Mário Ferreira
dos Santos
Ao ser humano cabe a frustrabilidade de certos atos, que pode ele fazer ou não. Os animais dizem sempre sim à natureza. O homem, porém, pode dizer não. Nesse “não” está o índice de sua grandeza, a abertura de sua elevação, mas também o primeiro passo para os seus erros. O homem pode frustrar o dever-ser. O dever-ser dos animais é fatal porque eles obedecem aos instintos. Mas o do homem é frustrável, porque ele é inteligente e dispõe da vontade.
E por que se
dão tais coisas? As razões são simples: o homem não é um ente imutável e
eterno. É um ente mutável e temporal. Sua vida é um longo itinerário, um longo
drama, porque ele atua e sofre sucessivamente uma longa realização dramática,
porque ele age e faz. E como age e faz, ele prefere e pretere. Por isso, ao
longo do drama humano, ao longo da sua práxis, da sua prática, o homem avalia
valores.
Em toda vida
prática do homem há a presença dos valores que são julgados, preferidos e
preteridos. Onde há ação humana, há a presença do valor, e o que o homem faz ou
sofre é conveniente mais ou menos ou não à sua natureza estática, dinâmica e
cinematicamente considerada. Em tudo, portanto, há valores, maiores ou menores.
E, ademais, o homem dá suprimento de valor ao que lhe convém, como também lhes
retira. Supervaloriza ou desvaloriza. Todas estas características do homem são
precisamente o que lhe dá o caráter da sua peculiaridade.
Mas esses
valores são valores do homem, por isso são valores humanos (em grego, valor é
axiós e o homem é antropos, daí chamarem-se esses valores de
axioantropológicos). Toda vida ativa e factiva do homem (a vida técnica) está
cheia da presença dos valores e dos desvalores do homem. Por essa razão, cada
ato humano é mais ou menos digno, segundo tenha mais ou menos valor. A
dignidade dos atos continuados marca o seu valor.
Os atos
continuados constituem o costume (o que os gregos chamavam ethos e os latinos
mos, moris, de onde vêm Ética e Moral). Os atos éticos ou morais são atos que
têm valor, são atos, portanto, que têm dignidade. É eticamente valioso o
dever-ser que corresponde à justiça como antes expusemos: é eticamente
vituperável, indigno, o ato que ofende a justiça, ou seja, o direito, o que é
devido à conveniência da natureza humana, na multiplicidade em que ela pode ser
considerada.
Assim, toda
vida prática do homem gira em torno da Ética. Realmente a vida prática do homem
é a vida ativa e a vida factiva, e naturalmente essa vida gira em torno do que
é conveniente ou desconveniente. Na ação e na realização da vontade, há
apreciações de valores do que convém e do que não convém, consequentemente, do
dever-ser frustrado e, por isso, giram todas em torno da Ética, que tem de
estar presente em todos os atos da vida prática. E prossegue o texto: como
disciplina filosófica, esta tem por objeto formal a atividade humana em relação
ao que é conveniente ou não à sua natureza. Os atos podem ser assim éticos ou
antiéticos, ou então anéticos. Éticos, os que devem ser realizados; antiéticos,
os que não deveriam ser realizados; e anéticos, os que nos parecem
indiferentes.
Portanto, toda
vida ativa e factiva (técnica, artística) do homem se dá dentro da esfera ética.
Razão tinham, pois, os filósofos antigos que punham o Direito, a Economia, a
Sociologia, a Técnica e a Arte como inclusas e subordinadas à Ética, porque os
atos humanos estão sempre marcados de eticidade. Esta a razão por que se deve
distinguir Ética de Moral. Esta distinção não é arbitrária. Ora, os antigos, ao
distinguirem essas disciplinas e as colocarem subordinadas à Ética, não
subordinavam totalmente e absolutamente, porque há uma parte de cada uma dessas
disciplinas, que é tipicamente própria das disciplinas, que é a sua parte
específica. A Ética, então, funcionava em relação a essas disciplinas na mesma
relação de gênero para espécie.
A Ética estuda
o dever-ser humano, a Moral descreve e prescreve como se deve agir para
realizar este dever-ser. A Moral é variante, mas a Ética é invariante. Podem os
homens, mas assistidos pela intelectualidade, errarem quanto à eticidade de um
ato e estabelecer um costume (moral) que nem sempre é conveniente ou é
exagerado. Podem errar, porque o homem pode errar, mas se der ele o melhor de
sua atenção à Ética, ele não errará e poderia evitar os erros na Moral. É essa
a razão por que muitas vezes encontramos diferenças entre a moral e a ética. E
muitas vezes vimos que certos costumes de certos povos ofendem a princípios de
justiça, porque nem sempre o homem escolhe como modo de proceder (seria o modo
moral) aquele que melhor corresponde à realização do dever-ser ético, e às
vezes é movido por certas circunstâncias históricas, ambientais, que determinam
agir desse modo e não doutro, porque, apesar de não ser benéfico como seria de
desejar, é menos maléfico do que de outros modos de proceder. Assim pode-se
compreender que certas tribos, em determinadas circunstâncias, se vissem
forçadas a liquidar os elementos inválidos que a constituíam, para que
sobrassem alimentos suficientes para manutenção dos que tinham maior capacidade
de sobrevivência. Este ato eticamente considerado é falho, mas moralmente
considerado ele tem uma desculpa, dada as circunstâncias ambientais e históricas
daquela tribo. Por isso, muitas vezes a moral pode chocar-se com a ética, e nem
sempre a moral conheceria a melhor resposta ou a melhor solução ao dever ético.
Nós hoje estamos numa crise, não de ética, estamos numa crise de moral, e esta
crise na moral está por uma má visualização da diferença entre moral e ética.
Como a moral decai, como a moral não consegue manter as suas normas, porque ela
já não corresponde à realidade da vida atual, então quem sofre as consequências
é a ética, parecendo aos olhos daqueles que não estão preparados, que fazem
confusão entre ética e moral, que a ética também se derrui, como se está
derruindo a moral, e não é verdade: a ética permanece em pé, a ética é
indestrutível, a ética é eterna; a moral é humana, factível, caduca, e por isso
ela pode errar. Se a mente humana for bem assistida, ela poderá evitar os erros
da moral pela criação de costumes que correspondem melhor ao dever-ser ético.
Aqueles que
dizem que a Ética é vária porque a Moral é vária, confundiram a Moral com a
Ética. Essas confusões provocaram inúmeros mal-entendidos e promoveram muita
agitação entre os que desejavam atacar a Ética. Há costumes convenientes e
inconvenientes apenas a uma parte da humanidade, mas o que é ético é universal
e deve ser aplicado a todos. A Ética deve ser consagrada ao universal. Temos
assim a explanação dos diversos aspectos importantes que já salientamos, mas o
texto continua e nos vai esclarecendo a pouco e pouco este aspecto genuinamente
cristão.
Assim, da
moral, que surge na vida prática do homem, a mente especulando sobre ela chega
à Ética, que é mais especulativa do que prática, porque nela há princípios
eternos, enquanto naquela há regras de valores históricos, portanto, mutáveis.
Dar a cada um o que é de seu direito é uma norma ética, mas o modo como se
proceda, segundo a conveniência humana obediente a esta norma, será uma regra
moral. Porque erram os homens na Moral, não se deve negar à Ética o seu valor,
porque esta seria uma violentação da inteligência.
Fonte; Blog
do Yuri
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