Por
Patrick Barron
Os
direitos naturais do homem e os limites do governo
Em seu livro A Lei,
Frédéric Bastiat apresenta a irrefutável máxima de que os direitos do indivíduo
antecedem a formação do estado. Os direitos do indivíduo já existiam
antes da criação de qualquer aparato estatal e político. Logo, a ação
coletiva do estado não pode se chocar com — muito menos renegar — os direitos
prévios do indivíduo.
De acordo com
Bastiat, o indivíduo pode delegar ao estado somente aqueles poderes que ele
próprio já possui. Sendo assim, o indivíduo não tem o direito natural de
obrigar outro indivíduo a fazer caridade, por exemplo. Dado que eu não
posso coagir você a fazer uma caridade que eu queira, o governo também não pode
obrigar você a fazer uma caridade que ele queira. Por essa mesma lógica,
o governo não pode obrigar você a repassar parte do seu dinheiro para
absolutamente ninguém — empresários, grupos de interesse, funcionários públicos
ou pessoas que recebem assistencialismo — que você não queira. No
entanto, é exatamente isso que ele faz.
Digamos que
você desaprove que o governo dê dinheiro para uma causa que você pessoalmente
abomine. Você não iria muito longe caso tentasse argumentar que, em
decorrência disso, você tem o direito de reduzir proporcionalmente a quantidade
de impostos que você paga. Se você insistisse nessa recusa de repassar
parte do seu dinheiro para o governo, ele simplesmente irá confiscar seus
ativos. E se você tentasse proteger seus ativos e resistisse ao confisco,
o governo simplesmente iria matá-lo.
No entanto,
dentro do contexto dos direitos naturais, o governo não tem absolutamente
nenhuma justificativa para forçá-lo a dar dinheiro para qualquer pessoa ou
grupo de pessoas que você não aprove ou que você não financiaria
voluntariamente.
A justiça verdadeira e o imperativo categórico
Talvez haja uma
justificativa superior que dê ao estado o direito de violar nossos direitos
naturais e confiscar nossa propriedade coercivamente para o benefício de
terceiros. Para esta justificativa, recorreremos a dois filósofos:
Immanuel Kant e T. Patrick Burke.
Comecemos com
Kant. Ainda não há melhor expressão da nossa concepção de justiça
verdadeira do que aquela formulada por Kant em sua explicação sobre o
"imperativo categórico". Um imperativo categórico nos diz o que
devemos fazer incondicionalmente, e se aplica a todas as pessoas, em todos os
lugares, e a qualquer momento. Um imperativo categórico não deriva seu
poder de nenhuma autoridade; apenas da razão pura.
Kant faz uma
distinção entre esse imperativo categórico e um imperativo hipotético, como,
por exemplo, uma "necessidade" pela qual passa uma pessoa.
Embora um determinado imperativo hipotético possa ser válido — por exemplo,
"pobres viveriam melhor caso recebessem auxílios governamentais" —,
ele jamais pode ser objetivo. Ele fornece uma causa apenas para aqueles
que são afetados por essa política: no caso, os pobres. Só que fornecer
auxílios governamentais para os pobres não pode ser uma ação incondicional, que
se aplica a todas as pessoas, em todos os lugares, a todo o momento.
Em seu livro
introdutório sobre Kant, Roger Scruton explica que há cinco variações do
imperativo categórico. As duas primeiras são as mais importantes para
nossos propósitos aqui. A primeira variante é a Regra de Ouro, Mateus
7:12: "Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes
façam; pois esta é a Lei e os Profetas". Ela se baseia puramente na
razão.
A segunda
variante é aquela que diz que todos os homens devem ser tratados como fins em
si mesmos, e não como meios. Seres racionais são um fim em si mesmos e
jamais meramente meios para algum outro fim ou um meio para se alcançar os fins
desejados por alguns outros homens. Por essa lei natural, mesmo se todas
as pessoas de uma determinada comunidade, exceto uma, decidirem que
todos devem doar para a caridade, o imperativo categórico negaria ser justo e
correto que estas pessoas coagissem aquele único indivíduo que optou por não
doar. Essa comunidade de indivíduos estaria tratando este único indivíduo
como um meio — um simples objeto — e não como um fim em si mesmo, ou seja, um
ser racional com dignidade humana.
O professor T.
Patrick Burke acrescenta um importante adendo à injusta natureza da coerção
estatal que visa à caridade. Ele persuasivamente argumenta que o ato de
se recusar a ajudar alguém em necessidade não é injusto, pois a não-ajuda fará
com que aquela pessoa necessitada fique na mesma situação de antes. O ato
de recusar a ajuda não agrava a situação do necessitado. Se por acaso
algum conceito superior de justiça nos obrigasse a ajudar todas as pessoas que
viessem a nós suplicando por ajuda, passaríamos então a ser escravos de toda a
humanidade, e isso seria uma clara violação do imperativo categórico:
passaríamos a ser vistos como meios e não como fins.
A impossibilidade do cálculo econômico pelo estado
Em 1920, Ludwig
von Mises publicou uma devastadora crítica ao então emergente movimento
socialista. Em aproximadamente 50 páginas, O Cálculo Econômico sob o Socialismo explica que, sem a propriedade privada
dos meios de produção, o cálculo econômico é impossível. Mises explicou
que, nesse arranjo, nenhum governo é capaz de saber o que produzir, quanto
produzir, e quais recursos utilizar para produzir qualquer que seja o produto,
pois somente aqueles que são proprietários dos meios de produção podem
utilizá-los racionalmente.
Resumidamente,
o argumento é o seguinte: a propriedade comunal dos meios de produção (por
exemplo, das fábricas) impede a existência de mercados para bens de capital
(por exemplo, máquinas). Se não há propriedade privada sobre os meios de
produção, não há um genuíno mercado entre eles. Se não há um mercado
entre eles, é impossível haver a formação de preços legítimos. Se não há
preços, é impossível fazer qualquer cálculo de preços. E sem esse cálculo
de preços, é impossível haver qualquer racionalidade econômica — o que
significa que uma economia planejada é, paradoxalmente, impossível de ser
planejada.
Sem preços, não
há cálculo de lucros e prejuízos, e consequentemente não há como direcionar o
uso de bens de capital para atender às mais urgentes demandas dos consumidores
da maneira menos dispendiosa possível. Em contraste, a propriedade
privada sobre os meios de produção e a liberdade de trocas resultam na formação
de preços, os quais refletem as preferências dos consumidores e permitem que o
capital seja direcionado para as aplicações mais urgentes.
No socialismo,
o czar econômico não está gastando seu próprio dinheiro e não está colocando
seus próprios produtos à venda no mercado. Logo, como pode ele
racionalmente decidir o que fazer? A resposta de Mises é que ele não
pode.
Dado que o
governo é formado por indivíduos que não estão gastando seu próprio dinheiro ou
colocando seus próprios produtos à venda no mercado, não há como eles serem
capazes de decidir racionalmente qual tipo de caridade deve ser feita pelo
estado. Logo, eles inevitavelmente cederão e recorrerão àquilo que pode
ser chamado de relações corruptas: ajudar amigos, empresas favoritas e
empresários bem relacionados, os quais irão retribuir com fartas doações de
campanha. Esse comportamento foi muito bem descrito pela "teoria da
escolha pública", a qual explica que as ações de indivíduos dentro do
governo são guiadas pelas mesmos interesses e motivações que existem em todas
as outras áreas da vida, ridicularizando a ideia de que aqueles que estão no
governo possuem considerações éticas mais elevadas.
Conclusão
No final, todo
e qualquer arranjo assistencialista — bem como todo e qualquer arranjo que se
baseie na retirada de dinheiro de um grupo de pessoas e sua subsequente
redistribuição para outro grupo de pessoas — só pode ser imposto de maneira
coerciva. Não há qualquer outra justificativa que não seja a força bruta.
Ninguém possui
um direito natural de exigir nossa propriedade e nosso trabalho. Não há
nenhum imperativo categórico que exija a ajuda a terceiros e não há nenhum
imperativo categórico que nos intimide e nos deixe constrangidos por recusarmos
a "ajudar" terceiros, sejam eles miseráveis ou poderosos empresários.
E não há nenhum
tipo de cálculo econômico racional que possa determinar quais caridades e quais
programas o estado deve praticar e em que grau.
Patrick Barron é consultor privado da
indústria bancária. Ele leciona na
pós-graduação da Universidade de Winsconsin, Madison, na área de sistema
bancário, além de ensinar economia austríaca na Universidade de Iowa, onde vive
com sua esposa.
Fonte MisesBrasl
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