Por Murray Newton Rothbard
No início do século XX, o
movimento progressista — à época, liderado pela esquerda americana — entrou em
cena pregando o fascinante e sedutor evangelho da Libertação da Culpa. Os indivíduos — proclamavam audaciosamente os
progressistas — estavam reprimidos, inibidos e repletos de um massacrante
sentimento de culpa pelo simples fato de estarem constantemente cedendo aos
seus desejos e impulsos naturais. A
função autoproclamada dos progressistas era a de efetuar uma jubilosa remoção
de todo e qualquer sentimento de culpa, sentimento esse que havia sido
forçadamente incutido nas pessoas pela 'opressora moral religiosa', por padres
e pastores.
O hedonismo, a entrega
irreprimível aos desejos e o fim de toda e qualquer sensação de culpa passaram
a ser o comportamento preconizado.
Colocando em uma típica e repugnante frase da Revolução Sexual da década
de 1960, "Se algo se move, acaricie e demonstre afeto". O sexo, por fim, seria "apenas um gole
d'água", algo natural e inofensivo.
No entanto, essa era da
inocência e da ausência de culpa propugnada pelos progressistas durou, pelo que
me lembro, aproximadamente seis meses.
Logo depois, as coisas se inverteram totalmente.
Atualmente, toda a cultura
progressista é caracterizada por um maciço sentimento de culpa coletiva. Aquele cidadão que não rezar pela cartilha
politicamente correta e não professar (nem que seja apenas da boca para fora)
uma longa lista de culpabilidades solenemente declaradas é automaticamente
rotulado de 'reacionário' e será naturalmente tido como um pária em sua vida
pública.
O sentimento de culpa é hoje
onipresente, a tudo permeia e está difuso em todas as culturas e classes
sociais. E o que é ainda mais irônico:
tudo isso foi imposto a nós pelos mesmos marotos que outrora prometiam uma
fácil e irrestrita libertação de toda e qualquer sensação de culpa.
Um breve resumo dos sentimentos
que um indivíduo tem a obrigação de ter: sentimento de culpa pelo assaltante de
rua, sentimento de culpa por séculos de escravidão, sentimento de culpa pela
opressão e estupro de mulheres, sentimento de culpa pelo Holocausto, sentimento
de culpa pela existência de aleijados, de cegos, de anões e de deficientes
mentais, sentimento de culpa por comer animais, sentimento de culpa por estar
gordo, sentimento de culpa por fumar, sentimento de culpa por não reciclar o
lixo, sentimento de culpa por se locomover de carro e gerar poluição,
sentimento de culpa por haver pessoas negras com renda menor que a sua,
sentimento de culpa por estar "violando a santidade da Terra" e por
aí vai.
Observe que esta culpa jamais é
confinada a indivíduos específicos — por exemplo, aqueles que realmente
escravizaram ou assassinaram ou estupraram pessoas. A eficácia em se induzir culpabilidade nas
pessoas advém justamente do fato de que a culpa não é específica, mas sim coletiva,
podendo ser expandida e ampliada por todo o planeta e, aparentemente, ao longo
de várias épocas, de modo incessante.
Antigamente, desprezávamos os
nazistas por causa da sua doutrina de coletivização da culpa (a qual eles
impuseram a judeus e ciganos); hoje, abraçamos esse mesmo conceito nazista como
se ele fosse uma característica vital do nosso sistema ético. Confinar a culpa apenas a criminosos
específicos seria uma atitude que não geraria o efeito desejado justamente
porque não caberia na nossa vigente doutrina do "vitimismo
credenciado".
Alguns grupos já adquiriram o
status de "vítimas oficiais" — são aqueles que têm direito a tudo,
principalmente ao bolso dos outros cidadãos, os quais, justamente por não
estarem no grupo oficial das vítimas, estão consequentemente no grupo dos
criminosos, e são os "vitimadores oficiais", normalmente homens
brancos, heterossexuais e bem-sucedidos.
Destes vitimadores exige-se que
sintam culpa e remorso pelas vítimas, e consequentemente — uma vez que não faz
sentido se sentir culpado sem pagar por isso — assumam vários deveres e
concedam infindáveis privilégios às "vítimas credenciadas", seja
sendo pacificamente assaltado na rua, seja fornecendo vagas de trabalho ou em
universidades por meio de cotas, seja concedendo salários sem nenhuma relação
com a produtividade.
Simplesmente não há maneiras de
um determinado indivíduo deixar de ser culpado.
E foi isso que nossos libertadores progressistas nos impuseram.
Para piorar, toda essa
vitimologia fez com que até mesmo o sexo deixasse de ser visto como algo livre
de culpa: com a implacável diatribe feminista de que "o sexo explora as
mulheres", e a furiosa mania do "deve-se usar preservativos em nome
do sexo seguro", seria melhor simplesmente abolir todos esses modernismos
e voltarmos para a boa e velha culpa cristã em relação ao sexo. Certamente seria algo mais simples e
pacífico.
Grande parte da atual onda
politicamente correta não passa de uma demente tentativa de justificar e dar
continuidade a um comportamento repugnante ao mesmo tempo em que se tenta
substituir o comportamento decente por uma cornucópia de regras formais ditadas
por progressistas. O problema é que
essas regras formais são o inverso das boas maneiras, pois são usadas como
porretes para impor o desejo de alguns poucos sobre todos os outros — e tudo em
nome da "sensibilidade".
Mas uma hiper-sensibilidade é
uma das maiores barreiras que podem ser impostas ao discurso civilizado e às
relações sociais, e servem apenas para fazer com que as relações humanas
voluntárias e francas sejam virtualmente impossíveis.
Como em todos os outros aspectos
da nossa pútrida cultura, a única maneira de remediar a situação é oferecer
resistência e partir para o ataque frontal e total contra esses progressistas
de esquerda indutores de culpa. É nesse
ataque que jaz a única esperança de reassumirmos o controle de nossas vidas e
retomarmos nossa cultura do controle destes tiranos maliciosos.
Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola
Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente
acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.
Fonte: Instituto Mises Brasil
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