Por Hans F. Sennholz
Calígula |
Atratores ajudam a identificar a dinâmica por meio da qual sistemas
complexos se organizam autonomamente. Assim sendo, pode-se dizer que uma
falha geológica serve como um atrator para forças geológicas em placas
tectônicas, assim como redes de drenagem são atratores para um curso d'água
exercer contínuas relações com as forças da gravidade. Em um nível
social, um leilão de bens antigos pode ser visto como um atrator para
colecionadores de antiguidades; aterros sanitários, como atratores para coisas
abandonadas; e hospitais, como atratores para doenças. Na economia de mercado,
o sistema de preços é um atrator para compradores e vendedores que querem
transacionar suas propriedades.
O estudo do caos nos ajuda a entender por que todos os
sistemas políticos produzem rupturas e são divisivos e destruidores do processo
social. Por meio desta nova ciência, estamos descobrindo — ao contrário
das arrogantes suposições de Platão — que sistemas complexos produzem
comportamentos que são, ao mesmo tempo, determinados e imprevisíveis.
Se deixado à mercê das forças que operam sobre ele, um sistema complexo irá
espontaneamente gerar consequências implícitas — embora imprevisíveis — dentro
dele.
Mas sabemos que muitas pessoas não gostam de um mundo que
seja imprevisível e indiferente aos seus interesses particulares. É por
isso que um empreendedor poderoso que seja incapaz de disputar clientes com
seus concorrentes em um livre mercado irá fazer de tudo para perturbar essa
ordem, uma vez ela não atende aos seus caprichos. Ele pode começar
tentando fazer acordos voluntários com seus concorrentes com o intuito
de reduzir o ritmo no qual eles buscam seus respectivos interesses.
Porém, como essa estratégia raramente dá certo e rapidamente gera insatisfação
nos membros desta indústria, esse empreendedor e vários de seus concorrentes
irão recorrer ao estado para conseguir, por meio da força, resultados que eles
não tiveram a competência de alcançar no livre mercado.
O estado é quase que universalmente definido como um
sistema que usufrui um monopólio legal do uso da violência e das decisões
jurídicas supremas dentro de um dado território. Não obstante todo o
circo montado pela mídia, todo o condicionamento mental e doutrinário feito
pelo sistema de ensino controlado pelo governo, e todas as demais propagandas
institucionais criadas para pintar o sistema político como algo nobre e
moralmente dedicado a servir ao bem-estar geral, o fato é que o estado é capaz
de fazer apenas uma coisa: compelir as pessoas — por meio da violência e da
ameaça de violência — a fazer aquilo que elas voluntariamente optariam por não fazer,
ou a se abster de fazer aquilo que elas gostariam de fazer.
Se o estado for definido desta maneira realista e
verdadeira — isto é, uma instituição que usufrui o monopólio do uso da
violência e da tomada suprema de decisões jurídicas —, então qual é exatamente
o caráter das pessoas que se sentem atraídas a integrar o estado e a fazer uso
de suas ferramentas e práticas violentas? Que tipo de indivíduo se sente
atraído por carreiras que lhe dão o poder arbitrário de obrigar terceiros a
obedecer suas ordens, um trabalho cuja premissa está no imperativo da
obediência?
No que diz respeito aos graus de conduta anti-social, há
uma linha tênue que separa o comportamento sociopata do comportamento
psicopata. Um funcionário dos Correios ou um recepcionista de uma agência
do DETRAN pode perfeitamente não exibir nenhum destes traços. Mas e
quanto aos funcionários públicos cujas atribuições são impingir algum
decreto ou alguma regulamentação arbitrária do estado? O indivíduo que
está preparado para iniciar um ato de punição com o intuito de impingir
obediência a um decreto ou regulamentação do governo não se distingue daquele
policial valentão que integra uma equipe de força-tarefa que invade
residências, confisca bens e tortura pessoas. A mentalidade é a mesma.
O fato de que um utiliza a caneta ao passo que o outro recorre à força física
representa apenas uma diferenciação de métodos. A mentalidade autoritária que
os estimula é a mesma. É o apetite pelo poder supremo sobre terceiros o
que impulsiona tais pessoas.
Se fossemos julgar as motivações destas pessoas tomando
por base apenas as promessas que elas fazem, chegaríamos à conclusão de que
elas desejam apenas promover o bem-estar de nossa sociedade ou até mesmo de
toda a humanidade. Querem também acabar com as injustiças e promover os
direitos e interesses dos pobres e oprimidos. Proteger as crianças.
Gerar prosperidade econômica. Ou promover outros fins nobres que sirvam
ao interesse público. Nossa propensão em aceitar que tais objetivos
benevolentes são a explicação para o fato de que alguns poucos querem ter poder
coercivo sobre todo o resto é um reflexo de nossa tola credulidade.
É por isso que todo o sistema se sustenta apenas com
mentiras. Enquanto as mentiras forem propagadas e reforçadas por pessoas
que são respeitadas pelo público em geral — e tais vozes respeitadas são
encontradas nos corredores das instituições dominantes, na academia e na mídia
—, qualquer incompatibilidade com a verdade raramente é questionada.
Aqueles que querem ter poder coercivo sobre a sociedade
têm de convencer seus almejados súditos a fazerem aquilo que nenhum indivíduo
racional jamais pensaria em fazer: subordinar a busca de seus interesses
próprios aos interesses da agenda política de terceiros. Para sobrepujar
a insanidade que é fazer com que os propósitos de um indivíduo — na realidade,
a própria vida deste indivíduo — sejam inferiores aos interesses próprios dos
elitistas que estão no controle do governo, instituições foram dotadas de
plenos poderes para condicionar as mentes dos indivíduos a aceitar as virtudes
da obediência e do auto-sacrifício. Aqueles que porventura resistirem a
esta campanha são imediatamente rotulados de "egoístas",
"insensíveis" e "reacionários", palavras que, para esta
elite estatal, têm um único significado: "indivíduos que colocam seus
interesses mesquinhos acima dos meus."
No entanto, é inevitável que ao menos algum súdito mais
observador possa inadvertidamente se deparar com a incongruência entre a
mentira e a implacável aspereza do mundo real. Porém, os efeitos de tal
eventualidade podem ser facilmente isolados pelos membros filosóficos da classe
dominante, cuja destreza na arte do ludibrio fará com que suas explicações
sejam mais palatáveis para aqueles que descobriram a contradição.
Muito mais problemáticas para a classe dominante são
aquelas pessoas que não apenas descobrem a verdade por trás das falsidades,
como também a revelam para terceiros. As mentiras, os exageros, as
controvérsias meticulosamente criadas, e todas as outras distorções e
adulterações da realidade são facilmente entendidas pelas mentes mais
inteligentes e observadoras como sendo essenciais para os interesses do estado
e de seus membros. Se as instituições governamentais devem representar um
fim em si mesmas, então todos os indivíduos devem subordinar seus propósitos
aos propósitos da ordem estatal estabelecida. Porém, dado que o mundo
real funciona de acordo com práticas descentralizadas, a ideia de que
instituições devem ter uma importância centralizada e proeminente sobre
o comportamento humano é uma ficção que só pode ser mantida com fortes
distorções da verdade. Aqueles que dizem "Eu nunca acredito em nada
que o governo diz", ou "nunca aceite nada como sendo verdadeiro até
que seja oficialmente negado pelo governo", ajudam a despertar seus
vizinhos para a natureza fundamentalmente desonesta de todos os sistemas
políticos.
Randolph Bourne dizia que a guerra é o alimento do
estado. Exatamente por isso, aqueles que são atraídos para o estado
querem, no fundo, exercer violência sobre indivíduos inocentes e produtivos,
sempre em benefício próprio, mas espertamente utilizando termos insípidos como
"bem-estar", "desfavorecidos", "prosperidade",
"justiça social" e "equilíbrio" como o real motivo de suas
agressões.
Assim como seria inconcebível imaginar Madre Teresa
operando um bordel, também é inconcebível imaginar genuínos defensores da paz,
da liberdade e da não-iniciação de violência contra inocentes procurando o
poder estatal. Mesmo aqueles indivíduos bem intencionados que
genuinamente querem minimizar o poder do estado se infiltrando nele estão
cometendo um erro tático: não se pode querer enfrentar, desde dentro, uma
máquina construída justamente para atrair sociopatas e psicopatas. É
impossível querer reduzir, desde dentro, algo que foi construído
especificamente para utilizar níveis crescentes de violência contra concidadãos
inocentes e produtivos.
No final, as palavras de H.L. Mencken resumem tudo:
"A ânsia em salvar a humanidade é quase sempre uma máscara para disfarçar
a ânsia em governá-la".
Hans F. Sennholz (1922-2007) foi o
primeiro aluno Ph.D de Mises nos Estados Unidos. Ele lecionou economia no
Grove City College, de 1956 a 1992, tendo sido contratado assim que
chegou. Após ter se aposentado, tornou-se presidente da Foundation for
Economic Education, 1992-1997. Foi um scholar adjunto do Mises Institute
e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G. Schlarbaum por sua defesa
vitalícia da liberdade.
Tradução de Leandro Roque
Fonte: Mises Brasil
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