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terça-feira, 23 de junho de 2015

Uma Entrevista com Monteiro Lobato.




Entrevista concedida ao jornalista Murilo Antunes Alves, dois dias antes de sua morte, na Rádio Record, em 2 de julho de 1948. Extraída de O Estado de São Paulo, 22/09/2000 – Álvaro Alves de Faria

No dia 2 de julho de 1948, às 16 horas, Monteiro Lobato concedeu uma entrevista no seu apartamento da Rua Barão de Itapetininga, falando ao então repórter da Rádio Record de São Paulo, Murilo Antunes Alves, para ser apresentada – como foi – no dia seguinte ao meio dia. Morreria 36 horas depois, na madrugada do dia 4, vítima de um derrame.

Sobre o rádio

Toda noite, eu ouço o Zé Caninha naquele programa Cartaz de Protesto. Gosto imensamente dele em uma coisa: Uma grande descoberta que eles fizeram. Ele e seu companheiro Vasconcelos. Eles descobriram que é um grande erro estar renovando o programa. O certo é repetir todas as noites a mesma coisa. O povo, por costume, gosta e não quer mudança. Eu, hoje, fico danado quando eles mudam as pilhérias. Gosto de ouvir todas as noites as mesmas pilhérias. E aconselho aos técnicos de rádio que estudem essa descoberta. É uma descoberta psicológica muito interessante, muito importante. Até aqui, o rádio era baseado na renovação constante dos progranlas. Novidades em cima de novidades. Pois bem, elés descobriram que isto é errado. O certo é dar todos os dias a mesma coisa. O público acostuma e gosta. Eu não troco o programa do Roseline por nenhuma novidade. E quando eles mudam, quero que mudem um bocadinho todo dia. Mas quando eles mudam demais, eu fico danado e tenho vontade de protestar e acabo protestando com uma carta.

Sobre o petróleo e os estudantes

Bom, é um assunto no qual eu era muito versado antigamente. Eu levei dez anos entendendo de petróleo. E tirando petróleo, furando a terra, etc ... Hoje, é fato que o petróleo obteve um grande progresso. Em vez de estar furando a terra, estar abrindo pequenos poços de esmola, virou mais um pobre. O Brasil agora tem entre seus pobres habituais o pobrezinho do petróleo. Aí, jazia no ar um caldeirão como esse do Exército da Salvação e o letreiro "pró-petróleo". Os estudantes estão tirando dinheiro para fazer discurso sobre petróleo. É o que é feito. O petróleo é isso, evoluiu muito. Em vez de furar terra como no meu tempo, uma coisa muito perigosa. Eu fui perseguido, fui parar na cadeia por andar furando a terra e por agarrar leão pela cauda. Eu, agora, estou contemplando essa evolução.

Pamonha e içá

Pamonha é uma das belas coisas que há no Interior. Interior, não, nos lugares onde dá milho. Onde há milho, há pamonha. Depois do içá, a melhor coisa que há no Interior é a pamonha. (...) Não sei se o público moderno sabe o que é isso. Içá é formiga torrada. Tem gosto muito especial, muito característico e um cheirinho que eu não digo do que é para não escandalizar o público. O que mais vocês querem que eu diga do interior?

Sobre o suborno

Eu acho que já estamos em uma época generalizada de suborno e tenho medo de me comprometer. Eu já fui para a cadeia uma vez e fiquei cauteloso e, antes de emitir uma opinião, penso nas consequências. Porque há uma pessoa que já me impediu de voltar à cadeia - minha mulher - e eu respeito muito as ideias dela. Ela acha que uma vez já é o bastante. E graças aos seus conselhos, eu fiquei cauteloso, de maneira que não vou falar nada sobre esse negócio de suborno. Mesmo porque eu não sei o que é suborno. Nunca fui subornado, não tenho nenhuma experiência pessoal do caso. Agora, Ouço dizer que é uma coisa muito agradável. Que as pessoas obtêm grandes lucros por intermédio do suborno. mas não vale a pena entrar em assuntos que podem desagradar pessoas respeitáveis aí fora. De maneira que vamos de outra coisa menos comprometedora.

Crise de confiança generalizada

Bom, esse negócio de não acreditar no futuro da terra é consequência da nossa história. Tudo tem fracassado, todas as nossas experiências têm fracassado, não há razão para acreditar. Pessoalmente, eu acredito em alguma coisa, mas é pro-forma, para não desagradar totalmente os patriotas, coitados. Eles têm tão boa vontade, tanto gosto, de maneira que, por causa deles, eu finjo acreditar em alguma coisa. Mas cá entre nós, ninguém nos ouve, você também não acredita em mais nada. Então, é verificado o seguinte: só os homens que chegaram a essa filosofia é que são felizes. Porque todos que ainda acreditam em alguma coisa acabam levando na cabeça. De maneira que, cá entre nós, ninguém nos ouve, acho que esta é a verdadeira filosofia. Não acreditar em nada. E acho que já é tempo de mudar de assunto.

Acordo entre as nações

Acho que um acordo de nações será uma coisa facílima de ser conseguida no dia em que todas as nações tiverem armas iguais. Quando todas tiverem bombas atômicas de igual força, a harmonia entre elas será absoluta. O que causa diferenças entre os países é a diferença entre os armamentos. Enquanto uma tiver a bomba e a outra não, a que tiver a bomba atômica se utilizará de sua superioridade. E faz muito bem. É como eu procederia, é como o amigo procederia e como todos precedem. Quem tem força abusa. (...) O que está faltando ao mundo para o reestabelecimento da paz é apenas isso. Bomba atômica para todos de igual força. No dia em que chegarmos a isso, todos os problemas estarão resolvidos e viraremos, então, carneirinhos. E todos viramos cordeiros. É esta a minha opinião. Mas cá entre nós, é uma coisa que eu não quero que se divulgue.

O livro

Toda vida, em todos os países houve os escritores que escreveram coisas vendáveis e os escritores que escreveram coisas invendáveis. O livro é um artigo, uma mercadoria como outra qualquer. Não há diferença entre um livro e um artigo de alimentação. Se o artigo qualquer de alimentação não se vende, é porque não presta. Isto em português claro. Toda vida eu vi os bons livros serem muito bem vendidos e vi a repulsa do público pelo livro mau. E isso terá sido em todos os tempos, em todos os países. Hoje, os bons livros vendem-se muito bem, vendem-se como sempre. E, diante dos maus livros, o público faz suas reservas, suas caretas, recusa e não compra. Eu acho que essa situação é de perfeita normalidade e está muito bem que seja assim. Eu desejo é que os bons livros vendam e não haja nem sequer um comprador para o mau livro. Porque a pior peste que há no mundo é o livro mau. A gente perde até o tempo da leitura.

O que um jovem escritor deve fazer?

Crescer a aparecer. Essa é uma condição indispensável. Antes que esse jovem cresça e apareça, ele não poderá fazer nada. Crescendo, ele alcançará a maturidade. Alcançando a maturidade, ele dará tudo de si para reunir todas a qualidades latentes que ele possua. E, se de fato ele tem qualidade, esse jovem aparecerá. O aparecimento de um jovem no mundo das letras é uma coisa que depende exclusivamente das qualidades naturais desse jovem. Se ele tem qualidades, uma hora ele aparecerá e vencerá. Se ele não tiver qualidades boas, ele fracassará com muita justiça. É isso o que pensa o velho Lobato com sua longa experiência acumulado.

Obra preferida

De todas as minhas obras, a que mais me agrada é a que dá mais dinheiro. É a que me dá maior lucro. Revendo lá as minhas contas, eu vejo que é Narizinho. Naizinho arrebitado, que já rendeu duas séries de edições. Ja vendi mais de 100 mil exemplares e, portanto, essa é a querida de meu coração. Se eu dissesse qualquer coisa diferente, seria mentira e hipocrisia.

O autor e seu público

O grande número de cartas de crianças que eu recebo, a sinceridade do que elas dizem e no fato de virem não só do Brasil, mas de outros países sobretudo dos países de língua espanhola, fazem com que se eu voltasse, se eu fosse viver de novo a minha vida, eu ia entrar pelo mesmo caminho. Porque não creio que em qualquer outro setor fosse possível eu ter as mesmas recompensas que tenho com as crianças. Ainda agora mesmo eu recebi aqui uma senhora, mãe de Lilibeth. Essa Lilibeth é uma menina encantadora que mora na Rua Monte Alegre, que prometeu me visitar. E eu estou ansiosamente à espera da visita de Lilibeth. Eu considero uma visitinha da Lilibeth um prêmio. São inúmeras as criaças que me visitam. Eu me considero um sujeito muito premiado. Um sujeito que se acostumou a ser muito premiado numa vida... se tiver que voltar outra vez amanhã, quer que continue assim. De maneira que eu acho que queria assim. Viver de novo a minha vida, a vida que vivi, estou vivendo essas coisas mais variadas, de mais interesse para as crianças. E mais: as crianças estão vendo uma coisa que eu escrevi pouco e poderia ter escrito muito mais. E eu penso que perdi tempo escrevendo para gente grande, que é uma coisa que não vale a pena.

Fonte: LOBATO, Monteiro. Prefácios e entrevistas. São Paulo: Braziliense, 1957.

Frase de Monteiro Lobato 
Quem tem força é o Estado e não as pessoas. Quem faz e precisa da guerra para se fortalecer é o Estado. As pessoas apenas interagem entre si. Anon, SSXXI

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