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quarta-feira, 15 de julho de 2015

A importância de Gilberto Freyre para a construção da Nação Brasileira

Por: Roberta Fragoso

 – Parte I

A primeira fase de estudos sobre as relações raciais no País ficou decididamente marcada pela genialidade de Gilberto Freyre. Isto porque, a despeito de vários outros autores contemporâneos ou anteriores a Freyre terem desenvolvido estudos sobre as relações raciais no Brasil, a magnitude do trabalho freyriano merece uma reflexão autônoma e pontual.

Revolucionário, criativo, inovador, os adjetivos são insuficientes para resumir essa personalidade ímpar, que nadou contra a corrente ao tentar desenvolver a idéia da miscigenação como a nota essencial a distinguir o povo brasileiro. Antes dessa etapa, a maior parte dos estudos sobre o tema no Brasil se baseava em premissas pseudocientíficas sobre a inferioridade dos negros.

A importância de Casa-Grande & Senzala não pode ser observada exclusivamente a partir de seu conteúdo. É que além de ter se constituído em um livro revolucionário, tanto por causa do enfoque dado a temas muitas vezes já discutidos no Brasil, tanto pela adoção de uma linguagem comum, vulgar até, o fato é que as maiores contribuições que a obra trouxe à cultura nacional foram a de libertar o futuro do País das previsões pessimistas até então realizadas e a de inserir o negro no papel de sujeito — em vez de mero objeto — na formação do povo brasileiro, junto ao índio e ao português.

O ensaio procurou resgatar a auto-estima do povo brasileiro, ao analisar a diversidade da formação social como motivo de orgulho e força. Em vez de reservar o destino do Brasil ao subdesenvolvimento, como era lugar comum entre os escritores da época, Gilberto Freyre inovou, ao afirmar o caráter positivo da mistura. Desse modo, libertou-nos das amarras que impediam a expectativa de um Brasil melhor. A obra possui o mérito de procurar redimir os brasileiros do complexo de terem nascido no País, ao tempo em que analisa a influência das raças na formação da sociedade como algo positivo e peculiar do Brasil. O texto, na verdade, é uma apologia à miscigenação e, pela primeira vez, alternou o papel comumente destinado ao negro na literatura de então, elevando-o à condição de protagonista, e não mero espectador dos acontecimentos. Nesse sentido, tais foram as palavras de Freyre: “Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo (…) a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena e do negro. Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam os nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra”.

Para se compreender o mérito deste majestoso estudo sobre os trópicos, é preciso observar o contexto que precedeu a publicação. Os livros anteriores à Casa-Grande & Senzala revelavam uma extrema melancolia, os autores enfadonhamente repetiam o desastre do destino brasileiro e creditavam a derrota especialmente à miscigenação entre as três raças. Garantiam que o resultado da composição do que acreditavam ser o índio preguiçoso, o negro inferior e o português ignorante não poderia ser diferente do que a criação de um povo mole, lento, subdesenvolvido, incapaz de superar as adversidades e de construir uma nação vigorosa. Retratavam um Brasil miserável, destinado ao subdesenvolvimento e ao fracasso.

Para citar apenas alguns exemplos, podemos começar a situar o contexto anterior à Casa-Grande a partir da publicação de A poesia popular no Brasil, de Sylvio Romero. Um dos fundadores da Escola do Recife e conterrâneo de Tobias Barreto, assim se expressou o sergipano: “É uma vergonha para a ciência do Brasil que nada tenhamos consagrado de nossos trabalhos ao estudo das línguas e das religiões africanas. Quando vemos homens, como Bleek, refugiar-se dezenas e dezenas de anos nos centros da África somente para estudar uma língua e coligir uns mitos, nós, que temos o material em casa, que temos a África em nossas cozinhas, como a América em nossas selvas e a Europa em nossos salões, nada havemos produzido neste sentido! É uma desgraça. Bem como os portugueses estanciaram dois séculos na Índia e nada ali descobriram de extraordinário para a ciência, deixando aos ingleses a glória da revelação do sânscrito e dos livros brahmínicos, tal nós vamos levianamente deixando morrer os nossos negros da Costa como inúteis, e iremos deixar a outros o estudo de tantos dialetos africanos, que se falam em nossas senzalas! O negro não é só uma máquina econômica, ele é antes de tudo um objeto de ciência”.

Ainda no século XIX, José Bonifácio, na obra Projetos para o Brasil, observou os índios como um povo “naturalmente melancólico e apático, estado de que não sai senão por grande efervescência das paixões, ou pela embriaguez; a sua música é lúgubre, e sua dança mais ronceira e imóvel que a do negro”.

E Paulo Prado, em Retratos do Brasil, publicado originariamente em 1928, insurgiu-se contra a consciência de que o País formava um paraíso tropical e de alegria e afirmou ser o Brasil uma das nações mais atrasadas do continente, empestada por vícios, com uma elite despreparada e ignorante. E assim aduziu: “A Colônia, ao iniciar-se o século de sua independência, era um corpo amorfo, de mera vida vegetativa, mantendo-se apenas pelos laços tênues da língua e do culto. População sem nome, exausta pela verminose, pelo impaludismo e pela sífilis, tocando dois ou três quilômetros quadrados a cada indivíduo, sem nenhum ou pouco apego ao solo nutridor; país pobre sem o auxílio humano, ou arruinado pela exploração apressada, tumultuária e incompetente de suas riquezas minerais; cultura agrícola e pastoril limitada e atrasada (…). Indigência intelectual e artística completa, em atraso secular, reflexo apagado da decadência da mãe-pátria; facilidade de decorar e loquacidade derramada, simulando cultura; vida social nula porque não havia sociedade, com as mulheres reclusas como mouras ou turcas; vida monótona e submissa, sem os encantos que a poetizam…”.

Nas páginas finais do livro, arremata: “Dos agrupamentos humanos de mediana importância, o nosso país é talvez o mais atrasado. O Brasil, de fato, não progride: vive e cresce, como cresce uma criança doente, no lento desenvolvimento de um corpo mal organizado (…). A cultura intelectual não existe, ou finge existir em semiletrados mais nocivos do que a peste. Não se publicam livros porque não há leitores, não há leitores porque não há livros. (…). Um vício nacional, porém, impera: o vício da imitação. Tudo é imitação, desde a estrutura política em que procuramos encerrar e comprimir as mais profundas tendências da nossa natureza social, até o falseamento das manifestações espontâneas do nosso gênio criador”.
E ainda há mais. Outros escritos revelaram, ainda, a vontade de por critérios aparentemente científicos procurar comprovar a inferioridade da raça negra. Nesse sentido, J. B. de Sá Oliveira, quando escreveu Craniometria Comparada das Espécies Humanas na Bahia sob o ponto de vista Evolucionista e Médico-legal, em 1895 e ainda o médico legista Nina Rodrigues, com a obra Os Africanos no Brasil, recentemente reeditado, parte do estudo desenvolvido pelo autor entre 1890 a 1905, que se intitulara O Problema da Raça Negra na América Portuguesa.

Em 1932, Homero Pires publicou os manuscritos do médico legista Nina Rodrigues, que havia falecido antes de terminar o livro. Surgiu, assim, a obra Os Africanos no Brasil. Acompanhado de grande interesse nacional, o texto é considerado, até hoje, um dos grandes estudos sobre a influência dos negros na formação do povo brasileiro.

Em sua pesquisa, Nina Rodrigues difundiu a idéia de que a maior desgraça brasileira havia sido a miscigenação das raças, o que debilitara o povo, tornando-o fraco. Considerou que o negro é uma espécie inferior, com propensões genéticas à criminalidade e que a participação deste como elemento étnico do Brasil garantiu-nos posição de extrema desvantagem em comparação com outros países. Não satisfeito, citou ainda o exemplo dos Estados Unidos, onde apesar de também haver negros, a miscigenação não somente era desestimulada, como controlada por parte do Estado. E aduziu: “Se conhecemos homens negros ou de cor de indubitável respeito, não há de obstar esse fato o reconhecimento desta verdade — que até hoje não puderam os Negros se constituir em povos civilizados”. Em outro momento, afirmou: “A Raça Negra no Brasil, por maiores que tenham sido os seus incontáveis serviços à nossa civilização, por mais justificadas que sejam as simpatias de que a cercou o revoltante abuso da escravidão, por maiores que se revelem os generosos exageros dos seus turiferários, há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo”. E por fim concluiu: “O que importa ao Brasil determinar é o quanto de inferioridade lhe advém da dificuldade de civilizar-se por parte da população negra (…)”.

A despeito do conteúdo preconceituoso e discriminatório do livro, o prestígio do autor pode ser sentido até hoje, na medida em que sua obra foi reeditada recentemente e seu nome intitula hospital, museu, instituto médico legal, e até uma cidade no Maranhão, dentre outras instituições.

Outro famoso autor da época, Oliveira Vianna, ao publicar Raça e Assimilação, em 1932, acreditava que a miscigenação com o povo africano fora um grande mal para o Brasil, porque enfraquecera o povo brasileiro. Destacou: “Sob o ponto de vista biológico, o estrangeiro, mesmo naturalizado, é sempre um organismo em crise de adaptação (…). Ora, nem sempre o seu organismo tem a plasticidade adaptativa que se refletem nas variações dos índices de morbidade, de mortalidade, de longevidade de cada indivíduo, de cada raça, de cada etnia”. E continuou: “Estes, entretanto, nos chegam, civilizados ou semi-bárbaros (…), carregando usos estranhos, costumes, tradições, modalidades folclóricas de todo o gênero; em suma, formas novas de civilização, que, entrando em conflito entre si ou com a nossa, substituindo-se, superpondo-se ou interdifundindo-se, estão alterando profundamente as camadas tradicionais da nossa sedimentação cultural”.

E é nesse contexto em que se reafirmava a mediocridade do povo, a insipiência das instituições e a fraqueza das relações sociais que surgiu Gilberto Freyre, com uma ousadia de percepção que o tornou praticamente um redescobridor do Brasil.

– Parte II

Como vimos na primeira parte deste artigo, Freyre rompeu com velhos pensamentos preconceituosos e reducionistas e aclamou a participação do negro e do índio no processo de formação do caráter nacional.

Na obra Casa-Grande & Senzala, Gilberto revelou a presença do negro em diversas facetas da nossa cultura, como na música, na dança, no vocabulário e na culinária. De igual maneira procedeu com os índios, explicando a origem do nosso hábito de dormir em redes, de se pintar, de tomar banho diariamente, bem como a valorização das ervas, da cor vermelha e dos remédios caseiros.

Em vez de aclamação social, as obras de Freyre despertaram ondas de protestos em todas as camadas. Por conta da linguagem vulgar, recebeu o título de pornógrafo do Recife e a Igreja Católica repudiava constantemente as suas publicações, consideradas atentatórias à moral e aos bons costumes. Foi tachado de anticatólico, comunista, anarquista, agitador, antilusitano, africanista, dentre outras alcunhas.

O pensamento exposto por Gilberto Freyre encontra resistências até hoje, aparentemente pelo fato de não ter situado o problema racial no Brasil como um problema exclusivamente de cor ou por não ter sido partidário da revolta dos negros contra os brancos. O que torna as críticas ainda mais pitorescas, decerto, é o fato de serem formuladas, em sua maioria, por representantes do movimento negro, justo a cor a que Gilberto fez questão de homenagear, por haver lhe conferido importância nunca dantes exposta com tanta franqueza. Nessa linha, bem demonstrou Darcy Ribeiro, no texto Gilberto Freyre — Uma introdução à Casa-Grande & Senzala:

“Com efeito, o que mais provocou a sensação e surpresa aos primeiros leitores de Casa-Grande & Senzala foi o negrismo de Gilberto Freyre. Ele vinha dizer — ainda que em linguagem meio desbocada, mas com todos os ares de cientista viajado e armado de erudições múltiplas — que o negro — no plano cultural e de influência na formação social do Brasil — fora não só superior ao indígena (…) mas até mesmo ao português, em vários aspectos da cultura material e moral, principalmente da técnica e da artística”.

Causa certa perplexidade o fato de alguns dos intelectuais do movimento negro acusarem Freyre de haver difundido no Brasil o mito da democracia racial, qual seja, a lenda de que no País o preconceito racial não existe e que as relações entre as raças são perfeitas e harmônicas. Na verdade, esclareça-se, em nenhuma passagem do livro Casa-Grande & Senzala Gilberto usou a expressão democracia racial. Sobre isso, o antropólogo Hermano Vianna ousou dizer que há, no País, um mito sobre o mito da democracia racial.

Nessa linha, a vida de Gilberto Freyre, após a obra Casa-Grande passou a ser um eterno explicar-se. Incansavelmente, repetia que não fora criador do mito da democracia racial e que o fato de seus livros terem reconhecido a intensa miscigenação entre as raças no Brasil não significava decerto a ausência de preconceito ou de discriminação. Exemplo de desabafo contrário à acusação de ter criado a idéia de equilíbrio racial no Brasil pode ser extraída da entrevista realizada com o autor em 15/3/1980. À pergunta: “Até que ponto nós somos uma democracia racial?”, formulada pela jornalista Lêda Rivas, Freyre respondeu:

“(…) Democracia política é relativa. (…). Sempre foi relativa, nunca foi absoluta(…).Democracia plena é uma bela frase (…) de demagogos, que não têm responsabilidade intelectual quando se exprimem sobre assuntos políticos. (…). Os gregos, aclamados como democratas do passado clássico, conciliaram sua democracia com a escravidão. Os Estados Unidos, que foram os continuadores dos gregos como exemplo moderno de democracia no século XVIII, conciliaram essa democracia também com a escravidão. Os suíços, que primaram pela democracia direta, até há pouco não permitiam que mulher votasse. São todos exemplos de democracias consideradas, nas suas expressões mais puras, relativas. (…). O Brasil (…) é o país onde há uma maior aproximação à democracia racial, quer seja no presente ou no passado humano. Eu acho que o brasileiro pode, tranqüilamente, ufanar-se de chegar a este ponto. Mas é um país de democracia racial perfeita, pura? Não, de modo algum. Quando fala em democracia racial, você tem que considerar [que] o problema de classe se mistura tanto ao problema de raça, ao problema de cultura, ao problema de educação. (…) Isolar os exemplos de democracia racial das suas circunstâncias políticas, educacionais, culturais e sociais, é quase impossível. (…). É muito difícil você encontrar no Brasil [negros] que tenham atingido [uma situação igual à dos brancos em certos aspectos…]. Por quê? Porque o erro é de base. Porque depois que o Brasil fez seu festivo e retórico 13 de maio, quem cuidou da educação do negro? Quem cuidou de integrar esse negro liberto à sociedade brasileira? A Igreja? Era inteiramente ausente. A República? Nada. A nova expressão de poder econômico do Brasil, que sucedia ao poder patriarcal agrário, e que era a urbana industrial? De modo algum. De forma que nós estamos hoje, com descendentes de negros marginalizados, por nós próprios. Marginalizados na sua condição social. […]. Não há pura democracia no Brasil, nem racial, nem social, nem política, mas, repito, aqui existe muito mais aproximação a uma democracia racial do que em qualquer outra parte do mundo”.

E ao prefaciar a obra Religião e Relações Raciais, de René Ribeiro, Gilberto Freyre mais uma vez afirmou:

“Tão extremada é tal interpretação como a dos que pretendam colocar-me entre aqueles sociólogos ou antropólogos apenas líricos para quem não houve jamais entre os portugueses, nem há entre brasileiros, preconceito de raça sob nenhuma forma. O que venho sugerindo é ter sido quase sempre, e continuar a ser, esse preconceito mínimo entre portugueses — desde o contato dos mesmos como os negros e da política de assimilação, do Infante – e brasileiros, quando comparado com as outras formas cruas em vigor entre europeus e entre outros grupos. O que daria ao Brasil o direito de considerar-se avançada democracia étnica como a Suíça se considera — e é considerada — avançada democracia política, a despeito do fato, salientado já por mais de um observador, de haver entre os suíços não raros seguidores de (…) idéias políticas de antidemocracia”.

O fato de não haver se filiado à corrente maniqueísta esposada por alguns dos líderes negros talvez tenha custado muito caro ao sociólogo. Mas a verdade é que Freyre bem conhecia a realidade estadunidense, a tal ponto de não poder associá-la, nem aproximá-la, da realidade brasileira. Usualmente Freyre tecia considerações sobre as diferenças entre o sistema de segregação institucionalizada, operada nos Estados Unidos e o racismo praticado no Brasil. Nesses termos, afirmava:

“Não é que inexista preconceito de raça ou de cor conjugado com o preconceito de classes sociais no Brasil. Existe. Mas ninguém pensaria em ter Igrejas apenas para brancos. Nenhuma pessoa no Brasil pensaria em leis contra os casamentos inter-raciais. Ninguém pensaria em barrar pessoas de cor dos teatros ou áreas residenciais da cidade. Um espírito de fraternidade humana é mais forte entre os brasileiros que o preconceito de raça, cor, classe ou religião. É verdade que a igualdade racial não se tornou absoluta com a abolição da escravidão. (…). Houve preconceito racial entre os brasileiros dos engenhos, houve uma distância social entre o senhor e o escravo, entre os brancos e os negros (…). Mas poucos aristocratas brasileiros eram rígidos sobre a pureza racial, como era a maioria dos aristocratas anglo-americanos do Velho Sul”.

Fonte: Instituto millenium

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