Nos
três artigos anteriores, publicados no site do CIEEP respectivamente em 3 de
agosto, 21 de agosto e 3 de setembro de 2012, percorremos os quatro princípios
que devem ordenar uma sociedade virtuosa, a saber: o da "Dignidade da
Pessoa Humana", o da "Subsidiariedade", o do "Bem
Comum" e o da "Solidariedade".
Existe
uma relação de reciprocidade entre esses quatro princípios e os valores, uma
vez que estes expressam o apreço que se deve guardar para com diversos aspectos
do bem moral que os princípios objetivam alcançar, servindo como ponto de
referência para a estruturação e a ordenação da vida social. Os valores sociais
básicos são três, todos inerentes ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana, da
qual representam o que em economia chamamos de "variável
instrumental" e são: a "Verdade", a "Liberdade", e a
"Justiça".
A
VERDADE
Em
nossa tradição judaico-cristã todos os homens estão obrigados, desde Moisés, a
tender continuamente para a "Verdade", a respeitá-la e a dela dar
testemunho de modo responsável. Viver na "verdade" tem um significado
bastante especial nas relações sociais, porque ordena e alimenta a convivência
entre as pessoas e povos, de forma condizente com a dignidade pessoal.
Os
dias atuais, claramente, exigem de cada um de nós um enorme esforço educativo
-- podemos dizer, mesmo, um gigantesco empenho --, no sentido de promover a
busca da "Verdade" em todos os âmbitos e de sobrepô-la às inúmeras
tentativas de relativizar suas exigências e de tentar desmoralizá-la com base
em pseudoargumentos vestidos com a fantasia da "modernidade" ou com
meros xingamentos do tipo "falso moralismo".
É
dever de todas as pessoas de bem, religiosas ou não, inclusive para que
possamos preservar nossa própria dignidade, lutar pela busca da verdade, seja
no plano da verdade revelada, seja na cultura, na ciência, na economia, na
política ou em qualquer outro ramo das atividades humanas.
No
campo da economia as trocas que caracterizam os mercados devem pressupor esse
valor da verdade para que possam fluir em toda a sua intensidade. Para entender
isso, basta que imaginemos, por exemplo, os estorvos que um empreendedor teria
que enfrentar caso um fornecedor lhe desse sua "palavra de honra" de
que iria entregar sua mercadoria em determinada data e não cumprisse com sua
palavra.
A
LIBERDADE
Liberdade
sempre é um prato feito para todos, inclusive para os que desconfiam dela nos
campos da economia e da política, no sentido de que todos, sem exceção, sempre
se dizem favoráveis a ela. Mas devemos sempre analisar que conceito de
liberdade cada um desses que se declaram seus defensores tem em mente.
Já
escrevia São Paulo aos coríntios: "Ubi autem Spiritus Domini ibi
libertas" -- "onde está o Espírito do Senhor aí há liberdade" (2
Coríntios 3,17). A liberdade da pessoa humana é um sinal claro da imagem do
Criador e, por conseguinte, sinal de sua dignidade. O valor da
"Liberdade", como expressão da singularidade de cada ser humano, é
respeitado na medida em que se consente a cada membro de uma sociedade realizar
sua própria vocação individual, mediante suas próprias escolhas ao longo da
vida.
Nunca
devemos nos esquecer de que liberdade e virtude são indissociáveis, o que
significa, simplificando um pouco as coisas, que só faz sentido falarmos em
liberdade se a essa liberdade estiver associada alguma obrigação, que é a de
respeitar os direitos de terceiros. Um exemplo claro, cristalino, irrefutável é
a polêmica em torno da legalização do aborto, defendida tradicionalmente tanto
pela chamada "esquerda" como por alguns libertários radicais: é
verdade que a mulher deve ter a liberdade para dispor do próprio corpo como lhe
aprouver, isto é, de acordo com seus princípios morais ou com sua simples
vontade, mas é também verdade que se ela matar o feto que se desenvolve em seu
ventre estará agredindo um direito básico, que é o direito à vida desse futuro
bebê, que não lhe pertence e que já é uma pessoa humana, embora em formação,
dotada de vida e de dignidade; além disso, estará maculando também um direito
de propriedade, ao dispor sobre a propriedade de outrem, já que o feto, por
definição (e por mais que queiram negá-lo certos grupos defensores do aborto) é
proprietário de seu próprio corpo, mesmo estando este ainda em formação.
Notemos
neste exemplo que os defensores do aborto estão, segundo eles, defendendo a
liberdade, embora seu conceito de liberdade seja unívoco. Se por liberdade
entendermos simplesmente fazer o que nos dá na veneta, então poderíamos
justificar qualquer tipo de crime, dizendo, por exemplo, "Fulano matou, ou
estuprou, ou roubou" porque "teve vontade de fazê-lo".
É
evidente que o conceito de liberdade relevante é o que chamamos de
"liberdade situada", que leva em conta que todos nós temos que nos
deparar com leis, coisas, pessoas e tudo o mais que nos rodeia e ao qual não
podemos escapar, a não ser que resolvamos ser voluntariamente como Robinson
Crusoé. Assim, nossa liberdade é condicionada por tudo o que existia antes de
nós, ou seja, é uma "liberdade situada". Estamos limitados por nossa
natureza, por muitos condicionantes, como nossas próprias habilidades ou
talentos, inteligência, inclinações e debilidades, por nosso ambiente de
trabalho e pelas pessoas com quem convivemos ou com quem trocamos algo, mesmo que
a troca seja virtual, como o caso de uma compra pela internet.
A
JUSTIÇA
Subjetivamente,
a "Justiça" se traduz na atitude, determinada pela vontade livre, de
reconhecer o outro como pessoa e, objetivamente, no critério determinante da
moralidade no âmbito intersubjetivo e social. As formas clássicas de
"Justiça" são a comutativa, a distributiva e a legal. No que se
refere à última, no entanto, há que se fazer uma distinção entre a lei e o
direito, uma vez que nem tudo o que é legal é necessariamente justo. Na
antropologia cristã, a justiça, na verdade, não é uma simples convenção humana
-- a conceito de "Thesis" na linguagem de Friedrich August von Hayek
(1899-1992) --, pois aquilo que é "justo" não é determinado por
qualquer lei ou legislação formal, mas sim pela identidade profunda do ser
humano, tal como afirmou o papa João Paulo II no parágrafo 39 da encíclica
"Sollicitudo Rei Socialis" (30 de dezembro de 1987).
No
mundo de nossos dias, a importância da justiça parece maior, porque a sociedade
moderna vem mostrando uma tendência a ameaçar o valor, a dignidade e os
direitos da pessoa humana, mesmo disfarçando tal inclinação sob proclamações de
intentos aparentemente "justos", na medida em que tende a valorizar
exclusivamente os critérios de utilidade e de posse. Tal perigo tem se
manifestado, entre outros canais, pela chamada "doutrina do direito
alternativo", que dá aos magistrados o poder de, em nome do conceito de
"justiça" que lhes seja conveniente, promover a "justiça social".
É
preocupante quando uma doutrina sustenta que um juiz está acima da lei,
submetendo-a a suas preferências ideológicas ou partidárias individuais, sob o
pretexto de que seria dever do direito realizar "transformações
sociais", uma vez que a lei seria produzida pelos que estão no poder e,
portanto, refletiria os interesses da classe dominante (burguesia), em
detrimento do "proletariado". A "doutrina do direito
alternativo", também denominado de "direito paralelo" e
"direito insurgente", repudia os princípios consagrados de neutralidade
da lei e de imparcialidade do juiz. A lei não seria neutra porque se origina do
poder dominante e o juiz não deveria ser imparcial porque deve julgar os fatos
subjetivamente e posicionar-se tendo em vista objetivos "sociais" (ou
seja, "revolucionários"), o que lhe aumenta os poderes e lhe permite
questionar o conjunto de normais legais vigentes. O magistrado entra dessa
forma diretamente na "luta de classes", abandonando sua postura de
imparcialidade, que o "aprisionaria" dentro do estrito cumprimento da
lei.
É uma
visão ideológica do direito, supralegal e inteiramente comprometida com o
socialismo distributivista, além de incompatível com a garantia das liberdades
individuais. Primeiro, porque ao enfeixar o conceito marxista de "lutas de
classes", retira do direito o seu atributo de ciência normativa. Segundo,
porque o juiz não pode substituir o legislador. Terceiro, porque se uma
determinada lei é "injusta", o correto é que o legislativo a revogue
e não que o juiz a modifique de acordo com o que pensa com os seus botões.
Quarto, porque defender que juízes não sejam imparciais é uma agressão ao bom
senso. Quinto, porque lhes confere poderes exorbitantes, dotando-os de um livre
arbítrio que pode ser calamitoso. Sexto, como cada cabeça é uma sentença, abre
as portas para jurisprudências contraditórias, ou seja, para a insegurança
jurídica. Sétimo, nega o "princípio do devido processo legal", ou
seja, a garantia de que ninguém pode ser atingido em seus bens e direitos sem o
competente processo legal que respeite princípios constitucionais diretivos,
como o da legalidade, o da isonomia e o do contraditório.
Creio
que depois dessas considerações deva estar claro que esses três valores --
Verdade, Liberdade e Justiça -- estão associados à economia de mercado,
caracterizada pela ação humana voluntária ao longo do tempo dinâmico e em
condições de incerteza genuína. Não faz sentido pensarmos em mercados
funcionando com base na mentira, da falta de liberdade de escolha e da
injustiça. Na medida em que caminhamos para essas aberrações de valores,
estamos também indo em direção às economias planificadas.
Portanto,
no plano moral, quando consideramos os princípios e valores necessários para o
florescimento de sociedades livres e virtuosas, estamos implicitamente definindo
as instituições que lhes sejam conformes na economia e na política e é aí que
vemos que uma destas estas é, indubitavelmente, a economia de mercado.
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