Irmãos
humanos, permitam-me contar como tudo aconteceu. Não somos seus irmãos, vocês responderão,
e não queremos saber. É bem verdade que se trata de uma história sombria, mas também
edificante, um verdadeiro conto moral, garanto a vocês. Corre o risco de ser um
pouco longa, afinal aconteceram muitas coisas, mas, se calhar de não estarem
com muita pressa, com um pouco de sorte arranjarão tempo. Além do mais, isso
lhes diz respeito: vocês verão efetivamente que lhes diz respeito. Não pensem
que estou procurando convencê-los do que quer que seja; afinal de contas, cada
um tem sua opinião. Se resolvi escrever, depois de todos esses anos, foi para
expor as coisas para mim mesmo, não para vocês. Rastejamos por muito tempo
nesta terra como uma lagarta, à espera da borboleta esplêndida e diáfana que carregamos
dentro de nós. O tempo passa, a ninfose não chega, permanecemos larva, constatação
aflitiva, o que fazer? O suicídio, naturalmente, continua sendo uma opção. Mas,
para falar a verdade, o suicídio não me atrai muito. Pensei nisso, claro,
durante muito tempo, e se tivesse de recorrer a ele, eis como agiria: apertaria
uma granada contra o peito e partiria numa viva explosão de alegria. Uma granadinha
redonda da qual eu removeria o pino com delicadeza antes de soltar a trava,
sorrindo ao barulhinho metálico da mola, o último que eu ouviria, afora os
batimentos do coração nos ouvidos. E depois finalmente a felicidade, ou, em todo
caso, a paz, e as paredes do meu escritório enfeitadas com retalhos de carne. A
limpeza caberá às faxineiras, são pagas para isso, o problema é delas. Mas,
como eu disse, o suicídio não me atrai. Não sei por quê, aliás, talvez seja um
velho fundo de moral filosófica que me faz pensar que, afinal de contas, não
estamos aqui para nos divertir. Para fazer o quê, então? Não tenho idéia, para
durar, provavelmente, para matar o tempo antes que ele nos mate... continua...
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