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segunda-feira, 10 de setembro de 2018

O Credo do Reacionário

Por Erik von Kuehnelt-Leddihn

Eu não hesito em anunciar que sou um reacionário. Eu tomo com um profundo orgulho, na verdade. Não vejo mais razão em olhar para a frente, para um futuro desconhecido, ao invés de olhar para trás nostalgicamente para valores conhecidos e comprovados.

O termo “reacionário”, na forma em que uso, não representa um conjunto de ideias definitivos e imutáveis. Representa uma atitude de espírito. Como um reacionário, eu me ressinto em opor o espírito e as tendências da época em que sou obrigado a viver e buscar restaurar o espírito que teve a sua melhor personificação em períodos já passados.

As circunstâncias em que o termo “reacionário” é aplicado como um epíteto para fascistas e outras marcas do homem moderno – as quais um verdadeiro reacionário tem apenas desprezo –  não é minha culpa.

Como um reacionário honesto, eu naturalmente rejeito o Nazismo, Comunismo, Fascismo e todas as ideologias relacionadas que são, de fato, um reductio ad absurdum da chamada democracia e do “povo no poder”. Eu rejeito os pressupostos absurdos do governo da maioria, do parlamento hocus-pocus, o falso liberalismo materialista da Escola de Manchester e o falso conservadorismo dos grandes banqueiros e industrialistas. Eu abomino o centralismo e a uniformidade da vida em rebanho, o espírito estúpido racista, o capitalismo privado, bem como o capitalismo de estado (socialismo) que contribuíram para a ruína gradual da nossa civilização nos últimos dois séculos. O verdadeiro reacionário desses dias é um rebelde contra os pressupostos prevalecentes e um “radical” que vai até as raízes.

Pessoalmente, sou um reacionário da fé Cristã Tradicional, com uma perspectiva liberal e com propensões agrárias. Onde tantos ao redor adoram o “novo”, eu respeito as formas e as instituições que têm crescido organicamente por um longo período de tempo. Os períodos que precederam as duas grandes tempestades – a Idade Média e a Renascença, terminadas pela Reforma e no século XVIII, terminada pela Revolução Francesa – essas são ricas em formas e ideias de importância duradouras.  A universalidade de Nicolas de Cues ou de um Alberto Magno, a glória da Catedral de Chartes e o barroco tardio da Áustria, figuras inspiradoras como a Maria Teresa, Pascal, George Washington ou Leibnitz fascinam-me mais do que os três “homens comuns” do nosso tempo – Mussolini, Stalin e Hitler ou o esplendor democrático de uma loja de departamentos ou o vazio espiritual dos comícios comunistas e fascistas magnetizados por uma multidão em êxtase.

A nota introdutória a este declínio da civilização foi escrita por Martin Luther, que cultuava a nação, exaltava o estado e vociferava contra os Judeus; pelo bárbaro real do trono Inglês que suplantou o espírito católico do seu país com um provincianismo paralisante; pelo primeiro  “moderno” – o de Genebra, que negou a base de toda a liberdade filosófica, livre arbítrio – e o outro de Genebra que pregava o retorno à selva na forma de um barbarismo idílico.  Estes quatro cavaleiros – Lutero, Henrique VIII, Calvino e Rousseau – eram apenas os arautos das coisas mais fatídicas que estavam por vir. O desastre final foi, na Revolução Francesa, diante do eterno dilema de escolher entre liberdade e igualdade, decidiu-se pela igualdade. A guilhotina e os magistrados de Estrasburgo que acreditavam que a torre da catedral deveria ser demolida porque essa estava acima do nível igualitário de todas as outras casas, são símbolos do modernismo e do “progresso” perverso.

As massas, formando maiorias organizadas e abraçando ideias idênticas e odiando uniformemente todos aqueles que ousam ser diferentes, são o produto atual dessas várias revoltas.   Padre ou judeu, aristocrata ou mendigo, gênio ou imbecil, o não conformista-político e explorador da filosofia – todos eles estão na listas dos proibidos. O rebanho manda hoje em quase todos os lugares, com diversos meios e sob os mais diversos rótulos. É a essa tirania que eu me oponho.

II

Como um reacionário, acredito em liberdade, mas não na igualdade. A única igualdade posso aceitar é a igualdade espiritual de dois bebês recém-nascidos, independentemente da cor, credo ou raça de seus pais. Não aceito nem o igualitarismo degradante dos “democratas”, nem as divisões artificiais do racistas, nem as distinções de classe dos comunistas e esnobes.

Seres humanos são únicos. Eles devem ter a oportunidade de desenvolver suas personalidades — e isso significa responsabilidade, sofrimento, solidão. Não somente gosto do princípio da monarquia como também gosto de todas as pessoas que são coroadas. E há todos os tipos de coroas, a mais nobre delas, composta por espinhos. O Homem Moderno — este animal dócil, “cooperativo” e urbanizado — não é preferência de um reacionário.

Eu acredito na família, na hierarquia natural dentro da família e no abismo natural entre os sexos. Eu amo os velhos cheios de dignidade e pais orgulhosos, mas também adoro crianças corajosas e justas. Em uma hierarquia o membro mais inferior é funcionalmente tão importante quanto o mais elevado. E o abismo entre os homens e as mulheres me parece uma coisa boa também. Não há triunfo na construção de uma ponte sobre uma mera poça.

Eu gosto de pessoas com propriedades. Não estou nada entusiasmado com um colega desenraizado em um apartamento, com um número social como sua principal distinção. Eu detesto o capitalismo que concentra a propriedade na mão de poucos, não menos do que o socialismo que quer transferi-lo para o grande ninguém, uma hidra com um milhão de cabeças e sem alma: Sociedade. Gosto de pessoas com sua própria morada, com seus próprios campos, com seus próprios pontos de vista levando-os a ações independentes. Eu tenho medo da massa: os 51 por cento que votaram em Hitler e Hugenberg; a multidão em frenesi que apoiou o Terror Francês; os 55 por cento dos brancos dos Estados do Sul que mantiveram 45 por cento dos negros “em seu lugar” com uma ajuda de tochas e cordas.

Eu temo todas as massas que consistem de homens com medo de serem únicos, de serem pessoas; se importando mais com a segurança do que a liberdade, temendo seus vizinhos ou a “comunidade” mais do que Deus e suas consciências. Essas são pessoas que não exigem somente a igualdade, mas também identidade. Eles suspeitam de qualquer um que se atreve a ser diferente. Eles preferem apenas os “ordinary, decent chaps” ingleses, “regular  guys” americanos ou “rechte Kerle” no padrão alemão. O homem moderno parece ter apenas um desejo: ver tudo moldado na sua própria imagem; ele detesta personalidade e tenta se assimilar. O que ele não consegue assimilar, ele extirpa. Toda a nossa época é marcada por um vasto sistema de nivelamento e agências que compõem as escolas, anúncios, quartéis, bens, jornais, livros e ideias produzidos em massa. O lado sombrio dese processo pode ser visto no ostracismo social praticado contra as minorias nas democracias pseudo-liberais; nos matadouros humanos e campos de concentração das nações totalitárias superdemocráticas; nos fluxos intermináveis de refugiados vagando sem rumo em todo o mundo.

Liberdade, afinal, é um ideal aristocrático. Em Washington, na frente da Casa Branca, na Jackson Square, há um simbolo maravilhoso: o monumento ao igualitarismo americano cercado por estátuas dos quatro nobres europeus que vieram para a América lutar pela liberdade e não pela identidade – o nobre Russo – Kosciuszko, Barão yon Steuben, o Conde de Rochambeau e o Marquês de Lafayette. O Barão de Kalb é comemorado em outros lugares e ao Conde Pulaski foi dado o nome a uma rodovia em Nova Jersey e uma estatua em Savannah. Pulaski foi o único general morto no Grande Levante Whigs Americano. Nós, reacionários (quer saibamos ou não) somos todos Whigs. Nossa tradição, em países de língua inglesa, repousa sobre a Carta Magna, que só os ignorantes chamará de “democrática”.

Eu não tenho afinidade pelo “liberalismo” do século XIX, com seu materialismo grosseiro e a crença pagã na “sobrevivência do mais apto”, ou seja, do mais  inescrupuloso. Nas condições europeias, sou naturalmente monarquista,  porque a monarquia é, basicamente, supra-racial e supra-nacional. As instituições livres sobrevivem melhor não somente nas monarquias do Noroeste da Europa, mas também na área etnicamente mista da Europa Central e Oriental. Um europeu deve preferir monarcas de origem estrangeira com esposa estrangeira, mãe e filhos estrangeiros do que um “líder” político pertencente apaixonadamente a uma nacionalidade, classe ou partido específico.

Eu me sinto mais livre como um homem que não faz parte da escolha de ninguém do que se fosse alguém nomeado pela maioria, seguindo cegamente as emoções superaquecidas. Voltaire teve mais chances de influenciar os tribunais de Paris, Putsdam e São Petersburgo do que um Dawson, Sorokin, Ferrero ou um Bernanos tiveram para influenciar as massas “democraticas”. Os monarcas europeus intelectualmente e moralmente igualaram-se com seus imitadores republicanos. Os Bourbons certamente são comparáveis com os politicos das três Republicas Francesas. Os Fuhers da era totalitária podem ter sido muitas vezes mais “brilhante” e bem sucedidos pois eram menos escrupulosos. Apoiado por plebiscitos cuidadosamente encenados, eles se sentiram justificados em tolerar matanças que nenhum Bourbon, Habsburg ou Hohenzollern teriam arriscado. Platão nos disse, há mais de dois mil anos atrás, que a democracia se degenera inevitavelmente em ditaduras e de-Toccqueville re-enfatizou isso em 1835.  A maioria dos idiotas, de ambos os lados do Atlântico, continuaram a confundir democracia com liberalismo, dois elementos que podem, ou não, coexistir. Uma “proibição” apoiada por 51 por cento do eleitorado pode ser muito democrático, mas é dificilmente liberal.

III

O que nós reacionários queremos, é liberdade e a diversidade. Nós acreditamos que existe uma força peculiar na diversidade. St. Estevão, Rei da Hungria, disse a seu filho: “Um reino de apenas uma linguagem e um costume, é tolo e frágil”. Isso é contrário a crença supersticiosa demo-totalitária de nossa época da uniformidade. Os fascistas italianos que destruíram todas as instituições culturais de não-italianas. Os Tecnocratas progressistas clamavam que, uma vez que essa guerra chegasse à América, iriam confiscar toda a impressa de língua estrangeira.

Como um reacionário, gosto de patriotas; que ficam entusiasmados com a sua pátria, sua terra natal; e não gosto de nacionalistas, que ficam excitados com sua língua e seu sangue. O reacionário defende a ideia de solo e liberdade, ele luta contra o complexo de sangue e igualdade.

Como um reacionário, eu possuo opiniões definitivas como também opiniões provisórias. “Nas coisas necessárias, a unidade; nas duvidosas, a liberdade; e em todas, a caridade” é um bom programa reacionário. Se eu considerar algo ser a Verdade, eu desconsidero toda opinião que contrária.  Mas discordo com alguns eclesiásticos medievais ou com os conservadores de visão curta, que acreditavam que o erro pode ser combatido pela força. Qualquer erradicação meticulosa de erro por meios artificiais (sempre dirigida contra pessoas e não contra a idéia em si) acaba fazendo a Verdade ser intragável, obsoleta e desinteressante. Como reacionário, respeito qualquer pessoa que, com coragem e sinceridade, mantém visões errôneas, embora seguindo sua consciência. Eu tenho infinitamente mais respeito a um anarquista fanático catalão, ou por um Judeu Ortodoxo, ou por um Calvinista linha dura do que a um humanitário pseudo-liberal com uma veneração secreta a um estado onipotente. Um verdadeiro reacionário é um homem de fé absoluta e generosidade absoluta. Ele concilia dogma e liberdade.

Como um reacionário, gostaria de ver materializado neste país, mais ideias anti-democráticas dos Pais Fundadores. De fato, poucos escritores europeus escreveram mais fortemente contra ao demos do que Madison, Hamilton, Marshall, John Adams ou mesmo Jefferson que esteve do lado da aristocracia do mérito, não pela regras da massa. No entanto, o centralismo de Hamilton é basicamente esquerdista. Nem aqui nem na Europa isso deve prevalecer. O que precisamos de ambos os lados do Atlântico é mais uma atitude pessoal. Colossialismo e coletivismo são o inimigo. O agricultor de Hindelang, por exemplo, deve antes de tudo, ter orgulho de ser o chefe de uma família, dono de uma fazenda e depois, de ser um morador de Hindelang. Após uma reflexão mais aprofundada, ele deve encontrar orgulho em ser um dos camponeses do Vale do Allgau e também por ser Bávaro. Seu Germanismo deveria ser uma unidade mística no próprio horizonte de seus pensamentos. Mas a tendência moderna é a de estabelecer uma hierarquia inversa de lealdades. A ênfase nazista em noventa milhões de alemães, a ênfase Soviética sobre “as massas”, a identificação pelo “maior” com o “melhor, nos mostra a degradação expressa na adoração da quantidade, o nosso desprezo pela pessoa, todo o nosso desespero moderno pela singularidade humana.

Eu defendo que o Estado, as empresas e as fábricas, são os grandes donos de escravos de nossos tempos. “Fulano” trabalha como o seu antepassado espiritual, o servo medieval, um dia e meio por semana para o seu senhorio. De quatro cheques semanais, ele entrega pelo menos um para a empresa que aluga o seu habitat. Se não fazê-lo, resultará em desapropriação, uma ameaça desconhecida para o servo feudal do século XIII. Na fábrica, ele trabalha, diferentemente de um membro da guilda, para investidores desconhecidos, bem como para líderes sindicais corruptos, se não, como na URSS, para uma combinação leviatã de Estado e Sociedade. Os trabalhadores devem possuir as ferramentas de produção; não existe nenhuma razão terrena para que eles não devam possuir fábricas, em um sentido literal ou ser titulares de todas as ações comercializadas. Uma usina pode ser uma comunidade viva não menos do que uma oficina medieval.

Eu gosto das pessoas que são “atrasadas”, como os tiroleses, os alpinistas suíços  os escoceses, os moradores de Navarra, os bascos, os sombrios camponeses dos Bálcãs  os curdos. Eles escaparam de um mal menor da servidão na Idade Média e do grande mal da urbanização dos tempos modernos. Eles são bastante reacionários, conservadores e amam a liberdade. Eles podem dar ao luxo de serem conservadores porque sua cultura está fora de sintonia com os tempos modernos; o que eles possuem, vale a pena preservar. O conservador urbano, por outro lado, não é senão um “progressista” inibido.

Eu acredito no homem de excelência, no homem do dever; contra o Homem-Comum cuja única força está nos números, cuja manifestação política é a submissão às “convicções” pré-fabricadas ou a “líderes” que, diferentemente dos “governantes”, não diferem das massas, mas personificam todas as suas piores características.

Hoje, um grupo de genuínos reacionários carrega o peso da luta contra o super-progressismo na sua forma totalitária. Eles sabem que a democracia, como força, não pode lidar com os totalitários; formas embrionárias não podem ter sucesso contra manifestações mais maduras. Platão, de Tocqueville, Donoso Cortes, Burckhardt sabiam disso. A democracia progressista como um pseudo-liberalismo nada mais é que um Girondino, um precursor do Terror.

Entre este punhado estão Winston Churchill e o Conde Galen, Conde Preysing e yon Faulhaber, Niemoller e Georges Bermanos, Giraud e d’Ormesson, Conde Teleki, Calvo Sotelo, Schuschnigg e Edgar Jung. Nenhum deles fez compromisso com a perversidade quer dos Girondinos ou com o Terror em suas formas modernas; vivos ou mortos, eles não iram ceder. Eles não acreditaram necessariamente em um Passado Glorioso em oposição a um Admirável Mundo Novo, mas eles viram as calamidades do presente, crescendo dos erros do passado, nas catástrofes do futuro.   Eles estão isolados pela suspeita que os rodeia. Eles são considerados desmancha-prazeres por não entrar na apologia universal do Progresso. Eles se tornaram inflexíveis e apaixonados. Eles vão levar suas bandeiras até a morte, e suas bandeiras são muito antigas, vaidosas e ilustres.






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