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quinta-feira, 6 de abril de 2017

Os Valores de uma Sociedade Livre e Virtuosa

Por Ubiratan J. Iorio


Nos três artigos anteriores, publicados no site do CIEEP respectivamente em 3 de agosto, 21 de agosto e 3 de setembro de 2012, percorremos os quatro princípios que devem ordenar uma sociedade virtuosa, a saber: o da "Dignidade da Pessoa Humana", o da "Subsidiariedade", o do "Bem Comum" e o da "Solidariedade".

Existe uma relação de reciprocidade entre esses quatro princípios e os valores, uma vez que estes expressam o apreço que se deve guardar para com diversos aspectos do bem moral que os princípios objetivam alcançar, servindo como ponto de referência para a estruturação e a ordenação da vida social. Os valores sociais básicos são três, todos inerentes ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana, da qual representam o que em economia chamamos de "variável instrumental" e são: a "Verdade", a "Liberdade", e a "Justiça".

A VERDADE

Em nossa tradição judaico-cristã todos os homens estão obrigados, desde Moisés, a tender continuamente para a "Verdade", a respeitá-la e a dela dar testemunho de modo responsável. Viver na "verdade" tem um significado bastante especial nas relações sociais, porque ordena e alimenta a convivência entre as pessoas e povos, de forma condizente com a dignidade pessoal.

Os dias atuais, claramente, exigem de cada um de nós um enorme esforço educativo -- podemos dizer, mesmo, um gigantesco empenho --, no sentido de promover a busca da "Verdade" em todos os âmbitos e de sobrepô-la às inúmeras tentativas de relativizar suas exigências e de tentar desmoralizá-la com base em pseudoargumentos vestidos com a fantasia da "modernidade" ou com meros xingamentos do tipo "falso moralismo".

É dever de todas as pessoas de bem, religiosas ou não, inclusive para que possamos preservar nossa própria dignidade, lutar pela busca da verdade, seja no plano da verdade revelada, seja na cultura, na ciência, na economia, na política ou em qualquer outro ramo das atividades humanas.

No campo da economia as trocas que caracterizam os mercados devem pressupor esse valor da verdade para que possam fluir em toda a sua intensidade. Para entender isso, basta que imaginemos, por exemplo, os estorvos que um empreendedor teria que enfrentar caso um fornecedor lhe desse sua "palavra de honra" de que iria entregar sua mercadoria em determinada data e não cumprisse com sua palavra.

A LIBERDADE

Liberdade sempre é um prato feito para todos, inclusive para os que desconfiam dela nos campos da economia e da política, no sentido de que todos, sem exceção, sempre se dizem favoráveis a ela. Mas devemos sempre analisar que conceito de liberdade cada um desses que se declaram seus defensores tem em mente.

Já escrevia São Paulo aos coríntios: "Ubi autem Spiritus Domini ibi libertas" -- "onde está o Espírito do Senhor aí há liberdade" (2 Coríntios 3,17). A liberdade da pessoa humana é um sinal claro da imagem do Criador e, por conseguinte, sinal de sua dignidade. O valor da "Liberdade", como expressão da singularidade de cada ser humano, é respeitado na medida em que se consente a cada membro de uma sociedade realizar sua própria vocação individual, mediante suas próprias escolhas ao longo da vida.

Nunca devemos nos esquecer de que liberdade e virtude são indissociáveis, o que significa, simplificando um pouco as coisas, que só faz sentido falarmos em liberdade se a essa liberdade estiver associada alguma obrigação, que é a de respeitar os direitos de terceiros. Um exemplo claro, cristalino, irrefutável é a polêmica em torno da legalização do aborto, defendida tradicionalmente tanto pela chamada "esquerda" como por alguns libertários radicais: é verdade que a mulher deve ter a liberdade para dispor do próprio corpo como lhe aprouver, isto é, de acordo com seus princípios morais ou com sua simples vontade, mas é também verdade que se ela matar o feto que se desenvolve em seu ventre estará agredindo um direito básico, que é o direito à vida desse futuro bebê, que não lhe pertence e que já é uma pessoa humana, embora em formação, dotada de vida e de dignidade; além disso, estará maculando também um direito de propriedade, ao dispor sobre a propriedade de outrem, já que o feto, por definição (e por mais que queiram negá-lo certos grupos defensores do aborto) é proprietário de seu próprio corpo, mesmo estando este ainda em formação.

Notemos neste exemplo que os defensores do aborto estão, segundo eles, defendendo a liberdade, embora seu conceito de liberdade seja unívoco. Se por liberdade entendermos simplesmente fazer o que nos dá na veneta, então poderíamos justificar qualquer tipo de crime, dizendo, por exemplo, "Fulano matou, ou estuprou, ou roubou" porque "teve vontade de fazê-lo".

É evidente que o conceito de liberdade relevante é o que chamamos de "liberdade situada", que leva em conta que todos nós temos que nos deparar com leis, coisas, pessoas e tudo o mais que nos rodeia e ao qual não podemos escapar, a não ser que resolvamos ser voluntariamente como Robinson Crusoé. Assim, nossa liberdade é condicionada por tudo o que existia antes de nós, ou seja, é uma "liberdade situada". Estamos limitados por nossa natureza, por muitos condicionantes, como nossas próprias habilidades ou talentos, inteligência, inclinações e debilidades, por nosso ambiente de trabalho e pelas pessoas com quem convivemos ou com quem trocamos algo, mesmo que a troca seja virtual, como o caso de uma compra pela internet.

A JUSTIÇA

Subjetivamente, a "Justiça" se traduz na atitude, determinada pela vontade livre, de reconhecer o outro como pessoa e, objetivamente, no critério determinante da moralidade no âmbito intersubjetivo e social. As formas clássicas de "Justiça" são a comutativa, a distributiva e a legal. No que se refere à última, no entanto, há que se fazer uma distinção entre a lei e o direito, uma vez que nem tudo o que é legal é necessariamente justo. Na antropologia cristã, a justiça, na verdade, não é uma simples convenção humana -- a conceito de "Thesis" na linguagem de Friedrich August von Hayek (1899-1992) --, pois aquilo que é "justo" não é determinado por qualquer lei ou legislação formal, mas sim pela identidade profunda do ser humano, tal como afirmou o papa João Paulo II no parágrafo 39 da encíclica "Sollicitudo Rei Socialis" (30 de dezembro de 1987).

No mundo de nossos dias, a importância da justiça parece maior, porque a sociedade moderna vem mostrando uma tendência a ameaçar o valor, a dignidade e os direitos da pessoa humana, mesmo disfarçando tal inclinação sob proclamações de intentos aparentemente "justos", na medida em que tende a valorizar exclusivamente os critérios de utilidade e de posse. Tal perigo tem se manifestado, entre outros canais, pela chamada "doutrina do direito alternativo", que dá aos magistrados o poder de, em nome do conceito de "justiça" que lhes seja conveniente, promover a "justiça social".

É preocupante quando uma doutrina sustenta que um juiz está acima da lei, submetendo-a a suas preferências ideológicas ou partidárias individuais, sob o pretexto de que seria dever do direito realizar "transformações sociais", uma vez que a lei seria produzida pelos que estão no poder e, portanto, refletiria os interesses da classe dominante (burguesia), em detrimento do "proletariado". A "doutrina do direito alternativo", também denominado de "direito paralelo" e "direito insurgente", repudia os princípios consagrados de neutralidade da lei e de imparcialidade do juiz. A lei não seria neutra porque se origina do poder dominante e o juiz não deveria ser imparcial porque deve julgar os fatos subjetivamente e posicionar-se tendo em vista objetivos "sociais" (ou seja, "revolucionários"), o que lhe aumenta os poderes e lhe permite questionar o conjunto de normais legais vigentes. O magistrado entra dessa forma diretamente na "luta de classes", abandonando sua postura de imparcialidade, que o "aprisionaria" dentro do estrito cumprimento da lei.

É uma visão ideológica do direito, supralegal e inteiramente comprometida com o socialismo distributivista, além de incompatível com a garantia das liberdades individuais. Primeiro, porque ao enfeixar o conceito marxista de "lutas de classes", retira do direito o seu atributo de ciência normativa. Segundo, porque o juiz não pode substituir o legislador. Terceiro, porque se uma determinada lei é "injusta", o correto é que o legislativo a revogue e não que o juiz a modifique de acordo com o que pensa com os seus botões. Quarto, porque defender que juízes não sejam imparciais é uma agressão ao bom senso. Quinto, porque lhes confere poderes exorbitantes, dotando-os de um livre arbítrio que pode ser calamitoso. Sexto, como cada cabeça é uma sentença, abre as portas para jurisprudências contraditórias, ou seja, para a insegurança jurídica. Sétimo, nega o "princípio do devido processo legal", ou seja, a garantia de que ninguém pode ser atingido em seus bens e direitos sem o competente processo legal que respeite princípios constitucionais diretivos, como o da legalidade, o da isonomia e o do contraditório.

Creio que depois dessas considerações deva estar claro que esses três valores -- Verdade, Liberdade e Justiça -- estão associados à economia de mercado, caracterizada pela ação humana voluntária ao longo do tempo dinâmico e em condições de incerteza genuína. Não faz sentido pensarmos em mercados funcionando com base na mentira, da falta de liberdade de escolha e da injustiça. Na medida em que caminhamos para essas aberrações de valores, estamos também indo em direção às economias planificadas.

Portanto, no plano moral, quando consideramos os princípios e valores necessários para o florescimento de sociedades livres e virtuosas, estamos implicitamente definindo as instituições que lhes sejam conformes na economia e na política e é aí que vemos que uma destas estas é, indubitavelmente, a economia de mercado.


Veja também, do mesmo autor: O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE E OS TRÊS PILARES DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL

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