No dia 10 de
setembro de 1990, o multimilionário escritor, economista e socialista Robert
Heilbroner publicou um artigo na revista The New Yorker intitulado
"Após o Comunismo". A URSS já estava em avançado processo de colapso.
Neste artigo,
Heilbroner recontou a história de como Ludwig von Mises, ainda em 1920, havia provado que o socialismo não poderia
funcionar como sistema econômico. Neste artigo, Heilbroner disse essas
três palavras: "Mises estava certo".
Mas aí vem a
dúvida: qual a diferença entre comunismo e socialismo? Mises havia
concluído que o socialismo não poderia funcionar, mas o que realmente entrou em
colapso foi um sistema rotulado comunismo. Há alguma diferença?
História
Quando Karl Marx e
Friedrich Engels começaram a escrever conjuntamente, no ano de 1843, Marx era a
figura dominante. Engels era um melhor escritor, e era ele quem
sustentava Marx financeiramente.
Marx passou toda a
sua carreira se opondo àquilo que ele chamou de "socialismo
utópico". Ele nunca interagiu com nenhum grande economista ou
teórico social. Você pode procurar, mas jamais encontrará qualquer
refutação sistemática feita por Marx a Adam Smith, por exemplo. Marx
gastou suas energias criticando verbalmente vários autores de esquerda, cujos
escritos praticamente não tiveram nenhuma influência sobre a Europa em geral.
Dado que ele estava
constantemente atacando autores socialistas, Marx criou uma teoria própria
sobre o comunismo. Ele chamou essa sua teoria sobre o comunismo de
"socialismo científico". Marx argumentou que, inerente ao
desenvolvimento da história, há uma inevitável série de etapas. Isso
significa que ele era um determinista econômico. Ele acreditava que o
modo de produção é fundamental em uma sociedade e que o socialismo seria
historicamente inevitável porque haveria uma inevitável transformação do modo
de produção da sociedade.
Todos os aspectos
culturais da sociedade, sua filosofia e sua literatura formariam, segundo Marx,
a superestrutura da sociedade. Já a subestrutura — ou seja, seus
fundamentos — seria o modo de produção.
Segundo Marx, sua
análise econômica revelava uma inevitável linearidade dos vários modos de
produção. O comunismo primitivo levou ao feudalismo. O feudalismo
levou ao capitalismo. O capitalismo levará a uma bem-sucedida revolução
do proletariado. O proletariado irá impor o socialismo. E, do
socialismo, surgirá o comunismo.
Esse processo
linear fecha o círculo. Tudo começou com o comunismo primitivo, e tudo
levará ao comunismo supremo. Com o comunismo supremo, toda a evolução
histórica estará completa.
Só que Marx nunca
explicou por que a evolução das etapas seria dessa maneira. Ele nunca
explicou por que não haveria outra revolução após a chegada do comunismo
supremo, a qual levaria a um modo de produção maior que o comunismo. Era
mais conveniente apenas finalizar esse processo linear no comunismo.
A União Soviética
jamais alegou ter chegado ao estágio comunista do modo de produção. Ela
sempre se disse socialista. O nome do país era União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas. Os líderes supremos da União Soviética jamais
alegaram que a URSS havia alcançado a etapa final do modo de produção.
Stalin promoveu o conceito de socialismo em apenas um país. Ele diferia
de Trotsky nesse quesito. Trotsky queria uma revolução do proletariado em
nível global. Stalin era mais esperto. Ele queria o poder e, sendo
assim, ele sabia que, antes de tudo, teria de consolidar o poder em um país.
Logo, Trotsky teve
de fugir do país, e Stalin enviou o agente Ramón Mercader, do Comissariado do Povo para
Assuntos Internos, para matá-lo na Cidade do México. O agente matou Trotsky com um golpe de picareta em seu crânio. Foi um ato cheio
de simbolismo. A picareta havia sido um dos ícones da história da Rússia.
O socialismo é a
propriedade estatal dos meios de produção. Mas Marx profetizou que o
estado desapareceria sob o comunismo. Ele nunca explicou como ou por que
isso iria acontecer. Sua teoria era bizarra. Ele dizia que, para
abolir o estado, era necessário antes maximizá-lo. A ideia era que,
quando tudo fosse do estado, não haveria mais um estado como entidade distinta
da sociedade; se tudo se tornasse propriedade do estado, então não haveria mais
um estado propriamente dito, pois sociedade e estado teriam virado a mesma coisa,
uma só entidade — e, assim, todos estariam livres do estado.
O raciocínio é
totalmente sem sentido. Por essa lógica, se o estado dominar
completamente tudo o que pertence aos indivíduos, dominando inclusive seu corpo
e seus pensamentos, então os indivíduos estarão completamente livres, pois não
mais terão qualquer noção de liberdade — afinal, é exatamente a ausência de
qualquer noção de liberdade que o fará se sentir livre.
Igualmente, Marx
nunca mostrou como o sistema de produção poderia ser organizado nessa etapa
suprema do comunismo, na qual não haveria nem um livre mercado e nem um
planejamento centralizado pelo estado. Ele nunca forneceu qualquer
detalhe sobre como seria uma sociedade comunista, exceto em uma breve passagem
que foi publicada em um livro escrito conjuntamente com Engels e com o homem
que os havia apresentado em 1843, Moses Hess. O livro foi intitulado A Ideologia Alemã (1845). Só foi publicado em 1932. Hess jamais ganhou
créditos por sua co-autoria, mas parte do manuscrito aparece em sua coletânea
de escritos.
Assim que a
distribuição do trabalho passa a existir, cada homem tem um círculo de
atividade determinado e exclusivo que lhe é imposto e do qual não pode sair;
será caçador, pescador, pastor ou um crítico, e terá de continuar a sê-lo se
não quiser perder os meios de subsistência.
Na sociedade
comunista, porém, onde cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo que lhe
aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva, é a sociedade
que regula a produção geral e me possibilita fazer hoje uma coisa, amanhã
outra, caçar da manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, fazer crítica depois
da refeição, e tudo isto a meu bel-prazer, sem por isso me tornar
exclusivamente caçador, pescador ou crítico.
Esta fixação da
atividade social, esta petrificação do nosso próprio trabalho num poder
objetivo que nos domina e escapa ao nosso controlo contrariando a nossa
expectativa e destruindo os nossos cálculos, é um dos fatores principais no
desenvolvimento histórico até aos nossos dias.
Não obstante o fato
de que há aproximadamente 70 volumes das obras de Marx e Engels, essa é a
passagem mais longa que descreve o funcionamento de uma sociedade comunista e
de como seria a vida sob esse arranjo.
Conclusão
Socialismo foi o
sistema que realmente foi colocado em prática. Comunismo pleno nunca
existiu e não passa de uma utopia cujo funcionamento jamais foi explicitado em
trechos maiores do que um parágrafo.
Sem uma economia
monetária — ou seja, sem uma economia em que os cálculos de lucros e prejuízos
são possibilitados pelo dinheiro — é impossível haver uma ampla divisão do
trabalho.
E sem um livre
mercado para todos os bens, mais especificamente para bens de capital, é
impossível haver um planejamento econômico racional.
A propriedade
comunal dos meios de produção (por exemplo, das fábricas) impede a existência
de mercados para bens de capital (por exemplo, máquinas). Se não há
propriedade privada sobre os meios de produção, não há um genuíno mercado entre
eles. Se não há um mercado entre eles, é impossível haver a formação de
preços legítimos. Se não há preços, é impossível fazer qualquer cálculo
de preços. E sem esse cálculo de preços, é impossível haver qualquer
racionalidade econômica — o que significa que uma economia planejada é,
paradoxalmente, impossível de ser planejada.
Sem preços, não há
cálculo de lucros e prejuízos, e consequentemente não há como direcionar o uso
de bens da capital para atender às mais urgentes demandas dos consumidores da
maneira menos dispendiosa possível.
Em contraste, a
propriedade privada sobre o capital em conjunto com a liberdade de trocas
resulta na formação de preços (bem como salários e juros), os quais permitem
que o capital seja direcionado para as aplicações mais urgentes. Ao mesmo
tempo, o julgamento empreendedorial tem de lidar constantemente com as
contínuas mudanças nos desejos dos consumidores.
O arranjo
socialista simplesmente impede que esse mecanismo ocorra. Foi por isso
que Mises argumentou, ainda em 1920, que qualquer passo rumo ao socialismo é um
passo rumo à irracionalidade econômica.
E foi a isso que
Heilbroner se referiu quando ele disse que "Mises estava certo".
Autores:
Hans F. Sennholz, 1922-2007, foi o primeiro aluno Ph.D de Mises nos Estados
Unidos. Ele lecionou economia no Grove City College, de 1956 a 1992,
tendo sido contratado assim que chegou. Após ter se aposentado, tornou-se
presidente da Foundation for Economic Education, 1992-1997. Foi um
scholar adjunto do Mises Institute e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G.
Schlarbaum por sua defesa vitalícia da liberdade.
David
Gordon, membro sênior do Mises Institute, analisa livros recém-lançados sobre
economia, política, filosofia e direito. É também o autor de The Essential
Rothbard.
Gary
North, ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre
economia, ética e história.
Leandro
Roque, editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.
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