Por Heitor De Paola
A razão principal pela qual a
maioria das pessoas se deixa enganar pelos embustes comunistas – indivíduos ou
países – é a ignorância a respeito da essência do comunismo. Este tem sido
sempre apresentado como a visão grandiosa de um futuro brilhante para a
Humanidade onde haveria uma verdadeira cooperação entre os homens. Mesmo os que
não acreditam nesta falácia e lutam contra ela, acreditam que esta intenção é
sincera, mas utópica. Criticam-se os meios para alcançar os nobres fins – mas
não se percebe que esta é, exatamente, a falácia.
As idéias assim chamadas
socialistas são muito mais antigas do que Marx e Engels. A visão de um mundo
menos competitivo com menos pobreza e desigualdade tem povoado os sonhos de
inúmeros pensadores. Marx percebeu que este é um sonho impossível e por isto
atribuiu a todos eles a qualificação de socialismos utópicos, em oposição ao
comunismo, o único socialismo científico.
Em primeiro lugar é preciso
deixar claro o que o comunismo não é. Não é um estado social a atingir; não é a
ideologia do proletariado; não é um regime político; não é um sonho dos homens
de bem; não tem, propriamente falando, uma causa pela qual lutar nem um
objetivo a atingir nem um processo para atingi-lo.
Olavo de Carvalho tem dito que o
comunismo não é um processo político mas uma cultura. Recentemente referiu que:
‘minha tese é que o comunismo não é um "regime" de maneira alguma,
mas só o movimento enquanto tal, a "revolução permanente", o desgaste
das melhores possibilidades humanas numa agitação feroz e sem finalidade.
Afinal, etimologicamente, "revolução" quer dizer girar em círculos’
(comunicação pessoal). Portanto, causa, objetivo e processo se confundem numa
coisa só: o comunismo já é, não será. Os fins não justificam os meios, são os
próprios meios!
Aprofundando, acredito que a
essência do comunismo é ser uma máquina de produção contínua, ininterrupta e
eterna de mentiras. Pode-se dizer que Marx se deu conta do caráter utópico dos
fins a que se propunham os diversos socialismos e, partindo de uma observação
mais acurada da mente humana, chegou ao socialismo ‘científico’: Marx teria
percebido – consciente ou inconscientemente – a preferência da Humanidade por
mentiras agradáveis a ter que conviver com verdades por vezes dolorosas. Ou a
um estado de dúvida, o mais temido e rechaçado de todos – embora o único que
pode levar ao estudo e ao verdadeiro conhecimento. Substituiu então o velho lema
socialista – a cada um de acordo com seu trabalho – por outro mais agradável -
a cada um segundo suas necessidades. Enquanto o primeiro inclui necessariamente
algum esforço, o segundo acena com um estado de coisas paradisíaco ou nirvânico
no qual todos terão suas necessidades atendidas. A mudança é sutil mas
fundamental.
Este estado já foi atingido
pelos próprios líderes comunistas: nenhum exerceu qualquer trabalho sistemático
por muito tempo. Marx viveu às custas de sua mulher aristocrática e depois, de
Engels. Este nunca precisou trabalhar. Lênin formou-se em Direito mas teve uma
única causa que abandonou para viver às custas da irmã, depois dos exilados e
finalmente do Estado. Mao exerceu por pouco tempo o magistério, Chou Enlai era
descendente de ricos mandarins. Fidel só defendeu a si mesmo e desde então vive
às custas do Partido e do Estado. Prestes nunca mais trabalhou desde que
desertou de forma desonrosa. A lista é infinita e serve para mostrar que, para
os mais iguais entre os ‘iguais’ (apud Orwell) a teoria deu certo! Conseguiram
recriar o estado aristocrático de parasitas tão indolentes quanto inúteis!
Não foi à toa que Orwell colocou
seu personagem principal em 1984, Winston, como funcionário do ‘Ministério da
Verdade’, encarregado de produzir mentiras; nem que o jornal principal do
comunismo seja A Verdade (Pravda)! A máquina de produzir mentiras começou com
Marx e segue até hoje produzindo incansavelmente. Os alegados objetivos do
comunismo são como uma cenoura que se amarra na frente do cavalo: sempre
perseguida, nunca atingida, pois cada vez que se move, o cavalo empurra a
cenoura à sua frente. Assim, quando há alguma crítica ao eufemisticamente
chamado socialismo real sempre vem a desculpa que aquilo não era o comunismo
ainda, foi desvirtuado pelo stalinismo, o verdadeiro comunismo ainda não foi
atingido. Mas nunca o será!, pois não é realmente algo alcançável e o processo
de busca se esgota como fim em si mesmo.
Por possuir este caráter
polimorfo, protéico, é sempre capaz de escapar a críticas e impossível de ser
refutado. Ao mesmo tempo, é extremamente adaptável a qualquer circunstância,
até ao fracasso, do qual, como uma Fênix, renasce em nova forma dissimulada,
irreconhecível a não ser por um observador que conheça sua essência mentirosa.
Realizam-se mudanças meramente cosméticas e se as apresentam como profundas.
Uma outra característica que o
torna praticamente invulnerável é o mimetismo. Sabe-se que determinados
animais, como o camaleão, mimetizam a cor e o aspecto da árvore em que se
encontram para passarem desapercebidos dos seus predadores. Mas é só aparência,
um camaleão mimetiza mas não se torna árvore, continua camaleão. Assim o
comunismo mimetiza ‘avanços democráticos’, ou ‘liberação econômica’, mas apenas
dissimula sua natureza, não deixa de ser o que sempre foi. Só se engana quem
precisa ser enganado, embora seja preciso reconhecer que o mimetismo é tão
próximo da perfeição que é difícil perceber que continua o mesmo com novas
cores e aparências.
Assim foram a Nova Política Econômica
de Lênin, os planos Qüinqüenais de Stalin, o Grande Salto a Frente e a
Revolução Cultural (que floresçam mil flores - para serem devidamente
extirpadas!), de Mao Zedong, as Quatro Modernizações, de Deng Xiaoping e a
Perestroika, de Gorbachëv. Todos não passaram de mimetismo da democracia – o
democratismo, com oposição controlada – ou do liberalismo – ‘economia de
mercado’ socialista, totalmente controlada pelo Estado. Não apenas se travestem
do que não são para evitar ataques, como o fazem como uma armadilha para atrair
o inimigo e atacar de volta. Por exemplo, abandona-se a ‘ditadura do
proletariado’ por um slogan mais palatável, o do ‘governo de todo o povo’. A
abolição do termo ditadura não passa de uma dessas mudanças cosméticas para
atrair incautos que acreditam em palavrório e não buscam o conteúdo oculto das
palavras.
No nível pessoal isto se traduz
pela imensa hipocrisia e desfaçatez que caracteriza individualmente os
comunistas e que pode ser expressa com exatidão pela ironia usada por Agamenon
Mendes Pedreira (leia-se Casseta e Planeta) do Globo de 23/05/2004: ‘espero um
dia poder ser comunista, mas não tenho conta bancária suficiente ainda!’ O que
demonstra, a meu ver, o que Olavo de Carvalho denomina ‘o desgaste das melhores
possibilidades humanas’: um abandono total das noções éticas e morais.
Mas ai de quem tentar discutir
isto a sério: é logo taxado de reacionário, burro, ignorante que não é capaz de
perceber o distanciamento de que estes seres magnânimos são capazes.
Fico enojado quando em jantares
sofisticados as pessoas comentam a necessidade de um estado socialista para
melhorar a distribuição de renda, sem se darem conta de que a cada garfada de
faisão e gole de Champagne Cristal, engolem o equivalente a uma semana de
comida para toda uma família das que hipocritamente fingem defender.
Mas convenhamos que não é fácil
para algumas pessoas se tornarem comunistas. Viktor Kravchenko, em seu livro
Escolhi a Liberdade, mostra com crueza o grau de degradação moral e ético, além
da corrupção do processo de pensar, que é necessário para um indivíduo assistir
a morte por inanição de milhares de semelhantes em nome exatamente da melhora
de situação destes mesmos semelhantes – no futuro! – por obra e graça do ‘Plano
Qüinqüenal do Genial Paizinho Stalin’. É preciso atingir um nível de
organização mental esquizóide, de uma tal divisão da mente – dois sistemas
mentais incomunicáveis - que permite que o indivíduo seja capaz de não dialogar
consigo mesmo e afastar as objeções morais, éticas ou religiosas que ameaçam
com sentimentos de culpa, compaixão e empatia. Mas também de corrupção do
próprio processo de pensar, o que torna a verdade cada vez mais persecutória e
temida.
Portanto, não se trata aqui de
mentiras quaisquer, mentirinhas mais ou menos graves que todos usamos em dadas
circunstâncias, conscientemente percebidas como tal. Trata-se de um verdadeiro
sistema mentiroso que se aproxima – e freqüentemente atinge – o franco delírio
psicótico. Penso que o status ontológico da mentira foi observado pelo
psiquiatra e psicanalista britânico Wilfred Bion quando afirmou que ‘a verdade
não precisa de um pensador que a pense – ela pré-existe e transcende o
pensador, o qual adquire significação ao pensá-la. A mentira, no entanto, só
existe em função de ser pensada (inventada) por alguém’, (...) A verdade
pertence a um sistema transcendente e como tal, ameaça irromper como algo
estranho e ameaçador (...) já a mentira é vista – e é - como criação própria’
conferindo ao mentiroso um sentimento de onipotência e onisciência. (The Lie and the
Thinker, in Attention and Interpretation, Tavistock Publications, London).
Mas como estes dois sistemas
incomunicáveis não conseguem ser tão estanques como desejariam, é necessária a
re-afirmação constante por parte do grupo que partilha ardorosamente a mesma
mentira. Por isto, um comunista não existe senão em grupo. Se alguém tenta
expressar uma verdade num grupo desses desperta imediatamente intenso ódio e
inveja, e maior coesão do grupo – e da mente de cada um em particular que
ameaça uma cisão terrível - para reforçar o delírio megalomaníaco e expulsar o
perturbador de suas idéias.
É claro que o comunismo é muito
mais que isto, mas esta, a meu ver, é a sua essência.
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