Por Friedrich A. Hayek
A
sociedade inteira se terá convertido numa só fábrica e num só
escritório, com igualdade de trabalho e igualdade de remuneração. - Lênin (1917)
Num país
em que o único empregador é o estado, oposição significa morte lenta
por inanição. O velho princípio "quem não trabalha não
come" foi substituído por outro: "quem não obedece
não come". - Leon Trotsky (1937)
A segurança econômica, assim como a
falsa "liberdade econômica", é muitas vezes apresentada como condição
indispensável da autêntica liberdade. Em certo sentido, isso é ao mesmo
tempo verdadeiro e importante. É raro encontrar independência de espírito
ou força de caráter entre aqueles que não confiam na sua capacidade de abrir caminho
pelo próprio esforço.
Todavia, a ideia de
segurança econômica não é menos vaga e ambígua do que a maioria dos outros
conceitos nesse campo; e por isso, a reivindicação generalizada por uma
segurança econômica pode tornar-se um perigo para a liberdade.
Com efeito, quando
a segurança é entendida num sentido absoluto, o empenho geral em conquistá-la,
em vez de possibilitar uma maior liberdade, torna-se a mais grave ameaça a ela.
Há um tipo de
planejamento estatal que, visando a um tipo específico de segurança, exerce um
efeito insidioso sobre a liberdade: é o planejamento que se destina a proteger
indivíduos ou grupos contra uma eventual redução de suas rendas, redução essa
que, embora imerecida, ocorre diariamente numa sociedade competitiva. É o
planejamento contra aquelas perdas que impõem duras privações, e que, contudo,
são inseparáveis do sistema de concorrência.
A reivindicação
desse tipo de segurança é, pois, apenas um outro aspecto da exigência de que
deve haver uma "justa remuneração" para cada indivíduo, uma
remuneração proporcional aos méritos subjetivos e não aos resultados objetivos
do esforço individual.
Mas essa espécie de
segurança ou de justiça não parece conciliável com a livre escolha da ocupação.
Todos nós conhecemos a trágica
situação do homem altamente treinado cuja especialidade, adquirida com esforço,
perde de súbito todo o valor por causa de alguma invenção muito benéfica para o
restante da sociedade. O último século está repleto de exemplos dessa
espécie, alguns deles atingindo ao mesmo tempo centenas de milhares de pessoas.
O fato de um homem
vir a sofrer grande redução dos rendimentos e amarga frustração de todas as
suas esperanças sem por isso ter sido responsável, e apesar de sua dedicação e
de uma excepcional habilidade, indubitavelmente ofende o nosso senso de
justiça. As reivindicações das pessoas assim prejudicadas de que o estado
intervenha em seu favor a fim de salvaguardar-lhes as legítimas expectativas
conquistarão por certo a simpatia e o apoio popular.
A aprovação geral a
tais reivindicações fez com que, na maioria dos países, os governos decidissem
agir, não só no sentido de amparar as possíveis vítimas de tais dificuldades e
privações, mas também no de assegurar-lhes o recebimento de seus rendimentos
anteriores e assim protegê-las contra as vicissitudes do mercado.
Contudo, para que a
escolha das ocupações seja livre, a garantia de uma determinada renda não pode
ser concedida a todos. E se for concedida a alguns privilegiados, haverá
prejuízo para outros, cuja segurança será, ipso facto, diminuída.
É fácil demonstrar que a garantia de uma renda invariável só poderá ser
concedida a todos pela abolição total da liberdade de escolha da
profissão.
O que ocorre
constantemente é a concessão parcial dessa espécie de segurança a este ou
àquele grupo, do que decorre um aumento constante da insegurança daqueles sobre
os quais recai o ônus. Não admira que, em consequência, aumente também de
modo contínuo o valor atribuído ao privilégio da segurança, tornando-se mais e
mais premente a sua exigência, até que, no final, nenhum preço, nem o da
própria liberdade, pareça excessivo.
O problema reveste-se de importância
ainda maior porque, no mundo que conhecemos, torna-se improvável que um
indivíduo dê o melhor de si por muito tempo, a menos que seu interesse esteja
diretamente envolvido. A maioria das pessoas necessita, em geral, de alguma
pressão externa para se esforçar ao máximo. Assim, o problema dos
incentivos é bastante real, tanto na esfera do trabalho comum como na das atividades
gerenciais. A aplicação da engenharia social a toda uma nação — e é isto o que
significa planejamento — gera problemas de disciplina difíceis de resolver.
A política
governamental hoje adotada em toda parte, de conceder o privilégio da segurança
ora a este grupo, ora àquele, vai rapidamente criando condições em que o anseio
de segurança tende a sobrepujar o amor à liberdade. Isso porque, a cada
vez que se confere segurança completa a um grupo, aumenta-se a insegurança dos
demais.
Se garantirmos a
alguns uma fatia fixa de um bolo de tamanho variável, a parte deixada aos
outros sofrerá maior oscilação, proporcionalmente ao tamanho do todo. E o
aspecto essencial da segurança oferecida pelo sistema de concorrência — a
grande variedade de oportunidades — torna-se cada vez mais restrito.
No sistema de
mercado, a segurança só pode ser concedida a determinados grupos mediante o
gênero de planejamento conhecido como 'regulação'. O
"controle", isto é, a limitação da concorrência (leia-se "da
produção") de modo que os preços finais assegurem um ganho
"adequado", é o único meio pelo qual se pode garantir um certo
rendimento aos produtores numa economia de mercado.
Isso, porém,
envolve necessariamente uma redução de oportunidades para os demais. Para
que o produtor, seja ele dono de empresa ou operário, receba proteção contra a
concorrência de preços mais baixos, outros, em pior situação, serão impedidos
de participar da prosperidade relativamente maior das indústrias controladas.
Qualquer restrição à liberdade de ingresso numa profissão reduz a segurança de
todos os que se acham fora dela.
E, à medida que
aumenta o número daqueles cujo rendimento é assegurado dessa forma,
restringe-se o campo das oportunidades alternativas abertas aos que sofrem
uma perda de rendimento — enquanto que, para os que são atingidos por qualquer
mudança, diminui do mesmo modo a possibilidade de evitar uma redução fatal da
sua renda.
E se, como vem
acontecendo com frequência, em cada categoria em que ocorre uma melhora de
condições permite-se que seus membros excluam os demais para garantir a si
mesmos o ganho integral sob a forma de salários ou lucros mais elevados, os que
exercem profissões cuja demanda diminuiu não têm para onde se voltar, e a cada
mudança produz-se grande número de desempregados. Não há dúvida de que foi em
grande parte por causa da busca de segurança por esses meios nas últimas
décadas que aumentou a tal ponto o desemprego e, por conseguinte, a insegurança
para vastos setores da população.
Numa sociedade em que
a mobilidade ficou tão reduzida como resultado dessas restrições, é de absoluta
falta de perspectiva a situação daqueles que se encontram fora do âmbito das
ocupações protegidas, e um abismo os separa dos privilegiados possuidores de
empregos a quem a proteção contra a concorrência tornou desnecessário fazer
concessões para dar lugar aos que estão de fora.
Em consequência, em
vez de preços, salários e rendimentos individuais oscilarem, são agora o
emprego e a produção que ficam sujeitos a violentas flutuações. Nunca
houve pior e mais cruel exploração de uma classe por outra do que a exercida
sobre os membros mais fracos ou menos afortunados de uma categoria produtora
pelos que já desfrutam de posições estáveis, e isso foi possibilitado pela
"regulamentação" da concorrência. Poucas coisas têm tido efeito
tão pernicioso quanto o ideal da "estabilização" de certos preços (ou
salários), pois, embora ela garanta a renda de alguns, torna cada vez mais
precária a posição dos demais.
Assim, quanto mais
nos esforçamos para proporcionar completa segurança interferindo no sistema de
mercado, tanto maior se torna a insegurança; e, o que é pior, maior o contraste
entre a segurança que recebem os privilegiados e a crescente insegurança dos
menos favorecidos. E quanto mais a segurança se converte num privilégio,
e quanto maior o perigo para os que dela são excluídos, mais será ela
valorizada.
À medida que o
número dos privilegiados aumenta, e com ele o hiato entre a sua
segurança e a insegurança dos demais, vai surgindo uma escala completamente
nova de valores sociais. Já não é a independência, mas a segurança, que
confere distinção e status; o que faz de um homem um "bom
partido" é antes o direito a uma pensão garantida do que a confiança em
sua capacidade — ao passo que a insegurança se converte numa terrível condição
de pária, à qual estão condenados para sempre aqueles a quem na juventude foi
negado ingresso no porto seguro de uma posição assalariada.
Essa evolução foi
acelerada por outro efeito das doutrinas socialistas: o deliberado menosprezo
por todas as atividades que envolvem risco econômico, bem como a condenação
moral dos lucros que compensam os riscos assumidos, mas que só poucos podem obter.
Não podemos censurar os nossos jovens quando preferem o emprego seguro e
assalariado do funcionalismo público ao risco do livre empreendimento, pois
desde a mais tenra idade ouviram falar daquele como sendo uma ocupação
superior, mais altruísta e mais desinteressada. A geração de hoje cresceu
num mundo em que, na escola e na imprensa, o espírito da livre iniciativa é
apresentado como indigno e o lucro como imoral, onde se considera uma
exploração dar emprego a cem pessoas, ao passo que chefiar o mesmo número de
funcionários públicos é uma ocupação honrosa.
Numa sociedade em
que o indivíduo conquista posição e honras quase exclusivamente em função de
ser um servidor assalariado do governo; em que o cumprimento do dever prescrito
é considerado mais louvável do que a escolha do próprio campo de atividade; em
que todas as ocupações que não conferem um lugar na hierarquia oficial ou o
direito a um rendimento fixo são julgadas inferiores e até certo ponto
aviltantes — seria demais esperar que a maioria prefira por muito tempo a
liberdade à segurança.
E quando só se pode
optar entre a segurança numa posição de dependência e a extrema precariedade
numa situação em que tanto o fracasso quanto o êxito são desprezados, poucos
resistirão à tentação da segurança ao preço da liberdade. Tendo-se
chegado a esse ponto, a liberdade torna-se quase um objeto de escárnio, pois só
pode ser alcançada com o sacrifício de grande parte das boas coisas da vida.
Nessas condições, não surpreende que um número cada vez maior de pessoas
se convença de que, sem segurança econômica, a liberdade "não vale a
pena", e se disponha a sacrificar esta em troca daquela.
Nada é mais funesto
do que o hábito, hoje comum entre os líderes intelectuais, de exaltar a
segurança em detrimento da liberdade. Urge reaprendermos a encarar o fato
de que a liberdade tem o seu preço e de que, como indivíduos, devemos estar
prontos a fazer grandes sacrifícios materiais a fim de conservá-la. Para
tanto, faz-se mister readquirir aquela convicção que Benjamin Franklin
expressou numa frase aplicável a tanto a indivíduos quanto a nações:
"aqueles que se dispõem a renunciar à liberdade essencial em troca de uma
pequena segurança temporária não merecem liberdade nem segurança".
Artigo
originalmente publicado em 1944
Friedrich A. Hayek (1899-1992) foi um membro
fundador do Mises Institute. Ele dividiu seu Prêmio Nobel de Economia, em 1974,
com seu rival ideológico Gunnar Myrdal "pelos seus trabalhos pioneiros
sobre a teoria da moeda e das flutuações econômicas e por suas análises
perspicazes sobre a interdependência dos fenômenos econômicos, sociais e
institucionais". Seus livros estão disponíveis na loja virtual do Mises
Institute.
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