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segunda-feira, 6 de abril de 2015

O estado atrai sociopatas

Por Hans F. Sennholz

Calígula
No estudo de sistemas complexos e dinâmicos — a chamada 'ciência do caos' —, "atratores" são princípios operacionais ao redor dos quais a turbulência e o caos aparente são harmonizados.  Aquilo que as nossas simples experiências passadas descarta como sendo aleatoriedade e desordem, o estudo do caos e da complexidade revela como sendo padrões profundos de regularidade.

Atratores ajudam a identificar a dinâmica por meio da qual sistemas complexos se organizam autonomamente.  Assim sendo, pode-se dizer que uma falha geológica serve como um atrator para forças geológicas em placas tectônicas, assim como redes de drenagem são atratores para um curso d'água exercer contínuas relações com as forças da gravidade.  Em um nível social, um leilão de bens antigos pode ser visto como um atrator para colecionadores de antiguidades; aterros sanitários, como atratores para coisas abandonadas; e hospitais, como atratores para doenças.  Na economia de mercado, o sistema de preços é um atrator para compradores e vendedores que querem transacionar suas propriedades.

O estudo do caos nos ajuda a entender por que todos os sistemas políticos produzem rupturas e são divisivos e destruidores do processo social.  Por meio desta nova ciência, estamos descobrindo — ao contrário das arrogantes suposições de Platão — que sistemas complexos produzem comportamentos que são, ao mesmo tempo, determinados e imprevisíveis. Se deixado à mercê das forças que operam sobre ele, um sistema complexo irá espontaneamente gerar consequências implícitas — embora imprevisíveis — dentro dele.

Mas sabemos que muitas pessoas não gostam de um mundo que seja imprevisível e indiferente aos seus interesses particulares.  É por isso que um empreendedor poderoso que seja incapaz de disputar clientes com seus concorrentes em um livre mercado irá fazer de tudo para perturbar essa ordem, uma vez ela não atende aos seus caprichos.  Ele pode começar tentando fazer acordos voluntários com seus concorrentes com o intuito de reduzir o ritmo no qual eles buscam seus respectivos interesses.  Porém, como essa estratégia raramente dá certo e rapidamente gera insatisfação nos membros desta indústria, esse empreendedor e vários de seus concorrentes irão recorrer ao estado para conseguir, por meio da força, resultados que eles não tiveram a competência de alcançar no livre mercado.

O estado é quase que universalmente definido como um sistema que usufrui um monopólio legal do uso da violência e das decisões jurídicas supremas dentro de um dado território.  Não obstante todo o circo montado pela mídia, todo o condicionamento mental e doutrinário feito pelo sistema de ensino controlado pelo governo, e todas as demais propagandas institucionais criadas para pintar o sistema político como algo nobre e moralmente dedicado a servir ao bem-estar geral, o fato é que o estado é capaz de fazer apenas uma coisa: compelir as pessoas — por meio da violência e da ameaça de violência — a fazer aquilo que elas voluntariamente optariam por não fazer, ou a se abster de fazer aquilo que elas gostariam de fazer.

Se o estado for definido desta maneira realista e verdadeira — isto é, uma instituição que usufrui o monopólio do uso da violência e da tomada suprema de decisões jurídicas —, então qual é exatamente o caráter das pessoas que se sentem atraídas a integrar o estado e a fazer uso de suas ferramentas e práticas violentas?  Que tipo de indivíduo se sente atraído por carreiras que lhe dão o poder arbitrário de obrigar terceiros a obedecer suas ordens, um trabalho cuja premissa está no imperativo da obediência? 

No que diz respeito aos graus de conduta anti-social, há uma linha tênue que separa o comportamento sociopata do comportamento psicopata.  Um funcionário dos Correios ou um recepcionista de uma agência do DETRAN pode perfeitamente não exibir nenhum destes traços.  Mas e quanto aos funcionários públicos cujas atribuições são impingir algum decreto ou alguma regulamentação arbitrária do estado?  O indivíduo que está preparado para iniciar um ato de punição com o intuito de impingir obediência a um decreto ou regulamentação do governo não se distingue daquele policial valentão que integra uma equipe de força-tarefa que invade residências, confisca bens e tortura pessoas.  A mentalidade é a mesma.  O fato de que um utiliza a caneta ao passo que o outro recorre à força física representa apenas uma diferenciação de métodos. A mentalidade autoritária que os estimula é a mesma.  É o apetite pelo poder supremo sobre terceiros o que impulsiona tais pessoas.

Se fossemos julgar as motivações destas pessoas tomando por base apenas as promessas que elas fazem, chegaríamos à conclusão de que elas desejam apenas promover o bem-estar de nossa sociedade ou até mesmo de toda a humanidade.  Querem também acabar com as injustiças e promover os direitos e interesses dos pobres e oprimidos.  Proteger as crianças.  Gerar prosperidade econômica.  Ou promover outros fins nobres que sirvam ao interesse público.  Nossa propensão em aceitar que tais objetivos benevolentes são a explicação para o fato de que alguns poucos querem ter poder coercivo sobre todo o resto é um reflexo de nossa tola credulidade.

É por isso que todo o sistema se sustenta apenas com mentiras.  Enquanto as mentiras forem propagadas e reforçadas por pessoas que são respeitadas pelo público em geral — e tais vozes respeitadas são encontradas nos corredores das instituições dominantes, na academia e na mídia —, qualquer incompatibilidade com a verdade raramente é questionada.

Aqueles que querem ter poder coercivo sobre a sociedade têm de convencer seus almejados súditos a fazerem aquilo que nenhum indivíduo racional jamais pensaria em fazer: subordinar a busca de seus interesses próprios aos interesses da agenda política de terceiros.  Para sobrepujar a insanidade que é fazer com que os propósitos de um indivíduo — na realidade, a própria vida deste indivíduo — sejam inferiores aos interesses próprios dos elitistas que estão no controle do governo, instituições foram dotadas de plenos poderes para condicionar as mentes dos indivíduos a aceitar as virtudes da obediência e do auto-sacrifício.  Aqueles que porventura resistirem a esta campanha são imediatamente rotulados de "egoístas", "insensíveis" e "reacionários", palavras que, para esta elite estatal, têm um único significado: "indivíduos que colocam seus interesses mesquinhos acima dos meus."

No entanto, é inevitável que ao menos algum súdito mais observador possa inadvertidamente se deparar com a incongruência entre a mentira e a implacável aspereza do mundo real.  Porém, os efeitos de tal eventualidade podem ser facilmente isolados pelos membros filosóficos da classe dominante, cuja destreza na arte do ludibrio fará com que suas explicações sejam mais palatáveis para aqueles que descobriram a contradição.

Muito mais problemáticas para a classe dominante são aquelas pessoas que não apenas descobrem a verdade por trás das falsidades, como também a revelam para terceiros.  As mentiras, os exageros, as controvérsias meticulosamente criadas, e todas as outras distorções e adulterações da realidade são facilmente entendidas pelas mentes mais inteligentes e observadoras como sendo essenciais para os interesses do estado e de seus membros.  Se as instituições governamentais devem representar um fim em si mesmas, então todos os indivíduos devem subordinar seus propósitos aos propósitos da ordem estatal estabelecida.  Porém, dado que o mundo real funciona de acordo com práticas descentralizadas, a ideia de que instituições devem ter uma importância centralizada e proeminente sobre o comportamento humano é uma ficção que só pode ser mantida com fortes distorções da verdade.  Aqueles que dizem "Eu nunca acredito em nada que o governo diz", ou "nunca aceite nada como sendo verdadeiro até que seja oficialmente negado pelo governo", ajudam a despertar seus vizinhos para a natureza fundamentalmente desonesta de todos os sistemas políticos.

Randolph Bourne dizia que a guerra é o alimento do estado.  Exatamente por isso, aqueles que são atraídos para o estado querem, no fundo, exercer violência sobre indivíduos inocentes e produtivos, sempre em benefício próprio, mas espertamente utilizando termos insípidos como "bem-estar", "desfavorecidos", "prosperidade", "justiça social" e "equilíbrio" como o real motivo de suas agressões.

Assim como seria inconcebível imaginar Madre Teresa operando um bordel, também é inconcebível imaginar genuínos defensores da paz, da liberdade e da não-iniciação de violência contra inocentes procurando o poder estatal.  Mesmo aqueles indivíduos bem intencionados que genuinamente querem minimizar o poder do estado se infiltrando nele estão cometendo um erro tático: não se pode querer enfrentar, desde dentro, uma máquina construída justamente para atrair sociopatas e psicopatas.  É impossível querer reduzir, desde dentro, algo que foi construído especificamente para utilizar níveis crescentes de violência contra concidadãos inocentes e produtivos. 

No final, as palavras de H.L. Mencken resumem tudo: "A ânsia em salvar a humanidade é quase sempre uma máscara para disfarçar a ânsia em governá-la".

Hans F. Sennholz  (1922-2007) foi o primeiro aluno Ph.D de Mises nos Estados Unidos.  Ele lecionou economia no Grove City College, de 1956 a 1992, tendo sido contratado assim que chegou.  Após ter se aposentado, tornou-se presidente da Foundation for Economic Education, 1992-1997.  Foi um scholar adjunto do Mises Institute e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G. Schlarbaum por sua defesa vitalícia da liberdade.


Tradução de Leandro Roque

Fonte: Mises Brasil

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