Entrevista
concedida ao jornalista Murilo Antunes Alves, dois dias antes de sua morte, na
Rádio Record, em 2 de julho de 1948. Extraída de O Estado de São Paulo,
22/09/2000 – Álvaro Alves de Faria
No dia 2 de
julho de 1948, às 16 horas, Monteiro Lobato concedeu uma entrevista no seu
apartamento da Rua Barão de Itapetininga, falando ao então repórter da Rádio
Record de São Paulo, Murilo Antunes Alves, para ser apresentada – como foi – no
dia seguinte ao meio dia. Morreria 36 horas depois, na madrugada do dia 4,
vítima de um derrame.
Sobre o rádio
Toda noite, eu
ouço o Zé Caninha naquele programa Cartaz de Protesto. Gosto imensamente dele
em uma coisa: Uma grande descoberta que eles fizeram. Ele e seu companheiro
Vasconcelos. Eles descobriram que é um grande erro estar renovando o programa.
O certo é repetir todas as noites a mesma coisa. O povo, por costume, gosta e
não quer mudança. Eu, hoje, fico danado quando eles mudam as pilhérias. Gosto
de ouvir todas as noites as mesmas pilhérias. E aconselho aos técnicos de rádio
que estudem essa descoberta. É uma descoberta psicológica muito interessante,
muito importante. Até aqui, o rádio era baseado na renovação constante dos
progranlas. Novidades em cima de novidades. Pois bem, elés descobriram que isto
é errado. O certo é dar todos os dias a mesma coisa. O público acostuma e
gosta. Eu não troco o programa do Roseline por nenhuma novidade. E quando eles
mudam, quero que mudem um bocadinho todo dia. Mas quando eles mudam demais, eu
fico danado e tenho vontade de protestar e acabo protestando com uma carta.
Sobre o
petróleo e os estudantes
Bom, é um
assunto no qual eu era muito versado antigamente. Eu levei dez anos entendendo
de petróleo. E tirando petróleo, furando a terra, etc ... Hoje, é fato que o
petróleo obteve um grande progresso. Em vez de estar furando a terra, estar
abrindo pequenos poços de esmola, virou mais um pobre. O Brasil agora tem entre
seus pobres habituais o pobrezinho do petróleo. Aí, jazia no ar um caldeirão
como esse do Exército da Salvação e o letreiro "pró-petróleo". Os
estudantes estão tirando dinheiro para fazer discurso sobre petróleo. É o que é
feito. O petróleo é isso, evoluiu muito. Em vez de furar terra como no meu
tempo, uma coisa muito perigosa. Eu fui perseguido, fui parar na cadeia por
andar furando a terra e por agarrar leão pela cauda. Eu, agora, estou
contemplando essa evolução.
Pamonha e içá
Pamonha é uma
das belas coisas que há no Interior. Interior, não, nos lugares onde dá milho.
Onde há milho, há pamonha. Depois do içá, a melhor coisa que há no Interior é a
pamonha. (...) Não sei se o público moderno sabe o que é isso. Içá é formiga
torrada. Tem gosto muito especial, muito característico e um cheirinho que eu
não digo do que é para não escandalizar o público. O que mais vocês querem que
eu diga do interior?
Sobre o suborno
Eu acho que já
estamos em uma época generalizada de suborno e tenho medo de me comprometer. Eu
já fui para a cadeia uma vez e fiquei cauteloso e, antes de emitir uma opinião,
penso nas consequências. Porque há uma pessoa que já me impediu de voltar à
cadeia - minha mulher - e eu respeito muito as ideias dela. Ela acha que uma
vez já é o bastante. E graças aos seus conselhos, eu fiquei cauteloso, de
maneira que não vou falar nada sobre esse negócio de suborno. Mesmo porque eu
não sei o que é suborno. Nunca fui subornado, não tenho nenhuma experiência
pessoal do caso. Agora, Ouço dizer que é uma coisa muito agradável. Que as
pessoas obtêm grandes lucros por intermédio do suborno. mas não vale a pena
entrar em assuntos que podem desagradar pessoas respeitáveis aí fora. De
maneira que vamos de outra coisa menos comprometedora.
Crise de
confiança generalizada
Bom, esse
negócio de não acreditar no futuro da terra é consequência da nossa história.
Tudo tem fracassado, todas as nossas experiências têm fracassado, não há razão
para acreditar. Pessoalmente, eu acredito em alguma coisa, mas é pro-forma,
para não desagradar totalmente os patriotas, coitados. Eles têm tão boa
vontade, tanto gosto, de maneira que, por causa deles, eu finjo acreditar em
alguma coisa. Mas cá entre nós, ninguém nos ouve, você também não acredita em
mais nada. Então, é verificado o seguinte: só os homens que chegaram a essa
filosofia é que são felizes. Porque todos que ainda acreditam em alguma coisa
acabam levando na cabeça. De maneira que, cá entre nós, ninguém nos ouve, acho
que esta é a verdadeira filosofia. Não acreditar em nada. E acho que já é tempo
de mudar de assunto.
Acordo entre as
nações
Acho que um
acordo de nações será uma coisa facílima de ser conseguida no dia em que todas
as nações tiverem armas iguais. Quando todas tiverem bombas atômicas de igual
força, a harmonia entre elas será absoluta. O que causa diferenças entre os
países é a diferença entre os armamentos. Enquanto uma tiver a bomba e a outra
não, a que tiver a bomba atômica se utilizará de sua superioridade. E faz muito
bem. É como eu procederia, é como o amigo procederia e como todos precedem.
Quem tem força abusa. (...) O que está faltando ao mundo para o
reestabelecimento da paz é apenas isso. Bomba atômica para todos de igual
força. No dia em que chegarmos a isso, todos os problemas estarão resolvidos e
viraremos, então, carneirinhos. E todos viramos cordeiros. É esta a minha
opinião. Mas cá entre nós, é uma coisa que eu não quero que se divulgue.
O livro
Toda vida, em
todos os países houve os escritores que escreveram coisas vendáveis e os
escritores que escreveram coisas invendáveis. O livro é um artigo, uma mercadoria
como outra qualquer. Não há diferença entre um livro e um artigo de
alimentação. Se o artigo qualquer de alimentação não se vende, é porque não
presta. Isto em português claro. Toda vida eu vi os bons livros serem muito bem
vendidos e vi a repulsa do público pelo livro mau. E isso terá sido em todos os
tempos, em todos os países. Hoje, os bons livros vendem-se muito bem, vendem-se
como sempre. E, diante dos maus livros, o público faz suas reservas, suas
caretas, recusa e não compra. Eu acho que essa situação é de perfeita
normalidade e está muito bem que seja assim. Eu desejo é que os bons livros
vendam e não haja nem sequer um comprador para o mau livro. Porque a pior peste
que há no mundo é o livro mau. A gente perde até o tempo da leitura.
O que um jovem escritor
deve fazer?
Crescer a
aparecer. Essa é uma condição indispensável. Antes que esse jovem cresça e
apareça, ele não poderá fazer nada. Crescendo, ele alcançará a maturidade.
Alcançando a maturidade, ele dará tudo de si para reunir todas a qualidades
latentes que ele possua. E, se de fato ele tem qualidade, esse jovem aparecerá.
O aparecimento de um jovem no mundo das letras é uma coisa que depende
exclusivamente das qualidades naturais desse jovem. Se ele tem qualidades, uma
hora ele aparecerá e vencerá. Se ele não tiver qualidades boas, ele fracassará
com muita justiça. É isso o que pensa o velho Lobato com sua longa experiência
acumulado.
Obra preferida
De todas as
minhas obras, a que mais me agrada é a que dá mais dinheiro. É a que me dá
maior lucro. Revendo lá as minhas contas, eu vejo que é Narizinho. Naizinho
arrebitado, que já rendeu duas séries de edições. Ja vendi mais de 100 mil
exemplares e, portanto, essa é a querida de meu coração. Se eu dissesse
qualquer coisa diferente, seria mentira e hipocrisia.
O autor e seu
público
O grande número
de cartas de crianças que eu recebo, a sinceridade do que elas dizem e no fato
de virem não só do Brasil, mas de outros países sobretudo dos países de língua
espanhola, fazem com que se eu voltasse, se eu fosse viver de novo a minha
vida, eu ia entrar pelo mesmo caminho. Porque não creio que em qualquer outro
setor fosse possível eu ter as mesmas recompensas que tenho com as crianças.
Ainda agora mesmo eu recebi aqui uma senhora, mãe de Lilibeth. Essa Lilibeth é
uma menina encantadora que mora na Rua Monte Alegre, que prometeu me visitar. E
eu estou ansiosamente à espera da visita de Lilibeth. Eu considero uma
visitinha da Lilibeth um prêmio. São inúmeras as criaças que me visitam. Eu me
considero um sujeito muito premiado. Um sujeito que se acostumou a ser muito
premiado numa vida... se tiver que voltar outra vez amanhã, quer que continue
assim. De maneira que eu acho que queria assim. Viver de novo a minha vida, a
vida que vivi, estou vivendo essas coisas mais variadas, de mais interesse para
as crianças. E mais: as crianças estão vendo uma coisa que eu escrevi pouco e
poderia ter escrito muito mais. E eu penso que perdi tempo escrevendo para
gente grande, que é uma coisa que não vale a pena.
Fonte: LOBATO,
Monteiro. Prefácios e entrevistas. São Paulo: Braziliense, 1957.
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