Por Juan Y. Koffler A.
A década de 1960 foi emblemática como fundamentação para o statu
quo ora vigente no planeta, nomeadamente quando a análise recai sobre o
continente sul-americano, ainda que não exclusivo deste. Os fatores que
interferem nesta assertiva são múltiplos, não obstante possam ser condensados
em apenas um: a dependência ideológica latino-americana ao pensamento
predominante à época, estampado na famigerada declaração do furibundo ditador
cubano, Fidel Castro, e seu escudeiro-mor, Ernesto “Che” Guevara.
Um chavão popular ecoava pelos quatro cantos do nosso continente: “Soy
marxista-leninista y seré marxista-leninista hasta el último día de mi vida”,
bradava ensandecido o autocrata Castro, enquanto todas as emissoras de rádio –
exceções feitas a raríssimas e renitentes emissoras “reacionárias” (sic) – o
reproduziam incansavelmente, infestando as frágeis e facilmente manipuláveis
mentes de educadores e educandos em sentido lato. A juventude, sem realmente
saber o porquê, exultava, bradava de forma animalesca, agredia, depredava, ao
som da insanidade castrista.
França (essa inesgotável e histórica fonte revolucionária) ditava o tom
revoltoso para o mundo. Maio de 1968 tornou-se um marco referencial na história
dessa grande e culta nação (um paradoxo), contagiando todo o Ocidente. Nada
menos que dez milhões de grevistas e um milhão de estudantes paralisam o país
durante um longo e conturbado mês (o “maio vermelho”). Sequer o PC francês
consegue atender à reivindicação social maciça, denotando às claras seu papel
como mera sucursal do stalinismo soviético. Foucault irá demonstrar isto em
sua festejada obra “Vigiar e punir” (1975).
Dito movimento em nosso continente se espalha tal qual um rastilho de
pólvora. Eclodem conflitos de toda natureza, realimentando (e sobrevalorizando)
o pensamento revolucionário cubano que incitava ao motim social. Note-se neste
detalhe outro aspecto paradoxal: a maioria dos estudantes revoltosos e dos
grupos de trabalhadores irascíveis sequer compreendia o que os movia a tal
promoção anárquica; se se perguntasse o motivo a um número aleatório deles (como
este escriba o fez à época), invariavelmente a resposta seria fugidia, vaga,
não raro centrando-se na reprodução impensada, irracional, das frases de ordem
deglutidas à revelia. Descobrir isto era até fácil demais: bastava que se
fizesse uma pergunta algo mais profunda (v.g., “o quê você espera de um
governo comunista?”), para que se recebessem respostas idiossincráticas, repetidas
ao modo ‘papagaio’.
Outro aspecto que merece destaque – cuja vigência perdura até o tempo
presente e promete eternizar-se – é a brutal dissonância entre o discurso e a
prática (novo paradoxo). Desde seu nascedouro, o marxismo-leninismo defende um
discurso teorético que seus próprios discípulos decididamente não o praticam,
muito menos o compreendem. E isto se deve a uma característica de cunho
genético-filosófico que acompanha o ser humano desde priscas eras: seu exacerbado individualismo. Não há como considerar-se um verdadeiro
exemplar de homem livre àquele ser individualista “apaixonado por um ideal
social, político ou religioso que prescinde dos que não coincidem com ele ou
trata de impor-lhes suas ideias e seus interesses erodindo a liberdade dos demais”.
Hegel (1953), ao analisar o comportamento dominante durante a Revolução
Francesa, refere à liberdade autodestrutiva ou liberdade irreal como
aquela em que o sujeito “trata de transformar o mundo movido exclusivamente por
seus interesses subjetivos em contenda com a liberdade dos outros”.
Tampouco pode se adjetivar como livre o indivíduo que, acomodado num conformismo
amorfo, ou ainda, paralisado pelo temor, submete-se injustificadamente às
pressões ou às ordens de outrem.
O que é possível inferir-se de todo o exposto? Que a defesa desvairada e
cega de ideologias – a exemplo do marxismo-leninismo, apenas para ficarmos no
cerne desta discussão – advém do caráter egocêntrico do ser humano que persiste
em ver a realidade através de uma perspectiva própria (ou incutida), o que não
lhe permite diferencia-la darealidade fática (sentido lato) que o rodeia.
“Entender cabalmente a realidade supõe situar-se frente a ela e tomar
consciência de si próprio como algo distinto, ainda que vinculado a essa
realidade”.
Em sentido prático, a verdadeira lavagem cerebral e doutrinamento forçado a
que são submetidos os adictos do marxismo-leninismo lhes cega em tal grau que,
a partir de um determinado ponto de conscientização forçada (fixação
repetitiva) passam a assumir como assentadas mentiras travestidas de
realidades. O discurso ininterrupto, persistente e monocórdio se encarrega de
sedimentar taisrealidades (sic) até que, nas mentes instáveis dos ouvintes
frágeis e despersonalizados, tornam-se verdades insofismáveis. O curioso,
neste infausto procedimento de doutrinação, é o número pouco significante dos
que se arriscam a contraditar fundamentando suas dúvidas, e que acabam por
sucumbir sob o peso truculento e abusivo dos principais algozes, à grosseira
pecha de traidores.
Permito-me, neste momento do texto, reproduzir um trecho do artigo da
lavra do jornalista José Reinaldo Carvalho,
editor do “Portal Vermelho”, com o intuito de ilustrar o afirmado no parágrafo
anterior, lembrando ao leitor o fato de este excerto transcrito corresponder
apenas a um microscópico grão de areia, na vastidão imensurável do deserto
discursivo de milhões de indivíduos como ele, a serviço da mentira e da
enganação desvairada e descarada, em prol do marxismo-leninismo hediondo e
odioso. Assevera este senhor:
[...] 70 anos depois da vitória dos povos contra o nazi-fascismo, a
burguesia e o imperialismo continuam a perpetrar monstruosidades, o
sistema capitalista exibe as suas incuráveis chagas e lancinantes contradições,
os direitos dos trabalhadores são vilipendiados, a insegurança quanto ao
futuro da humanidade é persistente, o direito internacional é aviltado, a paz é
ameaçada e o perigo de guerra é corriqueiro e banalizado. [todos os grifos
são nossos]
Quanta ousadia e quanta ignorância! Quão fácil é perverter a ignara
plebe, sedenta por ser enganada, pisoteada, subvertida. “Monstruosidades”,
senhor jornalista, são todas as práticas levadas a termo pelas forças de Fidel
e Che Guevara naquilo que cognominaram de “revolução” (melhor seria morticínio
desvairado) e que se assemelha mais ao sequestro de todo um povo, mantendo-o em
grilhões durante 56 longos anos, assassinando sumariamente os que se insurgiam
contra as imposições ditatoriais dos celerados comandantes, expropriando-lhes
todos os seus bens e direitos fundamentais, a começar pelo mais sagrado deles,
lavrado a ferro e sangue em cláusula pétrea universal: o direito à liberdade.
“Monstruosidades” são os atos irracionais e doentios dos dinásticos
norte-coreanos, Kim Il-sung, Kim Jong-un e Kim Yong-nam, autoproclamados
líderes supremos e eternos, auto-investidos do direito de assassinar qualquer
um que se aventure na ousadia de se opor a regime tão hediondo e destrutivo.
“Monstruosidades” foram os atos covardes dos mentores da Revolução Bolchevique
de 1917 (Rússia), quantificando nada menos que 20 milhões de mortos, em nome
das grosseiras e doentias elucubrações de indivíduos como Lênin, Stálin e seus
ensandecidos asseclas seguidores. Um quadro extraído da obra editada por
Stéphane Courtois (“Le livre noir du communisme: Crimes, terreur, répression” – 1997)
expõe alguns números que bem comprovam o que são monstruosidades perpetradas
durante os governos que regiam-se (e assim persistem) pelo terror:
Mortos pelo regime comunista – por ordem decrescente:
República Popular da China: 65 milhões
União Soviética: 20 milhões
Coreia do Norte: 2 milhões
Camboja: 2 milhões
África: 1,7 milhões
Afeganistão: 1,5 milhões
Vietnã: 1 milhão
Regimes comunistas Europa Oriental: 1 milhão
Cuba e outros países de América Latina: 150 mil (mínimo estimado)
Num total aproximado de 100 milhões de inocentes (94 milhões,
350 mil indivíduos, resultante da soma dos números ora expostos), o tão
propalado regime comunista (marxista-leninista) exterminou até o
presente nada menos que 1,5% da população mundial atual, o que,
convenhamos, é número assaz considerável, quando observado sob o corte de uma Ideologia do
Imbecil Coletivo, termo cunhado pelo brilhante pensador Olavo de Carvalho.
Comparativamente, ainda, vejam-se estes outros parâmetros: (1) na I
Guerra Mundial houve um total de baixas da ordem dos 11 milhões; (2) na II
Guerra Mundial, esse número ascendeu a pouco mais de 72 milhões; o conflito
USA-VIETNÃ ceifou a vida de aproximadamente 1,5 milhão de vietnamitas (civis e
militares) e 60 mil militares norte-americanos; (3) na Guerra Civil Chinesa
(1928-1936) houve um total de baixas de 2 milhões de militares; na segunda
versão desse conflito entre nacionalistas e comunistas (1946-1949), o número de
baixas alcançou quase 3 milhões; (4) os dois conflitos armados sino-japoneses
(1894-1895/1937-1945) ceifaram uma média de 2,5 milhões (dos quais 500 mil eram
comunistas).
Grosso modo, todos estes conflitos não alcançaram o total de mortos pelo
regime comunista exposto no quadro destacado acima; praticamente, chegaram
apenas mui próximo dos 100 milhões de vítimas (93,7 milhões de mortes).
Comparativo que remete a sérias reflexões a partir de uma questão: quem
matou mais até agora, o regime comunista ou o somatório dos demais conflitos –
as duas Grandes Guerras e os conflitos localizados?
A resposta está claramente expressa nos números acima, desde que
considerada criteriosamente a variável que interfere em cada grupo de
conflitos: os derivados do comunismo são puramente ideológicos (o
que, convenhamos, é um absurdo contrassenso), enquanto os outros se fundam em
raízes marcantes de disputa territorial, disputa pura de poder político
hegemônico, etc.
Abrindo um breve parêntesis, necessário destacar-se que a belicosidade é
parte inerente ao ser humano, é uma falha de projeto (como defendo em
minha tese de 1976:“O homem: esse projeto mal-acabado”) intimamente ligada à
sua ânsia de poder, de sobreposição em relação aos seus semelhantes, de busca
extenuante pela supremacia social. Esta característica, essencialmente humana,
denota sua aversão à vida em sociedade, um dos grosseiros cancros que
corroem a espécie. Em suma, ela é autodestrutiva e heterofágica (por
simples analogia). Autodestrói-se e também destrói a vida em seu entorno, lato
senso.
Daí que as palavras do jornalista José Reinaldo Carvalho – supracitadas
– são inaplicáveis a estratos ideológicos específicos, visto sua asserção estar
equivocada ao estratificar tendências político-ideológicas em de
direita e de esquerda. Nada mais obtuso e infundado. Mera retórica
andrajosa que serve aos interesses vis do espúrio sectarismo comunista e todo o
seu aparato alienante.
Desafio o leitor a que exponha, com exemplos concretos e incontestáveis,
uma (e apenas uma) nação regida pelo sistema comunista que seja representativa
de um modelo social irretocável, justo, equânime – como apregoam os
discursos ensandecidos dos falsos líderes dessa verdadeira seita fanática.
Não a encontrarão, simplesmente porque é utópica. China, Vietnã do
Norte, Coréia do Norte, Rússia, Venezuela, Equador, apenas para ficar nestes
exemplos emblemáticos, são nações conturbadas, ditatoriais, de governos
truculentos e ensandecidos, cuja “justiça social” inexiste e, em seu lugar,
erguem-se modelos de submissão total e incondicional da população aos desígnios
nada louváveis dos seus mandatários despóticos. Onde reside, então, a
“vantagem” (sic) de sua supervalorização em relação ao modelo capitalista? O
silêncio é a melhor resposta.
À guisa de encerramento, vale duplamente sublinhar o maior paradoxo do
discurso marxista-leninista: a grosseira dicotomia povo x governo. Ao povo
cabe ser incondicionalmente submisso para fazer jus ao mínimo
indispensável à sua existência (alimentação básica, saúde básica, educação
básica, lazer básico...) e ao governo (e aos seus arautos) lhe é permitido extrapolar
em todos os aspectos, a fim de poder satisfazer(sic) as necessidades
básicas do povo.
Curioso, não? Se o comunismo se apresenta como uma “ideia
reguladora” (ao estilo de Kant), o marxismo colide frontalmente com essa
concepção, ao defender sua tese de pretender ser um “movimento efetivo que
suprime o estado atual das coisas”,
assumindo os contornos de uma crença moral, no sentido de autojustificar-se
como ator da causa da emancipação de um povo. Algo deveras inusitado.
Concluo com uma reflexão:
Se o Estado e o capital (como afirma o pensamento comunista)
pretensamente são responsáveis pela monopolização das forças da sociedade, a
criação de um Estado controlado por um Partido (o comunista) não representaria
similar monopólio das forças sociais, mas agora com o agravante da obediência
cega e do trabalho escravo?
Com a palavra, o leitor.
Juan Y. Koffler A. é
Professor Doutor, Cientista Jurídico-Social, Professor-Orientador Mestrado
& Doutorado (Professor de Metodologia Científica da Investigação),
Escritor, Sociólogo, Autor da tese de doutorado “O homem: esse projeto
mal-acabado” (1976 – Universidad Complutense de Madrid), Autor de várias obras
(“Ira dos Tempos”, “Central de Negócios”, “Empresa ou Inferno Familiar?”
[organizador/revisor], “Direito à Vida, Direito à Morte” [em revisão, no prelo],
dentre outras), Articulista internacional, Tradutor
Trilíngue. Contato: johnny.koffler@gmail.com – Site: http://www.militar.com.br/blog-de-jkoffler-19592.
SÁNCHEZ, Maximiliano. Foucault: la revolución imposible. San
Juan, AR: Effha Editora, 1997.
ALONSO-FERNÁNDEZ, Francisco. El
hombre libre y sus sombras: una antropología de la libertad. Los emancipados y
los cautivos. Barcelona, ES: Anthropos Editorial, 2006, p. 135.
CARVALHO, José Reinaldo. Repetimos
Fidel, pelo direito de sermos marxistas-leninistas. In: “Portal Vermelho”.
Disponível em: http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=6856&id_coluna=71.
Acesso em: 06.junho.2015.
COURTOIS, Stéphane et al. Le livre
noir du communisme: Crimes, terreur, répression. Paris, FR: Éditions
Robert Laffont, 1997.
LAVAL, Christian; DARDOT,
Pierre. Común: Ensayo sobre la revolución del
siglo XXI. Barcelona, ES: Editorial GEDISA, 2015 [documento eletrônico,
s/p].
Fonte: Alerta Total
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