquia,
Polônia e Afeganistão -, e o mundo inteiro levado à beira do conflito nuclear.
Conclui-se,
portanto, que o chamado socialismo real cometeu uma agressão sem
precedentes à civilização, agressão que só pode ser comparada à desfechada, por
outro tipo de socialismo, o nacional-socialismo. Mas, além das fortes
semelhanças, conforme Adolf Hitler afirmou em fevereiro de 1941
- “basicamente, o nacional-socialismo e o marxismo são a mesma coisa” -,
existem entre o nazismo e o bolchevismo notáveis diferenças. Uma delas é que
o nacional-socialismo permaneceu 12 anos no poder, enquanto
o Leviatã do socialismo real governou (governou?) por
70 anos.
Outra diferença é
que o Nuremberg dos bolcheviques não aconteceu e, provavelmente, jamais
ocorrerá, pois as instituições jurídicas criadas pelo socialismo
real que, em parte, ainda permanecem vigentes, foram de tal forma
corrompidas a ponto de não permitirem iniciativas nesse sentido. Como não
existe um vencedor oficial do socialismo real, não haverá julgamento
formal de seus crimes contra a humanidade e, nesse sentido, cabe duvidar que o
famoso julgamento da História, consolo vão dos acusadores impotentes faça,
algum dia, justiça aos milhões de sacrificados nos arquipélagos Gulag.
Nesse sentido,
segundo o jornalista inglês Paul Johnson, da revista “The
Spectator” (jornal O Estado de São Paulo de 11 de janeiro de
1998), “O Livro Negro do Comunismo: Crimes, Terror, Repressão”, de autoria
de um grupo de ex-marxistas, com 846 páginas, lançado em Paris em 1997, pode
ser considerado o primeiro livro de consulta sobre o que autor chama de
“tragédia planetária”. O livro, logo transformado em um best-seller,
mostra com riqueza de detalhes que os crimes do comunismo não apenas superaram
de longe os do nazismo em termos de quantidade, mas que os dois sistemas, em
todos os pontos básicos morais, foram similares.
Os nazistas foram responsáveis por 25 milhões de mortes, ao passo que os mortos nos vários Estados do socialismo real não ficaram aquém de 100 milhões, dentre os quais 20 milhões na Rússia e 65 milhões na China.
O mais importante, talvez, é que o “Livro Negro do Comunismo” submete esses crimes de Estado aos mesmos critérios judiciais iniciados com o Tribunal de Nuremberg, em 1945, e recentemente aplicados na Bósnia, na Sérvia e demais Estados que se desprenderam da ex-Iugoslávia. Pelo artigo 6º dos Estatutos de Nuremberg, crimes de Estado se enquadram em três grandes categorias: crimes contra a paz, crimes de guerra, e crimes contra a humanidade.
Os autores do Livro Negro mostram com detalhes que os Estados comunistas e seus líderes, individualmente, foram culpados desses três crimes repetidas vezes e em escala colossal. A lista dos crimes de Stalin contra a humanidade é especialmente longa e horripilante, envolvendo mais de 10 milhões de pessoas. Ele cometeu o crime de genocídio, conforme definido pelos tribunais internacionais, em diversas ocasiões: contra os kulaks russos, em que um genocídio de classe substituiu o genocídio de raça, em 1930-1932; contra os ucranianos, em 1932-1933; contra os poloneses, bálticos, moldavos e bessarábios, em 1939-1941, e de novo, em 1944-1945, contra os poloneses; contra os alemães do Volga em 1941; os tártaros da Criméia em 1943; os chechenos em 1944 e os inguches também em 1944.
Grande parte
desses crimes foi cometida pela KGB, braço-armado da ditadura do
proletariado.
Carlos I. S.
Azambuja é Historiador.
Fonte: Alertatotal (siga esse blog)
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