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quinta-feira, 9 de julho de 2015

AS IDEIAS TÊM CONSEQUÊNCIAS – RICHARD M. WEAVER

“Há razões para afirmar que o homem moderno tornou-se um imbecil moral”- Richard Weaver

Existem alguns livros que pela importância de sua temática e pelo talento argumentativo de seu autor, se tornam indutores de fortes reações por parte do leitor, revolvendo conteúdos que já haviam sido dados como pacificados. É aquele tipo de livro que nos faz ter a sensação de que o autor se projeta das páginas e se posta em nossa frente, iniciando um diálogo contundente, provocando-nos o tempo todo, nos obrigando a pensar e admitir hipóteses que normalmente mantemos fora de nossa tela de análise, por acreditarmos justamente no oposto.

Atualmente, procuro ser muito seletivo com aquilo que chamo de “livros diagnóstico”, que abundam nas prateleiras das lojas que vendem livros (as livrarias são cada vez mais raras) e que abrangem os mais variados assuntos, tentando dar a cada um deles uma visão definitiva, uma “fotografia em alta definição da realidade”. São livros que expressam impressões, opiniões calcadas na credibilidade ou celebridade do autor, não raro conquistada em outra área que não a abordada no livro, mas normalmente carente de documentos, estudos e fontes que demonstrem e embasem suas opiniões. Se isto não desqualifica necessariamente a obra, ao menos exige algum critério, sob pena de nos perdermos num mar de opiniões contraditórias, umas tão válidas ou inválidas quanto as outras.

Richard Malcolm Weaver foi um intelectual americano que teve uma vida relativamente curta, 53 anos, mas marcou sua época com uma obra importante, sendo a mais impactante o clássico “Ideas Have Consequences”  de traço indiscutivelmente conservador, que expõe o declínio da civilização ocidental. Suas reflexões o levam a um diagnóstico bastante desalentador :  “Não existe termo apropriado para descrever a situação em que o homem se encontra agora, exceto a noção de “abismalidade”. Ele encontra-se num profundo e escuro abismo e não dispõe de nada que lhe permita erguer-se. Sua vida é uma prática sem teoria”.

Ora, não faltam autores e obras que se debruçam sobre esta noção de decadência à qual parece estarmos submetidos de maneira inexorável, mas Weaver apresenta, se não uma novidade, algo raro de se encontrar nos “livros diagnóstico” : uma visão otimista de que o mundo é inteligível ao homem e este declínio, é resultado de escolhas menos sábias que fizemos ao longo da história, que foram se acumulando, mas que, sobretudo, existem saídas para a humanidade.

O livro “As Ideias Têm Consequências”, foi publicado originariamente em 1948 e só o conheci através da tradução lançada no Brasil em março de 2012.  Contudo, o livro continua atual e já me atraiu fortemente pelo título, pois sinto-me vivendo numa época em que parece que esta noção, absolutamente óbvia, parece ser acintosamente ignorada. Basta acompanharmos as notícias do dia-a-dia para nos depararmos com a esquizofrenia do discurso de políticos, jornalistas, artistas, intelectuais, historiadores e demais agentes que possuem alguma voz na grande mídia. Mas não apenas isso : ouvimos as opiniões do cidadão comum em cada canto da cidade e raramente podemos identificar alguém que seja especialmente cuidadoso com aquilo que diz, profere, defende.

As ideias levam às ações e estas à consequências que são mais ou menos óbvias, mas que certamente, se não podem ser antevistas a montante, torna-se um sinal grave de idiotia não reconhecê-las a jusante ! É impressionante, por exemplo, que alguém que se dedique a estudar minimamente as ideias que sustentam qualquer “pensamento revolucionário”, sobretudo os que se abateram sobre o século XX, não levar em conta o ordenamento de consequências lógicas destas ideias sobre o conjunto da humanidade, mesmo depois delas terem se mostrado desastrosas inúmeras vezes.

Esta esquizofrenia nos leva aos pseudo-intelectuais que acreditam nas ideias de Marx, Lênin, Stalin, Mao, Gramsci, Fidel, mas não nas consequências que se abateram no mundo, deixando um rastro de mais de 120 milhões de mortos, como se fosse possível simplesmente amputar a ideia de suas consequências indesejadas, mantendo a ideologia como algo intocável em busca de um eterno devir.

Mas não é necessário nem desejável particularizar este fenômeno ao pensamento revolucionário ! O pensamento reacionário e conservador também produz seu montante de aberrações que são analisadas de maneira igualmente esquizofrênica, pauperizando o sentido de nossas vidas através da ficção monetarista, o consumismo e o capital que nos escraviza até o túmulo – nossa última morada, pela qual também teremos que pagar.

O livro de Weaver começa com uma crítica ao nominalismo do filósofo Guilherme de Ockham (séc. XIV) que pôs fim à ideia da existência de “universais”, ou seja, princípios que regem a natureza, incluindo a nós mesmos e que são percebidos pelo intelecto, substituindo-os pela realidade percebida exclusivamente pelos sentidos, rebaixando assim a dimensão do próprio ser humano àquilo que ele pode perceber, desconsiderando sua intuição e sua intelecção da realidade. Não é preciso dizer que tal idéia ganhou uma força ainda mais avassaladora a partir do Iluminismo e à abdicação do pensamento transcendental do humano em favor do racionalismo científico, que ao invés de lhe dar sentido, antes rouba-o, colocando no lugar o culto ao egoísmo e a ruptura da interligação com os outros indivíduos e com algo que transcenda seu próprio umbigo : É o princípio do fim de qualquer padrão moral.

Weaver localiza historicamente o “desvio” que a humanidade tomou a partir do momento em que passou a acreditar exclusivamente nos sentidos e consequentemente no materialismo e cientificismo para guiar sua vida : “ ...o homem não deveria guiar-se por uma análise científica que apele à impotência moral” .

Sob a égide da Liberdade e da Democracia, a humanidade vem cavando seu túmulo existencial, não obstante suas necessidades “espirituais” continuarem tão presentes como sempre : o culto ao Catolicismo deslocado para um sem número de denominações religiosas, seitas gnósticas e outras tantas crenças atestam que o humano não prescinde da necessidade de crer em algo além de si, ainda que, em situações extremas que beiram a demência, acaba acreditando no “si mesmo” como princípio organizador do universo.  Como disse brilhantemente G. K. Chesterton – “o problema de quem não acredita em Deus, é que ele tende a acreditar em todo o resto”  -  significa que um indivíduo que se diz ateu e ainda assim acredita num ideal político como sendo a  expressão da verdade, ou que um filósofo ou líder pode deter a verdade última a ponto de definir o futuro da história humana, ou no mercado como regulador universal das relações humanas, ou que uma bolsa de tal grife pode conferir atributos qualitativos a quem a usa, não é um ateu de forma alguma , apenas cultua outras coisas.

Minha grande dúvida, neste sentido, é porque não cultuamos algo como a Ética Humana, cuidamos primeiro da ecologia do ser humano, de sua psicologia atormentada e doentia, antes de falarmos em ecossistemas, religiões, economia verde ou ideologias de qualquer ordem. Deixamos de perceber algo que é gritante : nos maltratamos e maltratamos o outro em nome de um racionalismo imbecil, que não se sustenta para além de duas ou três perguntas - ainda que estas perguntas jamais sejam feitas. Afinal, qual foi a última vez que você se perguntou e tentou responder com sinceridade, se havia uma outra maneira melhor de agir do que aquela pela qual você optou ?
Neste sentido, Weaver aponta : “Parece-me que o mundo está agora, mais do que nunca, dominado pelos deuses da massa e da velocidade, e que o culto a eles pode conduzir apenas à diminuição dos padrões, à adulteração da qualidade e, em geral, à perda das coisas que são essenciais à vida da civilidade e da cultura. A tendência a olhar com suspeita para a excelência – tanto intelectual quanto moral – como algo “anti-democrático” não mostra sinais de diminuição.

O livro de Weaver não é muito extenso, mas é bastante abrangente se considerarmos a pretensão da obra. Seu texto passa pela organização social que tende cada vez mais à verticalização, a perda do sentido e do prazer do trabalho que foi transformado em sacrifício, a amputação das lições do passado, o igualitarismo que ignora o mérito, a pasteurização equivocada do talento humano que transforma a sociedade em massa e a substituição dos preceitos morais pelo cientificismo amoral. Ainda nos mostra a evolução da substituição de qualquer forma de transcendência ou ordem universal pelo utilitarismo e o pragmatismo e do talento artístico pela liberdade impositiva de todas as formas de expressão. Tratam-se de pontos polêmicos, que suscitam muitas divergências, como suscitaram em mim, mas é um excelente tratado para reflexão e sua atualidade depois de 64 anos do lançamento editorial, assim o demonstra.

Em vários capítulos, peguei-me em franca discussão com o autor, SUBLINHANDO-O e  apontando meus argumentos, sobretudo pelo fato de que o próprio desvio das “escolhas sábias da humanidade” é ele mesmo não apenas uma possibilidade, mas uma consequência das mesmas ideias das quais se desviaram, posto que se fossem inequívocas, não haveria força suficiente para que os desvios se consolidassem. Não podemos nos esquecer que os valores transcendentais e as organizações hierárquicas do passado, escravizaram e usurparam milhões de pessoas, comprometendo sua própria legitimidade enquanto estrutura ideal da sociedade humana. Contudo, é impossível negar o argumento central do livro : As ideias, as escolhas e as ações têm consequências e é preguiça, falta de inteligência ou desonestidade, deixar de reconhecer as relações de causa e efeito entre elas.

AS IDEIAS TÊM CONSEQUÊNCIAS - RICHARD M. WEAVER - É REALIZAÇÕES EDITORA - 207 PÁGINAS

Duas observações : 1) Infelizmente esta edição contém muitos erros bobos de revisão, omissão de letras e alguns mais graves, o que me surpreende por não ser comum desta editora, que prima pela qualidade de seus livros.

2) A escolha da capa, em contrapartida, foi primorosa ! Difícil imaginar melhor escolha do que esta pintura de Brueguel para envolver esta obra de Weaver e sua temática, motivo pelo qual a reproduzo abaixo de forma integral.

BLIND LEADING THE BLIND - CEGO GUIANDO OUTRO CEGO (1568) - PIETRE BRUEGEL


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