Por Denis
Lerrer Rosenfield
As diferenças
culturais devem ser simplesmente respeitadas? Por que não o terror enquanto
forma de contestação ‘diferente’ dos valores do Ocidente?
O mundo tem
vivido, nos últimos meses, senão anos, ações terroristas que só têm se
multiplicado. É como se a barbárie estivesse reingressando no mundo civilizado,
com o intuito de abalar os seus alicerces. “Explicações” que mais se parecem
“justificações” procuram dar conta de um fenômeno, de natureza política e
religiosa, como se fosse um problema social ou uma suposta incapacidade de o
Ocidente em lidar com a diferença. O argumento beira o absurdo, como se as
vítimas devessem se explicar, ou ainda, como se as vítimas fossem os
verdadeiros algozes. O terror, por muitos, é “condenado” pelo uso de orações
adversativas (mas!), enquanto o verdadeiro problema seria a islamofobia!
Boa parte
disto se deve ao politicamente correto ter impregnado a nossa cultura, como se
toda forma de existência cultural diferente do Ocidente ou qualquer
comportamento fosse de igual valor aos princípios e valores universais que
orientam as sociedades democráticas, tolerantes e pluralistas. É o tal do
“direito à diferença", como se, em nome dele, tudo valesse, mesmo as
piores aberrações, entre as quais o terror islâmico.
Por que esse
silêncio atroz em relação às mulheres, na verdade meninas, muçulmanas que são
mutiladas sexualmente em vários países africanos por motivos religiosos? Trata-se
de um mero exercício do “direito à diferença"? As diferenças culturais
devem ser simplesmente respeitadas? Por que não o terror enquanto forma de
contestação “diferente” dos valores do Ocidente?
Os atentados,
na França, ao jornal “Charlie Hebdo", a uma policial mulher e a um
supermercado judaico de comida kosher são exemplos, particularmente claros, da
falência do multiculturalismo. Nos anos 70 do século passado, a França sucumbiu
ao politicamente correto, ao suposto “direito à diferença", e abandonou,
diria por razões ideológicas, o seu modelo de integração republicana dos
imigrantes. Segundo esse modelo, as pessoas se integram individualmente à
cultura reinante, obedecendo às leis e valores do país de adoção, seguem as
regras da escola pública e reservam a sua diferença cultural e religiosa para a
vida privada e familiar.
Ora, em seu
lugar, foram “reconhecidos” os valores da diferença, como se os imigrantes
tivessem todo o direito de viverem à parte, seguir publicamente a sua cultura
e, mesmo, impô-la à sociedade francesa. Note-se que os terroristas islâmicos
eram de cidadania francesa, voltando-se contra os próprios valores republicanos
franceses.
Quem foram os
alvos de seus ataques?
Um grupo de
jornalistas satíricos que exercia o seu próprio direito de liberdade de
expressão. Em uma sociedade democrática, possuem todo o direito de assim
fazê-lo. Os descontentes devem recorrer aos tribunais se se sentirem atingidos.
O uso da violência e do assassinato não são “respostas”, salvo se as considerarmos
como “justificadas” por uma suposta exclusão. Os supostos excluídos são os que,
na verdade, querem impor os seus valores para a sociedade francesa e, também,
em seus outros prolongamentos terroristas, para o mundo ocidental em geral.
Outro grupo
foi constituído por policiais, também cruelmente abatidos. Um deles pediu
clemência, inerte no solo, antes de ser assassinado. Ora, o que são policiais?
Policiais são símbolos do Estado e, enquanto tais, devem ser reconhecidos. No
momento em que policiais viram alvos de terroristas é o Estado, ele mesmo, que
é atingido em um de seus pilares. Neste sentido, o objetivo dos terroristas
consistia na destruição mesma do Estado, procurando suscitar a desordem pública
e a generalização da violência.
Outro grupo
foi o de judeus, atingidos, na “melhor” tradição nazista, pelo simples fato de
serem judeus. É como se o terror islâmico procurasse relembrar, neste ano mesmo
em que se rememora o terror de Auschwitz, que eventos semelhantes podem ocorrer
novamente no futuro. Não é outra coisa que fazem quando pregam abertamente a
destruição pura e simples do Estado de Israel.
Aqui há outro
torpor do politicamente correto sob a forma da esquerdopatia reinante.
Recentemente, Israel, em defesa própria, fez um ataque de helicóptero no lado
sírio das Colinas do Golã, matando terroristas do Hezbollah e militares
iranianos, entre eles um poderoso general da Guarda Revolucionária. Tal fato,
de maior importância, não ganhou maior destaque como se não fosse uma anomalia
que o Hezbollah e a Guarda Revolucionária iraniana estivessem na Síria
preparando ataques visando à destruição do Estado de Israel.
Outra
explicação seria, evidentemente, a de que os terroristas do Hezbollah e os
militares iranianos lá estivessem fazendo turismo! Tudo terminando por se
acomodar em um esquema mental onde todo exercício da diferença é justificado. É
sempre “o mas"!
Um caso é
particularmente exemplar de outro modelo de integração imigratória,
independentemente de cultura, tradição e religião. Kirk Douglas, um dos maiores
atores de Hollywood, é judeu, tendo nascido com o nome de Issur Danielovitch.
Seus pais eram imigrantes da hoje Bielorrússia, que chegaram aos EUA no final
do século XIX e início do XX.
Issur
Danielovitch nasceu em 1916 e quando chegou à escola pública não falava inglês,
tendo o ídiche como língua. Teve de se integrar à cultura americana,
tornando-se fluente no inglês e veio a ser um dos maiores atores da história do
cinema, representante por excelência da cultura americana. Serviu, inclusive, na
Marina americana durante a Segunda Guerra Mundial. Se não tivesse se integrado,
teria vivido à parte, exercendo, no linguajar modernoso de hoje, o seu “direito
à diferença". Não teria se tornado Kirk Douglas.
Hegel, em sua
obra “Filosofia do Direito", discorrendo sobre o Estado moderno, argumenta
que não importa que a pessoa seja judia ou quaker, poderíamos
acrescentar muçulmana, contanto que seja “homem”, a partir de sua integração em
um Estado que expresse valores universais.
Denis Lerrer
Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul
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