Por Irapuan Costa Junior
Se ainda não
conhece, caro leitor, procure um exemplar. Vale a pena percorrer o livro “Manual
do Perfeito Idiota Latino-Americano” (Editora Bertrand Brasil). Não só
diverte, pelo seu feitio panfletário, como explica muito do que acontece de
espantoso ou de fantástico, no Brasil e na América Latina de hoje. Diverte,
devo dizer, em termos, por ser fácil, seguindo-o, identificar os perfeitos
idiotas que ocupam nossas manchetes, dia após dia. São figuras conhecidas da
política nacional ou continental. Ou que não ocupam manchete nenhuma, mas
convivem conosco no dia a dia. O livro tem esse lado divertido, de palavras
cruzadas fáceis.
Mas é um livro que
interpreta assuntos sérios. Ou não são sérios o descalabro geral venezuelano,
o descontrole econômico e político argentino, o aparelhamento geral do Estado
Brasileiro? Foi escrito a seis mãos, pelo colombiano Plinio Apuleyo Mendoza, o
cubano Carlos Alberto Montaner e o peruano Álvaro Vargas Llosa (filho do
Prêmio Nobel de literatura Mario Vargas Llosa).
Os três eram
esquerdistas, mas por serem inteligentes, viram que tentar apagar fatos reais
com a borracha da utopia só resulta em borrar cada vez mais a página da
história. E ex-esquerdistas que são, os autores discorrem com conhecimento de
causa sobre a esquerdalha imbecilizada que assola o subcontinente. Montaner
chegou a ser companheiro de Fidel na revolução cubana, mas hoje é um convicto —
e exilado — anticastrista. Os autores são o inverso do perfeito idiota
latino-americano, essa figura que, segundo Mário Vargas Llosa, tornou-se
idiotizada livre e conscientemente, por preguiça intelectual, apatia ética e
oportunismo civil. Que se imbecilizou ideológica e politicamente, contribuindo,
pela ação, pelas palavras, pela simples omissão, ou por deixar-se conduzir como
um animal, para que seu país percorra os caminhos equivocados do atraso.
Tomemos um trecho
do livro. Mais precisamente a abertura do capítulo VII: — “A relação
sentimental mais íntima do idiota latino-americano é com a revolução cubana.
Trata-se de um velho amor, que nem se esquece e nem se deixa. Um amor antigo e
profundo, oriundo de tempos remotos. Em termos concretos, desde 1959, quando
uma torrente de barbudos, em cuja crista flutuava Fidel Castro, desceu das
montanhas cubanas sobre Havana”. Vem esse trecho bem a propósito de tristes
acontecimentos recentes que envolvem os brasileiros.
Todos que
contemplamos a revolução cubana sentimos a princípio simpatia pelos jovens
barbudos que a conduziram. Haviam lutado contra um exército, e contra todas as
expectativas, deposto um estereotipado ditador de “banana republic”. Fulgencio
Batista era cruel, corrupto, ignorante e amoral. Dominava e explorava, apenas
com a força, um dos povos mais prósperos do subcontinente.
A opinião mundial
sobre a queda de Fulgencio foi unânime. Aqueles jovens traziam de volta à ilha a
democracia e o desenvolvimento, impulsionados por sua juventude e amor a Cuba,
acreditava-se. Afinal, Fidel havia afirmado, em 1959, ser uma calúnia taxá-lo
de comunista. A simpatia pelos jovens cubanos, salvo da parte dos “perfeitos
idiotas”, durou pouco. Eles se entregaram a espetaculares orgias de sangue, com
abundantes fuzilamentos dos antigos adversários e de muitos inocentes. Um circo
romano. Algumas vezes os próprios líderes da revolução, como Guevara e Raúl,
participavam dos assassinatos.
Dois anos depois o
próprio Fidel mostrou que a calúnia era uma verdade: “Serei leninista-marxista
até o último dia de minha vida” — afirmou em 1961. O resto é sabido, embora
pouco divulgado. Os fidelistas sacrificaram ao menos toda uma geração,
transformando um povo alegre e trabalhador num dos mais escravizados, tristes e
miseráveis do mundo, uma economia pujante em estagnada e um dos mais belos
lugares do caribe em um monte de ruínas.
Dois
acontecimentos — e a seu propósito citei aquela passagem do livro — mostram que
nos governam perfeitos idiotas latino-americanos, cuja relação sentimental mais
íntima não é com o Brasil — é com a revolução cubana. Vamos ao primeiro
acontecido. Reina uma solene indiferença no governo — e falo de um período de
ao menos 15 anos — quanto ao sofrimento de nossos produtores de soja,
exportadores, armadores e principalmente — por serem mais frágeis e sofridos —
nossos camioneiros. São os clientes nacionais de nossos portos, e quem garante
superávits comerciais.
Revistas e jornais
estão cheios de notícias e fotografias mostrando as imensas filas de caminhões
e carretas aguardando próximo aos portos, por falta de infraestrutura
rodoviária e portuária, a sua hora tardia de descarga de uma mercadoria às
vezes até já deteriorada e que será perdida. Navios chineses, cansados de
esperar por uma carga que tanto demora, já levantaram suas âncoras e se foram
do porto de Santos, cancelando suas compras de soja. Condutores de veículos
pesados narraram seu sofrimento, que se arrasta por dias, a cada viagem para um
porto de embarque.
Falemos desse
nosso porto de Santos, o maior da América Latina, que movimenta mais de um
quarto de toda carga marítima brasileira. Sabe o leitor que seu calado, pois
está já há tempo necessitando de dragagem, é de apenas 12 metros, quando os
navios das últimas gerações exigem calado de ao menos 14 metros? Isto significa
que só navios mais antigos e de menor tonelagem podem carregar e descarregar em
Santos.
E essa é apenas a
mais gritante de muitas deficiências. O governo, desde Lula, ignora estas
dificuldades e investe no porto cubano de Mariel, e o moderniza, enquanto
Santos fica, literalmente... a ver navios. Uma foto fala por mil palavras.
Vejam as reportagens. A presidente Dilma, sempre de má catadura no Brasil,
áspera com os brasileiros de sua equipe, que nunca é afável ou sorri por aqui,
é toda sorrisos e ternura em terras cubanas, carinhosa ao extremo com os tão
temidos quanto ignorantes ditadores donos da ilha, no inaugurar o porto
cubano.
E que dizer de
nossos dólares derramados na ditadura caribenha, doados, pois jamais serão
pagos, aplicados ali, quando seu destino natural seria o porto brasileiro de
Santos, tão necessitado do dinheiro do BNDES? E a irresponsável (ou criminosa)
doação é coroada com a paradoxal condenação feita pela presidente ao “embargo
americano sobre Cuba”. Ora, só os perfeitos idiotas latino-americanos acreditam
que o embargo americano tem qualquer efeito além do moral. Cuba comercializa
com a União Europeia, com China, Rússia, toda a América Latina e o mundo. Se o
“cruel embargo imperialista norte-americano” existe na prática, para que
modernizar o porto de Mariel? Não está inoperante frente ao mesmo
embargo?
Tenham paciência,
perfeitos idiotas. Não somos seus colegas. Outro acontecido, que deve ser
denunciado à exaustão, é o dos médicos cubanos. Tenho por eles imensa simpatia
e compaixão. Estão aliviando, na medida do possível o sofrimento de pessoas
pobres e periféricas aqui no Brasil. Temos que agradecer a eles. Devem constituir
o único socorro médico a que tem acesso o nosso “lumpemproletariat”.
Por isso, e por
sua situação os admiro e reverencio. São submetidos a um medieval estado de
servidão humana, é impossível negar (a menos que se seja um perfeito idiota
latino-americano). Familiares reféns, vigilância policial cubana mesmo em
terras brasileiras, confisco de quase todo o seu salário, impossibilidade de
relacionamento livre com brasileiros, passaportes retidos na Embaixada Cubana,
tudo o que as piores ditaduras praticam em seus domínios foi transferido para o
Brasil, com a integral aquiescência das autoridades brasileiras, dos perfeitos
idiotas latino-americanos que nos governam. É que “a relação mais íntima deles
é com a revolução cubana”, e não com o Brasil ou com a democracia, como diz o
livro.
A cumplicidade do
governo brasileiro com o escravagismo desses médicos enche-me de vergonha. O
silêncio das oposições — com raras e por isso mesmo muito honrosas e dignas
exceções — também, mormente quando os acordos do Brasil com Cuba são
secretos.
Mas que fique
claro: ser de esquerda na América Latina não significa necessariamente ser um
perfeito idiota. Os sucessivos presidentes de esquerda chilenos, em vez de
culpar os EUA pelo atraso do Chile e partirem para o estatismo e o populismo,
mantiveram as boas reformas econômicas de Pinochet. Aquele país tem hoje uma
invejável economia e uma tessitura social quase de primeiro mundo. Os pobres lá
vivem muito melhor do que em todos os outros países de fala espanhola ou portuguesa.
Quanto a nós, temo
que um dia durmamos brasileiros e acordemos venezuelanos ou cubanos, recebendo
ordens peremptórias, por todos os lados, de perfeitos idiotas
latino-americanos.
Fonte: Jornal Opção
Poxa! Não consigo achar esse livro!!!
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