O único partido da História que fomentou
uma revolução contra si mesmo tem a obrigação de ser coerente e desaparecer do
cenário o mais breve possível
Volto a explicar, agora ponto por ponto,
a catástrofe estratégica monstruosa com que o PT destruiu a si mesmo e à nação.
1. No incipiente capitalismo brasileiro,
as grandes empresas são quase sempre sócias do Estado, o único cliente que pode
remunerá-las à altura dos serviços que prestam.
2. Por isso elas acabam se incorporando
ao “estamento burocrático” de que falava Raymundo Faoro: o círculo dos “donos
do poder”, que fazem da burocracia estatal o instrumento dócil dos seus
interesses grupais, em vez da máquina administrativa impessoal e científica que
ela é nas democracias normais.
3. Nesse sentido, o sistema econômico
brasileiro não é capitalista nem socialista, mas sim patrimonialista, como
destacaram, além do próprio Faoro, vários estudiosos de orientação liberal,
entre os quais Ricardo Velez Rodriguez, Antonio Paim e o embaixador J. O. de
Meira Penna.
4. Nos anos 70 do século passado os
intelectuais de esquerda que sonhavam em formar um grande partido de massas
tomaram conhecimento do livro de Raymundo Faoro, Os Donos do Poder. Formação do
Patronato Político Brasileiro, então lançado em aumentadíssima segunda edição,
e entenderam que o curso normal da revolução brasileira não deveria ser
propriamente anticapitalista, mas antipatrimonialista: o ponto focal do combate
já não seria propriamente “o capitalismo”, e sim – com nomes variados -- o
“estamento burocrático”.
5. A definição do alvo era corretíssima,
mas, ao mesmo tempo, o partido, como aliás toda a esquerda nacional, estava
intoxicado de gramscismo e ansioso por tomar o poder por meio dos métodos do
fundador do Partido Comunista Italiano, que preconizavam a infiltração
generalizada e a “ocupação de espaços” destinadas a criar a “hegemonia”, isto é
o controle do imaginário popular, da cultura, de modo a fazer do partido “o
poder onipresente e invisível de um imperativo categórico, de um mandamento
divino”.
6. A aplicação do esquema gramscista
obteve mais sucesso no Brasil do que em qualquer outro país do mundo. Por volta
dos anos 80, o modo comunopetista de pensar já havia se tornado tão habitual e
quase natural entre as classes falantes no país, que os liberais e
conservadores, inimigos potenciais dessa corrente, abdicaram de todo discurso
próprio e, para se fazer entender, tinham de falar na linguagem do adversário,
reforçando-lhe a hegemonia ideológica, mesmo quando obtinham sobre ele alguma
modesta vitória eleitoral em troca. Entre os anos 90 e a década seguinte, toda
política “de direita” havia desaparecido do cenário público, deixando o campo
livre para a concorrência exclusiva entre frações da esquerda, separadas pela
disputa de cargos apenas, sem nenhuma divergência séria no terreno ideológico
ou mesmo estratégico.
7. O sucesso da operação produziu sem
grandes dificuldades a vitória eleitoral de Lula numa eleição presidencial na
qual, como ele próprio reconheceu, todos os candidatos eram de esquerda, o que
canalizava os votos quase espontaneamente na direção daquele que personificasse
o esquerdismo da maneira mais consagrada e mais típica.
8. Com Lula na Presidência,
intensificou-se formidavelmente a “ocupação de espaços”, fortalecendo a
hegemonia ao ponto de levar ao completo aparelhamento da máquina estatal pelo
comando comunopetista, que ao mesmo tempo precisava da ajuda das grandes
empresas para cumprir o compromisso assumido no Foro de São Paulo, coordenação
estratégica da política comunista no continente, no sentido de amparar e salvar
do naufrágio os regimes e movimentos comunistas moribundos espalhados por toda
parte.
9. Inevitavelmente, assim, o próprio
partido governante se transformou no “estamento burocrático” que ele havia
jurado destruir. E, imbuído da fé cega nos altos propósitos que alegava,
atribuiu-se em nome deles o direito de trapacear e roubar em escala
incomparavelmente maior que a de todos os seus antecessores, sem admitir acima
de si nenhuma autoridade moral à qual devesse prestar satisfações. O próprio
sr. Lula expressou esse sentimento com candura admirável, afirmando-se o mais
insuperavelmente honesto dos brasileiros, ao qual ninguém teria o direito de
julgar – e isso no momento em que seu partido, abalado por uma tremenda
sucessão de escândalos, já era conhecido no país todo como o partido-ladrão por
excelência.
10. Assim, não apenas o PT fortaleceu o
patrimonialismo, como frisou o cientista político Ricardo Velez Rodriguez, mas
se transformou ele próprio na encarnação mais pura e aparentemente mais
indestrutível do poder patrimonialista, soldando numa liga indissolúvel a
ilimitada pretensão esquerdista ao monopólio da autoridade moral, os anseios do
movimento comunista continental, os interesses de grandes grupos industriais e
bancários, o aparato cultural amestrado (mídia, show business, universidades)
e, last not least, o instinto de sobrevivência da classe política praticamente
inteira.
11. Tal foi o resultado da síntese
macabra que denominei faoro-gramscismo -- a tentativa de realizar por meio da
estratégia de Antonio Gramsci a revolução antipatrimonialista preconizada por
Raymundo Faoro: na medida em que, ao mesmo tempo, instigava o ódio popular ao
“estamento burocrático” e, por meio da “ocupação de espaços”, se transfigurava
ele próprio no inimigo odiado, personificando-o com traços repugnantes
aumentados até o nível do absurdo e do inimaginável, o PT acabou por atrair
contra si próprio, em escala ampliada, a hostilidade justa e compreensível da
população aos “donos do poder”, aos príncipes coroados do Estado cleptocrático.
12. Ao longo do processo, a “ocupação de
espaços” reduziu o sistema de ensino e o conjunto das instituições de cultura a
instrumentos para a formação da militância e a repressão ao livre debate de
ideias, destruindo implacavelmente a alta cultura no país e, na mesma medida,
estupidificando a opinião pública para desarmar sua capacidade crítica. Ao
mesmo tempo, no desejo de agradar a vários “movimentos de minorias” enxertados
no Brasil por organismos internacionais, o governo petista fez tudo o que podia
para desmantelar o sistema dos valores mais caros à maioria da população,
contribuindo para espalhar a confusão moral, a anomia e a criminalidade, esta
última particularmente favorecida por legislações que não se inspiravam
propriamente em Antonio Gramsci, mas numa fonte mais remota do pensamento
esquerdista, a apologia do Lumpenproletariat como classe revolucionária, muito
em voga nos anos 60 do século XX.
O Brasil que o PT criou é feio,
miserável, repugnante, tormentoso e absolutamente insustentável. Cumprida a sua
missão histórica de encarnar, personificar e amplificar o mal que denunciava, o
único partido da História que fomentou uma revolução contra si mesmo tem a
obrigação de ser coerente e desaparecer do cenário o mais breve possível.
Por isso a mensagem que o povo lhe envia
nas ruas, nos panelaços, nas vaias e nas sondagens de opinião é hoje a mesma
que, em circunstâncias muito menos deprimentes e muito menos alarmantes,
surpreendeu o desastrado e atônito presidente João Goulart em 1964:
- Basta! Fora!
Fonte: Diário
do Comércio
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