Assim deixais que vos arrebatem a maior e melhor
parte das vossas riquezas, que devastem os vossos campos, roubem as vossas
casas e vo-las despojem até das antigas mobílias herdadas dos vossos pais!
A vida que levais é tal que (podeis afirmá-lo) nada
tendes de vosso.
Mas parece que vos sentis felizes por serdes
senhores apenas de metade dos vossos haveres, das vossas famílias e das vossas
vidas; e todo esse estrago, essa desgraça, essa ruína provêm afinal não dos
seus inimigos, mas de um só inimigo, daquele mesmo cuja grandeza lhe é dada só
por vós, por amor de quem marchais corajosamente para a guerra, por cuja
grandeza não recusais entregar à morte as vossas próprias pessoas.
Esse que tanto vos humilha tem só dois olhos e duas
mãos, tem um só corpo e nada possui que o mais ínfimo entre os ínfimos
habitantes das vossas cidades não possua também; uma só coisa ele tem mais do
que vós e é o poder de vos destruir, poder que vós lhe concedestes.
Onde iria ele buscar os olhos com que vos espia se
vós não lhos désseis?
Onde teria ele mãos para vos bater se não tivesse
as vossas?
Os pés com que ele esmaga as vossas cidades de quem
são senão vossos?
Que poder tem ele sobre vós que de vós não venha?
Como ousaria ele perseguir-vos sem a vossa própria
conivência?
Que poderia ele fazer se vós não fôsseis
encobridores daquele que vos rouba, cúmplices do assassino que vos mata e
traidores de vós mesmos?
Semeais os vossos frutos para ele pouco depois calcar
aos pés. Recheais e mobiliais as vossas casas para ele vir saqueá-las, criais
as vossas filhas para que ele tenha em quem cevar sua luxúria.
Criais filhos a fim de que ele, quando lhe
apetecer, venha recrutá-los para a guerra e conduzi-los ao matadouro, fazer
deles acólitos da sua cupidez e executores das suas vinganças.
Matai-vos a trabalhar para que ele possa regalar-se
e refestelar-se em prazeres vis e imundos.
Enquanto vós definhais, ele vai ficando mais forte,
para mais facilmente poder refrear-vos.” (...) Étienne de La Boétie (1-11-1530
– 18-8-1563
Texto extraídos do
livro: Discurso Sobre a Servidão Voluntária - Étienne de La Boétie - PDF, aqui
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