Por Robert
Sirico
As parábolas de
Jesus nos ensinam verdades eternas, mas também oferecem lições práticas
inesperadas para as questões mundanas.
No Evangelho de
Mateus (Mt 25:14-30), encontramos a parábola dos
talentos de Jesus. Como todas as parábolas bíblicas, elas têm muitos níveis de
significado. Sua essência se relaciona a como utilizamos o dom da graça de
Deus. Com relação ao mundo material, trata-se de uma história sobre capital,
investimento, empreendedorismo, e o uso adequado de recursos econômicos
escassos. É uma refutação direta àqueles que veem uma contradição entre o
sucesso dos negócios e a vivência da vida cristã.
Um
homem rico, prestes a iniciar uma longa viagem, chamou os seus três servos e
lhes disse que eles seriam os guardiões de seus bens enquanto estivesse
ausente. Após o mestre analisar as habilidades naturais de cada um, ele deu 5
talentos a um servo, 2 a outro, e 1 ao terceiro. Em seguida, partiu para sua
viagem.
Os
servos não perderam tempo e imediatamente adentraram o mundo do empreendimento
e dos investimentos. Aquele que recebera cinco talentos empreendeu e
ganhou outros cinco. Do mesmo modo, o que recebera dois ganhou outros
dois. Mas o que havia recebido apenas um fez uma cova no chão e escondeu ali a
propriedade do seu mestre.
Depois
de muito tempo, o mestre retornou e foi acertar as contas com seus servos. O
servo que havia recebido 5 talentos se apresentou. "Meu senhor", ele
disse, "o senhor me confiou 5 talentos; veja, aqui estão mais cinco que eu
consegui!".
"Muito
bem, servo bom e fiel!" o mestre respondeu. "Já que foste fiel no
pouco, confiar-te-ei o muito; entra no gozo do teu senhor!"
Em
seguida, o servo que havia recebido 2 talentos se aproximou do mestre.
"Meu senhor", disse, "o senhor me confiou 2 talentos; veja,
obtive mais dois!" O mestre disse: "Muito bem, servo bom e fiel, já
que foste fiel no pouco, confiar-te-ei o muito, entra no gozo do teu
senhor".
Finalmente,
aquele que havia recebido 1 talento se aproximou de seu mestre. "Meu
senhor", disse, "eu soube que és um homem severo, ceifas onde não
semeaste e recolhes onde não joeiraste; e, atemorizado, fui esconder o teu
talento na terra; aqui tens o que é teu!".
A
resposta do mestre foi rápida e severa: "Servo mau e preguiçoso! Se sabias
que ceifo onde não semeei e que recolho onde não joeirei, devias, então, ter
entregado o meu dinheiro aos banqueiros e, ao meu retorno, teria recebido o que
é meu com juros".
O
mestre ordenou que o talento fosse tomado do servo preguiçoso e dado àquele que
tinha dez talentos: "Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem os dez
talentos; porque a todo o que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao
que não tem, até o que tem ser-lhe-á tirado. Lançai o servo inútil nas trevas
exteriores; ali haverá o choro e o ranger de dentes!"
Essa
não é a história que frequentemente ouvimos nos púlpitos e sermões. Nossos tempos
ainda exaltam uma ética socialista na qual o lucro é suspeito, e o
empreendedorismo é visto com suspeita e desagrado. Porém, a história apresenta
um significado ético facilmente perceptível, e apresenta lições profundas que
ajudam a compreender qual é a responsabilidade humana na vida econômica.
Uma análise mais atenta
Nessa
parábola, a palavra "talento" possui dois significados. É uma unidade
monetária: era a mais utilizada da época. O estudioso bíblico John R. Donovan
relata que um único talento era equivalente ao salário de 15 anos de um
trabalhador comum. Portanto, sabemos que a quantia dada a cada servo era
considerável.
Se
interpretarmos de uma forma mais ampla, os talentos se referem a todos os dons
que Deus nos deu. Essa definição abarca todos os dons — naturais, espirituais e
materiais. Inclui, também, nossas habilidades e recursos naturais — saúde e
educação —, bem como nossas posses, dinheiro e oportunidades.
Uma
das lições mais simples dessa parábola é que não é imoral lucrar por meio do uso
de nossos recursos, inteligência e trabalho. A alternativa ao lucro é o
prejuízo; e a perda de riqueza, especialmente por falta de iniciativa,
certamente não constitui uma boa e sensata administração.
A
parábola existente no Evangelho de São Mateus pressupõe uma compreensão básica
da correta administração do dinheiro. De acordo com a lei rabínica, o ato de
enterrar o dinheiro era considerado a forma mais segura contra o roubo. Se a
uma pessoa fosse confiada uma quantia em dinheiro e ela o enterrasse tão logo
estivesse em seu poder, ela estaria livre da culpa se algo acontecesse com ele.
O oposto era verdade se o dinheiro fosse enrolado em um pano. Nesse caso,
a pessoa era responsável por cobrir qualquer perda (prejuízo) incorrida devido
à má administração do depósito que lhe foi confiado.
Ainda
nessa história, o mestre inverte o entendimento da lei rabínica. Ele considerou
enterrar o talento — ficando elas por elas — como um prejuízo, pois ele pensava
que o capital deveria receber uma taxa de retorno razoável. De acordo com esse
entendimento, tempo é dinheiro (ou juros).
A
parábola também contém uma lição crítica sobre como devemos utilizar as
habilidades e recursos dados por Deus. No livro de Gênesis, Deus deu a Adão a
Terra à qual ele deveria misturar seu trabalho para seu próprio uso. Na
parábola, de forma similar, o mestre esperava que seus servos buscassem ganhos
materiais. Em vez de preservar passivamente o que lhes tinha sido dado, o
mestre esperava que investissem o dinheiro. O mestre ficou furioso diante da
timidez do servo que tinha recebido um talento. Deus nos ordena a utilizar
nossos talentos para fins produtivos. A parábola enfatiza a necessidade do
trabalho e da criatividade, e condena a preguiça.
A busca por segurança
Ao
longo da história, as pessoas tentaram construir instituições que assegurassem
uma segurança perfeita, como o servo fracassado tentou. Tais esforços variam
dos estados de bem-estar greco-romanos, passando pelo totalitarismo soviético
em grande escala, até as comunidades luditas da década de 1960.
De
tempos em tempos, esses esforços foram adotados como soluções cristãs para
inseguranças futuras. Ainda assim, na Parábola dos Talentos, a coragem frente a
um futuro incerto é recompensada no primeiro servo, que recebeu mais. Ele havia
empreendido os 5 talentos, e ao fazê-lo, obteve mais 5. Teria sido mais seguro
para o servo investir o dinheiro no banco para obter juros. Pela fé que
demonstrou, foi-lhe permitido manter os 5 iniciais mais os 5 que havia
recebido, compartilhando da alegria do mestre.
Isso
implica uma obrigação moral de confrontar a incerteza de maneira empreendedora.
E ninguém o faz melhor que o empreendedor. Muito antes de saber se haverá
retorno aos seus investimentos ou ideias, ele arrisca seu tempo e sua propriedade.
Ele tem de pagar os salários de seus empregados muito antes de saber se o seu
empreendimento terá algum retorno. Ele incorre em gastos muito antes de
saber se previu os eventos futuros de forma acurada. Ele vê o futuro com
esperança, coragem e um senso de oportunidade. Ao criar novos negócios, ele
oferece alternativas para os trabalhadores, que agora podem optar por receber
um salário e desenvolver suas habilidades.
Por
que, então, os empreendedores são frequentemente punidos como maus servos de Deus?
Muitos líderes religiosos falam e agem como se o uso dos talentos e recursos
naturais dos empresários em busca do lucro fosse imoral, uma noção que deveria
ser descartada à luz da Parábola dos Talentos. O servo preguiçoso poderia ter
evitado seu destino sombrio ao ser mais empreendedor. Se houvesse feito um
esforço para empreender o dinheiro do seu mestre e retornado com prejuízos, ele
não teria sido tratado tão mal, pois ao menos teria trabalhado em nome do seu
mestre.
Empreendedorismo e ganância
A religião
deve reconhecer o empreendedorismo pelo que ele é — uma vocação. A capacidade
de sucesso nos negócios, na bolsa de valores ou em um banco de investimentos é
um talento. Como outros dons, não deveriam ser desperdiçados, mas usados em sua
plenitude para a glória de Deus. Críticos ligam o capitalismo à ganância, mas a
natureza fundamental da vocação empresarial é se concentrar nas necessidades
dos consumidores e se esforçar para satisfazê-las. Para ter sucesso, o
empreendedor tem de servir aos outros.
A
ganância se torna um risco espiritual — que ameaça a todos nós,
independentemente de nossa riqueza ou vocação — quando passa a haver um desejo
excessivo ou insaciável por ganhos materiais, independentemente de nossa
condição financeira. O desejo se torna excessivo quando, nas profundezas do seu
ser, ele supera as preocupações morais e espirituais. Mas a parábola deixa
claro que a riqueza por si só não é injusta — pois o primeiro servo recebeu
mais do que o segundo e o terceiro. E quando o lucro é o objetivo a ser
alcançado pelo uso do talento empresarial, isso não configura ganância. É
apenas o uso apropriado do dom.
Além
de condenar o lucro, os líderes religiosos frequentemente favorecem diversas
variedades de igualdade social e redistribuição de renda. Sistema de saúde
universal, maiores gastos com políticas assistencialistas, e tributação pesada
sobre os ricos são todos promovidos em nome da ética cristã. O objetivo supremo
de tais políticas é a igualdade, como se as desigualdades inatas que existem entre
as pessoas fossem, de alguma forma, inerentemente injustas.
E não
é assim que Jesus se posiciona na Parábola dos Talentos. O mestre confiou
talentos a cada um de seus servos de acordo com suas respectivas habilidades e
capacidades. Um recebeu 5, enquanto outro recebeu somente 1. Aquele que
recebeu menos não recebe compaixão do mestre pela sua falta de recursos em
comparação ao que seus outros colegas receberam.
Podemos
inferir dessa parábola que a igualdade de renda ou a realocação de recursos não
é uma questão moral fundamental. Os talentos e matérias-primas que cada um de
nós tem não são inerentemente injustos; sempre existirão desigualdades
desenfreadas entre as pessoas. Um sistema moral é aquele que reconhece tal fato
e permite que cada pessoa utilize seus talentos em sua plenitude. Todos nós
temos a responsabilidade de empregar as capacidades e habilidades das quais
fomos dotados.
Também
podemos aplicar a lição dessa parábola às nossas políticas sociais. No sistema
vigente, o salário do trabalhador é tributado para pagar os benefícios daqueles
não trabalham. Frequentemente ouvimos que "não existem empregos" para
a grande maioria dos pobres. No entanto, sempre existe trabalho a ser
feito. A necessidade de trabalho é, por definição, infinita.
Um homem com duas mãos saudáveis pode encontrar trabalho que pague $1 por hora.
Ele decide trabalhar ou não, e o governo decide se ele pode ou não aceitar tal
valor. Nosso sistema de bem-estar desencoraja o trabalho. Ele cria um incentivo
perverso para se recorrer ao assistencialismo ao menos que exista um trabalho
que pagará pelo menos o mesmo que o seguro-desemprego.
Deus
ordena que todas as pessoas utilizem seus talentos; todavia, em nome da
caridade, nosso sistema assistencialista encoraja as pessoas a deixarem que
suas habilidades naturais atrofiem, ou que nem mesmo as venham a descobrir.
Dessa
maneira, estimula-se o pecado. A Parábola dos Talentos implica que a
inatividade — ou o desperdício de talento empreendedorial — incita a ira de
Deus. Afinal, o servente mais baixo não havia desperdiçado o talento; ele
simplesmente o havia enterrado: algo que era permissível (aceitável) pela lei
rabínica. A rapidez da reação do mestre surpreende. Ele o chama de "mau e
preguiçoso" e o expulsa para sempre de sua convivência.
Aparentemente,
não é somente a preguiça do servo que motiva tanta ira. Ele não mostrou nenhum
arrependimento, e ainda culpou seu mestre pela sua timidez (incompetência). Sua
desculpa para não investir o dinheiro é que ele considerava o seu mestre duro e
exigente, embora a ele houvessem sido confiados recursos generosos. Por
medo do fracasso, ele se recusou até mesmo a tentar ter sucesso.
Essa
parábola também nos ensina algo sobre macroeconomia. O mestre seguiu viagem
deixando o total de 8 talentos; ao retornar, os 8 haviam se transformado em 15.
A parábola não é a história de um
jogo de soma zero. O ganho de uma pessoa não ocorre à custa de
outrem. O empreendimento exitoso do primeiro serve não prejudica as
possibilidades do terceiro servo. O mesmo se aplica à economia atual. Ao
contrário do que é normalmente pregado do púlpito, o sucesso dos ricos não vêm
à custa dos pobres.
Se por
se tornar rico o servo mais bem sucedido tivesse prejudicado a outrem, o mestre
não o teria elogiado. O uso sábio dos recursos em investimentos ou em poupança
a juros não somente é correto do ponto de vista individual, como também ajuda
as outras pessoas. Como John Kennedy disse certa vez, uma onda que sobe levanta
todos os barcos. Da mesma forma, a riqueza do mundo desenvolvido não ocorre nas
costas das nações em desenvolvimento. A Parábola dos Talentos implica uma
sociedade livre e aberta.
Cristãos
de esquerda normalmente recorrem às palavras de Jesus: "Como é difícil
entrar no Reino de Deus. É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha
do que um rico entrar no Reino de Deus". Seus discípulos foram tomados de
surpresa, e se perguntaram: quem poderia ser salvo, então? Jesus acalmou seus
medos: "para um homem é impossível, mas não para Deus, porque para Deus
todas as coisas são possíveis".
Isso
não significa que nosso sucesso material nos afastará do paraíso; implica, isso
sim, a necessidade de levarmos uma vida moralmente, a qual deve estar acima de
qualquer preocupação com bens materiais. Nossa preocupação para com Deus deve
ser a mesma que os servos tiveram com relação aos interesses do seu mestre
enquanto buscavam o lucro. Permanece verdade que, não obstante todas as nossas
posses e feitos terrenos, dependemos completamente de Deus para alcançarmos a
salvação.
No
entanto, para a condução da economia, dependemos fortemente do
empreendedorismo, do investimento, da tomada de risco e da expansão da riqueza
e da prosperidade. Deveríamos ser mais críticos quanto à maneira como
nossa cultura trata o empreendedorismo. As revistas de negócios estão repletas
de histórias de sucesso. O herói é frequentemente o empreendedor corajoso, visionário
e alegre, que se assemelha ao servo capaz que recebeu 5 talentos. Contudo, ao
mesmo tempo, a fé religiosa popular continua a louvar e promover o
comportamento endêmico do servo preguiçoso que foi expulso do convívio do
mestre.
O
cristianismo é frequentemente culpado pelo fracasso dos projetos socialistas ao
redor do mundo. E, em muitos casos, cristãos desinformados participaram da
construção desses tipos de projetos. A lição da Parábola dos Talentos precisa
ser mais bem entendida. O sonho socialista é imoral. Ele simplesmente
institucionaliza o comportamento condenável do servo preguiçoso. Onde Deus
recomenda a ação criativa, o socialismo encoraja a preguiça. Onde Ele demanda
fé e esperança no futuro, o socialismo promete uma falsa forma de segurança. Ao
passo que a Parábola dos Talentos sugere a superioridade moral da livre
iniciativa, do investimento e do lucro, o socialismo a nega.
Todas
as pessoas de fé deveriam trabalhar tenazmente para acabar com a divergência
entre religião e economia. Essa parábola de Jesus é um bom ponto para se
começar a incorporar a moralidade do livre mercado e da livre iniciativa à
ética cristã.
Robert Sirico é fundador e presidente do Acton Institute.
Padre e mestre em teologia, ele também é membro da Mont Pèlerin Society, da
Academia Americana de Religião e da Philadelphia Society, além de ser conselheiro
do Instituto Cívico de Praga.
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