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segunda-feira, 22 de junho de 2015

O Que é Triatoma Megista? Monteiro Lobato explica

Triatoma poderia ser apenas um inseto sugador de sangue. Mas não é esse tipo de vampiro que Monteiro Lobato, há muito tempo, denunciou tentando abrir os olhos dos vampirizados brasileiros. Anon, SSXXI.  

Novo Gulliver

Por Monteiro lobato

Há lembranças da meninice que jamais se apagam do cérebro adulto, mesmo quando esse receptador de impressões não consegue, por fraqueza senil, reter as da véspera. Lembro-me de um cromo de vivas cores que vi aos cinco anos, reclame da linha de coser Coat, e não me lembro dos desenhos alegóricos a Cristo publicados nos jornais da última sexta-feira santa. Representava aquele cromo um gigante estirado à borda do mar e enleado de mil fios de linha Coat; em redor formigava a legião dos pigmeus amarradores. De mãos à cintura, muito contentezinhos, confundiam a imobilidade do gigante, consequência do bom sono que dormia, com a imobilidade da mosca enleada por mil voltas da teia de aranha.

Mais tarde, quando chegou o belo tempo dos livros de Grimm, Andersen e outros maravilhadores da imaginação infantil, travei conhecimento com Jonathan Swift e tive a explicação do meu cromo de Coat. Representava Gulliver no país de Liliput, amarrado durante o sono por mil cordas liliputianas. Mas Gulliver acordou, estirou os músculos e com um simples espreguiçamento rompeu, com grande assombro dos locais, toda a amarrilhoca que o prendia.

Quem trepa a um Corcovado imaginário e de lá procura ver em conjunto o Brasil, espanta-se da sua atitude. É um gigante deitado e amarrado. Mas não dorme; estertora com a respiração opressa e faz desordenados movimentos convulsivos para romper o cordame enleador.

O Gulliver sul-americano principiou a ser amarrado pelos portugueses, quando Portugal descobriu que em suas veias circulava ouro, o sangue amarelo; e desde aí até hoje os homens do cipó, vulgo homens do governo, outra coisa não fizeram, federal, estadual, municipalmente, senão dobrar cipós, cordas e fios de arame sobre seus membros para que, a salvo de pontapés, possam sugá-lo com suas trombinhas de percevejo.

Portugal só organizou uma coisa no Brasil-colônia: o Fisco, isto é, o sistema de cordas que amarram para que a tromba percevejante sugue sem embaraços. Quem lê as cartas régias e mais literatura metropolitana enche-se de assombro diante do maquiavélico engenho luso na criação de cordas. Cordas trançadas de dois, de três, de quatro ramais; cordas de cânhamo, de crina, de tucum, de tripa; cordas estrangulatórias de espremer o sangue amarelo e cordas de enforcar.

E assim foi até que um português de gênio impulsivo se condoeu da triste sorte do gigante e cortou o cordão umbilical que o prendia à Metrópole: corda mestra, corda mãe de toda a linda coleção de cordas fiscais secundárias. E o gigante respirou e viveu feliz, sobretudo no meio século de "compreensão" que o magnânimo filho do primeiro Pedro houve por bem outorgar-lhe.

Mas não há felicidade que dure mais de meio século. Uns bacharéis formados pela universidade da Lua e uns generais tentados pela serpente da traição implicaram-se com a velhice do príncipe magnânimo, acusaram-no de saber quatorze línguas, de assistir a exames de meninos, de boicotar com um célebre lápis azul os maus juízes, em vez de fazer as coisas interessantes que, quatrienalmente, postos no lugar do velho sábio, eles, bacharéis e generais, fariam. E deportaram-no; meteram-no a bordo dum mau navio e:

— "Vai ninar os netos de Victor Hugo. Tu não entendes de lidar com o gigante."

O bom velho partiu e os bacharéis e generais, a olharem-se uns para outros, sorridentes e gozosos, tomariam conta da casa.

Não diremos aqui das consequências inúmeras da mudança; basta que as sintamos todos os dias como o suplício da gota d’água; diremos somente da coisa capital que a república fez, faz e continuará a fazer. Estomagada com a liberdade de movimentos do bom gigante, resolveu amarra-lo de novo. Foi às cartas régias da Metrópole e ressuscitou uma a uma todas as cordas fiscais rompidas pelos Pedros; recompo-las e recomeçou a enlear pachorrentamente o pobre Gulliver. Amarra os braços, amarra as pernas, amarra as mãos; amarra, amordaça a boca para que não grite – e foi-se a Constituição; amarra os olhos para que não veja – e lá se foi a imprensa.

Sobre o corpo de Gulliver desceram todos os arrochos. Não bastaram os cipós e cordas de invenção lusa; importaram-se cabos de aço, torniquetes complicadíssimos, borzeguins medievais remodelados pela engenhosidade moderna. O Fisco tornou-se o objetivo supremo de todas as suas altas cogitações. Anualmente se reúnem, durante meses, centenas de técnicos cuja função é uma só: inventar novas torturas fiscais, novos aparelhos de sarjar as cames e extorquir sangue à vítima.

Gulliver estertora. Todas as suas forças emprega-as ele em defender-se das cordas e ventosas que o Congresso torce e engenha. O Santo Ofício virou um marquês de Sade repartido em bancadas; não se contenta em tirar sangue, há que tirá-lo da maneira mais dolorosa, da maneira mais incômoda, da maneira mais lesiva ao organismo do bom gigante. A invenção do novo borzeguim – imposto da renda – excede a tudo quanto saiu da cabeça dos inquisidores: a vítima ignora o que tem de pagar e se não paga com exatidão incide em pena de confisco! E se em desespero de causa pede ao Fisco que lhe explique o mistério, que lhe de a chave vertical e horizontal do quebra-cabeças, o marquês de Sade sorri e responde diagonalmente:

– Pague com cheque cruzado, e explica com grande ironia de detalhes como se toma de uma régua, duma pena molhada em boa tinta e como se cruza um cheque.

Não há criatura neste país que não confesse um desânimo infinito. As energias do homem que trabalha e produz despendem-se por três quartos na luta contra a escolástica e o sadismo da cipoeira fiscal; sobra-lhe uma pequena parte para dedicar à sua indústria. Até esforço muscular dos dedos o sadismo do fisco lhe rouba. Pela manhã, ao acender o primeiro cigarro, tem que gastar o esforço de duas unhadas para romper o selo com que o fisco tranca as caixas de fósforos e os maços de cigarro…

Este engenhoso sistema de tortura tem em vista uma coisa só: permitir que sobre o corpo do gigante a vermina duma parasitalha infinita engorde em dolce far niente, como o carrapato engorda no couro do boi pesteado.

Vermina ininteligente! Consultasse ela os carrapatos e receberia deles um conselho salutar:

– "É perigoso levar a sucção a grau extremo; morre o boi, e com ele a parasitalha."

Será que nem o instinto da conservação própria consiga meter um raio de inteligência nos miolos do Triatoma megista, nome científico do que vulgarmente chamamos governo brasileiro?

Fonte: Blog do Yuri

Entrevista com Monteiro Lobato.


Entrevista concedida ao jornalista Murilo Antunes Alves, dois dias antes de sua morte, na Rádio Record, em 2 de julho de 1948. Extraída de O Estado de São Paulo, 22/09/2000 – Álvaro Alves de Faria

No dia 2 de julho de 1948, às 16 horas, Monteiro Lobato concedeu uma entrevista no seu apartamento da Rua Barão de Itapetininga, falando ao então repórter da Rádio Record de São Paulo, Murilo Antunes Alves, para ser apresentada – como foi – no dia seguinte ao meio dia. Morreria 36 horas depois, na madrugada do dia 4, vítima de um derrame.

Sobre o rádio

Toda noite, eu ouço o Zé Caninha naquele programa Cartaz de Protesto. Gosto imensamente dele em uma coisa: Uma grande descoberta que eles fizeram. Ele e seu companheiro Vasconcelos. Eles descobriram que é um grande erro estar renovando o programa. O certo é repetir todas as noites a mesma coisa. O povo, por costume, gosta e não quer mudança. Eu, hoje, fico danado quando eles mudam as pilhérias. Gosto de ouvir todas as noites as mesmas pilhérias. E aconselho aos técnicos de rádio que estudem essa descoberta. É uma descoberta psicológica muito interessante, muito importante. Até aqui, o rádio era baseado na renovação constante dos progranlas. Novidades em cima de novidades. Pois bem, elés descobriram que isto é errado. O certo é dar todos os dias a mesma coisa. O público acostuma e gosta. Eu não troco o programa do Roseline por nenhuma novidade. E quando eles mudam, quero que mudem um bocadinho todo dia. Mas quando eles mudam demais, eu fico danado e tenho vontade de protestar e acabo protestando com uma carta.

Sobre o petróleo e os estudantes

Bom, é um assunto no qual eu era muito versado antigamente. Eu levei dez anos entendendo de petróleo. E tirando petróleo, furando a terra, etc ... Hoje, é fato que o petróleo obteve um grande progresso. Em vez de estar furando a terra, estar abrindo pequenos poços de esmola, virou mais um pobre. O Brasil agora tem entre seus pobres habituais o pobrezinho do petróleo. Aí, jazia no ar um caldeirão como esse do Exército da Salvação e o letreiro "pró-petróleo". Os estudantes estão tirando dinheiro para fazer discurso sobre petróleo. É o que é feito. O petróleo é isso, evoluiu muito. Em vez de furar terra como no meu tempo, uma coisa muito perigosa. Eu fui perseguido, fui parar na cadeia por andar furando a terra e por agarrar leão pela cauda. Eu, agora, estou contemplando essa evolução.

Pamonha e içá

Pamonha é uma das belas coisas que há no Interior. Interior, não, nos lugares onde dá milho. Onde há milho, há pamonha. Depois do içá, a melhor coisa que há no Interior é a pamonha. (...) Não sei se o público moderno sabe o que é isso. Içá é formiga torrada. Tem gosto muito especial, muito característico e um cheirinho que eu não digo do que é para não escandalizar o público. O que mais vocês querem que eu diga do interior?

Sobre o suborno

Eu acho que já estamos em uma época generalizada de suborno e tenho medo de me comprometer. Eu já fui para a cadeia uma vez e fiquei cauteloso e, antes de emitir uma opinião, penso nas consequências. Porque há uma pessoa que já me impediu de voltar à cadeia - minha mulher - e eu respeito muito as ideias dela. Ela acha que uma vez já é o bastante. E graças aos seus conselhos, eu fiquei cauteloso, de maneira que não vou falar nada sobre esse negócio de suborno. Mesmo porque eu não sei o que é suborno. Nunca fui subornado, não tenho nenhuma experiência pessoal do caso. Agora, Ouço dizer que é uma coisa muito agradável. Que as pessoas obtêm grandes lucros por intermédio do suborno. mas não vale a pena entrar em assuntos que podem desagradar pessoas respeitáveis aí fora. De maneira que vamos de outra coisa menos comprometedora.

Crise de confiança generalizada

Bom, esse negócio de não acreditar no futuro da terra é consequência da nossa história. Tudo tem fracassado, todas as nossas experiências têm fracassado, não há razão para acreditar. Pessoalmente, eu acredito em alguma coisa, mas é pro-forma, para não desagradar totalmente os patriotas, coitados. Eles têm tão boa vontade, tanto gosto, de maneira que, por causa deles, eu finjo acreditar em alguma coisa. Mas cá entre nós, ninguém nos ouve, você também não acredita em mais nada. Então, é verificado o seguinte: só os homens que chegaram a essa filosofia é que são felizes. Porque todos que ainda acreditam em alguma coisa acabam levando na cabeça. De maneira que, cá entre nós, ninguém nos ouve, acho que esta é a verdadeira filosofia. Não acreditar em nada. E acho que já é tempo de mudar de assunto.

Acordo entre as nações

Acho que um acordo de nações será uma coisa facílima de ser conseguida no dia em que todas as nações tiverem armas iguais. Quando todas tiverem bombas atômicas de igual força, a harmonia entre elas será absoluta. O que causa diferenças entre os países é a diferença entre os armamentos. Enquanto uma tiver a bomba e a outra não, a que tiver a bomba atômica se utilizará de sua superioridade. E faz muito bem. É como eu procederia, é como o amigo procederia e como todos precedem. Quem tem força abusa. (...) O que está faltando ao mundo para o reestabelecimento da paz é apenas isso. Bomba atômica para todos de igual força. No dia em que chegarmos a isso, todos os problemas estarão resolvidos e viraremos, então, carneirinhos. E todos viramos cordeiros. É esta a minha opinião. Mas cá entre nós, é uma coisa que eu não quero que se divulgue.

O livro

Toda vida, em todos os países houve os escritores que escreveram coisas vendáveis e os escritores que escreveram coisas invendáveis. O livro é um artigo, uma mercadoria como outra qualquer. Não há diferença entre um livro e um artigo de alimentação. Se o artigo qualquer de alimentação não se vende, é porque não presta. Isto em português claro. Toda vida eu vi os bons livros serem muito bem vendidos e vi a repulsa do público pelo livro mau. E isso terá sido em todos os tempos, em todos os países. Hoje, os bons livros vendem-se muito bem, vendem-se como sempre. E, diante dos maus livros, o público faz suas reservas, suas caretas, recusa e não compra. Eu acho que essa situação é de perfeita normalidade e está muito bem que seja assim. Eu desejo é que os bons livros vendam e não haja nem sequer um comprador para o mau livro. Porque a pior peste que há no mundo é o livro mau. A gente perde até o tempo da leitura.

O que um jovem escritor deve fazer?

Crescer a aparecer. Essa é uma condição indispensável. Antes que esse jovem cresça e apareça, ele não poderá fazer nada. Crescendo, ele alcançará a maturidade. Alcançando a maturidade, ele dará tudo de si para reunir todas a qualidades latentes que ele possua. E, se de fato ele tem qualidade, esse jovem aparecerá. O aparecimento de um jovem no mundo das letras é uma coisa que depende exclusivamente das qualidades naturais desse jovem. Se ele tem qualidades, uma hora ele aparecerá e vencerá. Se ele não tiver qualidades boas, ele fracassará com muita justiça. É isso o que pensa o velho Lobato com sua longa experiência acumulado.

Obra preferida

De todas as minhas obras, a que mais me agrada é a que dá mais dinheiro. É a que me dá maior lucro. Revendo lá as minhas contas, eu vejo que é Narizinho. Naizinho arrebitado, que já rendeu duas séries de edições. Ja vendi mais de 100 mil exemplares e, portanto, essa é a querida de meu coração. Se eu dissesse qualquer coisa diferente, seria mentira e hipocrisia.

O autor e seu público

O grande número de cartas de crianças que eu recebo, a sinceridade do que elas dizem e no fato de virem não só do Brasil, mas de outros países sobretudo dos países de língua espanhola, fazem com que se eu voltasse, se eu fosse viver de novo a minha vida, eu ia entrar pelo mesmo caminho. Porque não creio que em qualquer outro setor fosse possível eu ter as mesmas recompensas que tenho com as crianças. Ainda agora mesmo eu recebi aqui uma senhora, mãe de Lilibeth. Essa Lilibeth é uma menina encantadora que mora na Rua Monte Alegre, que prometeu me visitar. E eu estou ansiosamente à espera da visita de Lilibeth. Eu considero uma visitinha da Lilibeth um prêmio. São inúmeras as criaças que me visitam. Eu me considero um sujeito muito premiado. Um sujeito que se acostumou a ser muito premiado numa vida... se tiver que voltar outra vez amanhã, quer que continue assim. De maneira que eu acho que queria assim. Viver de novo a minha vida, a vida que vivi, estou vivendo essas coisas mais variadas, de mais interesse para as crianças. E mais: as crianças estão vendo uma coisa que eu escrevi pouco e poderia ter escrito muito mais. E eu penso que perdi tempo escrevendo para gente grande, que é uma coisa que não vale a pena.

Fonte: LOBATO, Monteiro. Prefácios e entrevistas. São Paulo: Braziliense, 1957.

Frase de Monteiro Lobato



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