Entrevista com
o filósofo Roger Scruton
O que é a “franqueza britânica”? Se
não é verdade que todos os britânicos a possuem, é fato que o filósofo inglês
Roger Scruton é portador de uma sinceridade sem igual. Um dos pensadores mais
famosos da atualidade, Scruton é conhecido na Europa como o “enfant-terrible”
da Filosofia, defensor de idéias polêmicas mas, na verdade, muito antigas – sua
polêmica vêm de serem clássicas.
Roger Scruton é
autor de mais de 30 livros de Filosofia, dois romances, compositor de duas
óperas e já fez documentários para a BBC de Londres. Professor há muitos anos,
não há quem saia de suas aulas sem algum espanto pela sua erudição, que caminha
tranqüila dos primórdios da Filosofia até os dias atuais.
Scruton é sempre
convidado para as principais rodas de debate intelectual na Europa e no mundo
inteiro. Uma palavra autorizada se se quer ouvir algo diferente.
Foi também
convidado pela Revista Vila Nova para uma entrevista, que ele gentilmente
concedeu. O resultado vem a seguir.
Você é filósofo e
um dos seus principais objetos de estudo é a Estética. De onde surgiu esse
desejo de se questionar sobre a Beleza?
Eu descobri a arte,
a música e a literatura quando era adolescente e fiquei intrigado com seu poder
e seus significados. Por que elas têm um efeito tão profundo e transformador em
nós e o que elas dizem sobre o mundo em que vivemos?
Qual o lugar da
Beleza em nossas vidas?
Cabe a você decidir
o lugar que a beleza pode ter em sua vida. Ultimamente, entretanto, a beleza
abre um caminho à reconciliação, à aceitação do mundo como um lar e ao
reconhecimento de que pertencemos a ele, com a tarefa de cuidar do que vamos
encontrar.
Em seu documentário
para a BBC de Londres, “Why Beauty Matters?” (“Por que a Beleza importa?”),
você cita Oscar Wilde: “Toda beleza é absolutamente inútil”. Qual o sentido da
inutilidade da Beleza? Os homens precisam de “valores inúteis”?
Todas as coisas
mais importantes da vida são inúteis: amor, amizade, devoção, paz – essas são
coisas que apreciamos pelo que são e não pelo uso que podemos fazer delas. Sim,
nós precisamos de coisas inúteis uma vez que precisamos aprender como encontrar
valores intrínsecos. E então o mundo tem um significado para nós e não apenas
uma utilidade.
De certa forma,
esse culto da utilidade também atingiu a Filosofia e a Religião, não?
Sim, o culto à
utilidade assola o nosso mundo, minando até mesmo as coisas contra as quais as
pessoas têm tentado erguer barreiras. Parte do problema é o domínio da
tecnologia que nos influencia a pensar que todo o conhecimento e todas as
descobertas dizem respeito a modos de manipular o mundo e o
moldar a nossos propósitos. Mas há também o contemplar o mundo, encontrar nossa
paz e consolo nele.
Você fala que a
arquitetura moderna foi o maior crime já consumado contra a Beleza. Por quê?
Eu acho que você só
tem que usar seus olhos para ver o que quero dizer. É um estilo de arquitetura
que surgiu colocando a função, a utilidade e os efeitos de curto prazo no lugar
do povoamento, da permanência e da moradia. A arquitetura moderna é um tipo de
“falta de lar”, uma profanação à morada humana.
Sobrará algo de
valor da arquitetura e da arte moderna?
Sim. Existe boa
arquitetura moderna também – as casas de Frank Lloyd Wright, a capela de
Ronchamp e muitos outros exemplos. Mas estão em uma escala pequena, quase
objetos artesanais que retornam à verdadeira meta da arquitetura, que não é se
destacar, obliterar e colocar o mundo em uma grade de linhas horizontais, mas
adequar-se, harmonizar-se para tratar a Terra e seus contornos como um lugar de
moradia.
Do mesmo modo,
existe boa arte moderna e esta ainda está sendo produzida por esses pintores
figurativos que reconhecem a necessidade de mostrar o significado interior de
nosso mundo.
Uma de suas teses
em “Why Beauty Matters?” é que a cultura pós-moderna não quer mostrar a
realidade; quer se vingar dela. Como se dá isso?
Quando as pessoas
são incapazes de encontrar consolação, elas se vingam de si mesmas e do mundo
tentando mostrar que a consolação é impossível. Nós projetamos nossas próprias
falhas morais no mundo de forma a nos provermos de uma desculpa para ter estas
falhas. Assim, quando as pessoas são incapazes de amar, elas descrevem o
próprio mundo como “sem amor” e “impossível de ser amado”.
E qual a relação
entre Beleza e Amor?
A Beleza é um
objeto do Amor e quando as pessoas permitem que o espírito do amor cresça
nelas, elas também se abrem para a beleza. Isso é conhecido desde Platão, mas
como explicá-lo exatamente e em termos sóbrios e realísticos é uma das grandes
missões da filosofia.
Durante muito tempo
a arte foi usada como meio de comunicar o Sagrado, mas hoje não mais. Beleza e
Religião se comunicam?
O Sagrado e o Belo
estão conectados em nossos sentimentos – ambos nos mandam ficar atrás, ser
humildes e abandonar nosso desejo inato de poluir e destruir. Eu penso que
vários artistas hoje, independentemente de terem ou não crenças religiosas, têm
um senso de que o que há de melhor em sua arte é o ato de consagração. Você
encontra esse tema nos quartetos de cordas de George Rochber, na arquitetura de
Quinlan Terry, nas pinturas de Andrew Wyeth.
Você montava
universidades clandestinas na Europa Central em plena época de comunismo
soviético. Como foi essa experiência? O que faziam por lá?
Foi uma experiência
inspiradora ensinar jovens que queriam aprender, que viram o aprendizado e a
verdade conectados e que reconheceram que a verdade pode ser perigosa. Meus
colegas e eu fizemos nosso melhor para providenciar uma educação humana e
geral, trabalhando secretamente em casas particulares. A história é,
entretanto, muito longa e complexa para ser contada rapidamente. Ela já foi
escrita por Barbara Day em The Velvet Philosophers (N.E. “Os
Filósofos de Veludo”, sem tradução para o Brasil).
Hoje parece que
quem queira ter uma verdadeira cultura universitária também precisa ser
clandestino. Quem foge do establishment e da “cultura oficial” está
fadado ao fracasso nas universidades. Pelo menos aqui no Brasil essa parece ser
a realidade. O que você tem a dizer sobre isso?
Você está certo e
isso é algo que eu aprendi através do trabalho clandestino no Leste Europeu.
Educação real sempre é, em certa medida, subversiva. A posição padrão da
humanidade é a conformidade ideológica e a busca da verdade é sempre
ameaçadora. Hoje nós vivemos em um mundo com valores socialistas moderados,
aceitação acrítica da igualdade e uma suspeita institucionalizada para com o
sucesso, a distinção e a alta cultura; este tipo de coisa tomou conta de nossas
universidades. Hereges são perseguidos, como sempre foram, e os mesmos têm que
trabalhar secretamente ou em algum grau de privacidade. Mas eles também se
alegram com isso, pois esta é a prova de que estão certos.
Você escreveu um
livro chamado “A Political Philosophy: Arguments for Conservatism” (N.E. “Uma
Filosofia Política: Argumentos para o Conservadorismo”, sem tradução para o
Brasil). Afinal, quais são os argumentos para o conservadorismo?
Aqui está a minha
resposta mais curta: conservadorismo significa encontrar o que você ama e agir
para proteger isso. A alternativa é encontrar o que você odeia e tentar
destruir. Certamente a primeira alternativa é um modo melhor de viver do que a
segunda.
Sobre o Islã e o
Ocidente. A relação entre os dois nunca parece ser muita harmoniosa. Por que
existe esse “choque”?
O conflito
fundamental é entre, de um lado, uma religião que deseja ser também um sistema
completo de governo fundada em um Direito sagrado e, do outro, sociedades que,
enquanto fundadas em uma revelação religiosa, fazem suas Leis e seu governo para
si mesmas. O Islã não pode aceitar a jurisdição secular e não pode tolerar
formas de governo que marginalizem a obediência religiosa. Por isso não pode,
no fim, aceitar o mundo moderno.
O Papa Bento XVI
insistia muito em recuperar as raízes cristãs do Ocidente. Em sua opinião, há
lugar para o Cristianismo na nova cultura ocidental?
Claro. A cultura
ocidental é uma criação do Cristianismo. Retire o Cristianismo e o que sobra de
Dante, Chaucer, Shakespeare, Racine, Victoria, Bach, Titian, Tintoretto…? E
isso ainda é verdadeiro hoje. Nossa cultura é fundada na visão central do
Cristianismo, que santifica o sofrimento, o dever do perdão, o ideal da
caridade e a visão da Virgem Maria, que guiou nossa concepção do sexo.
O que conhece da
cultura intelectual e filosófica do Brasil?
Nada, a não ser a
música de Villa Lobos e Luiz Bonfá, além do filme Orfeu Negro, que foi feito,
entretanto, por um francês. E, é claro, tem também Brasília, aquele ícone
internacional da alienação urbana.
Fonte:
Conservadorismo Brasil
seria interessante se tivesse o livro também... em português, claro.
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