Por Jeffrey
Nyquist
A atual
inexplicável aliança entre comunistas e nazistas na América do Sul é melhor
compreendida como um jogo complexo que remonta à penetração do Terceiro Reich
por agentes soviéticos durante a guerra.
Alexander
Dugin, o teórico geopolítico russo e conselheiro do presidente Putin, tem dito
que o século XX foi o “século da ideologia”. Foi um século no qual, como
predisse Nietzsche, ideias (e ideologias) guerrearam umas contra as outras. As
três facções em guerra foram, em ordem de aparição: liberalismo (da esquerda e
da direita), comunismo (assim como a social-democracia) e fascismo (incluindo o
nacional-socialismo de Hitler). Estas três ideologias combateram-se mutuamente
até “a morte, criando, em essência, toda a dramática e sangrenta história
política do século XX”. De acordo com Dugin, o liberalismo veio a vencer no
final do século XX. Ainda que vitórias deste tipo raramente sejam permanentes.
Na verdade, Dugin diz-nos que o liberalismo já se desintegrou na
“pós-modernidade”. Dugin argumenta que, com seu foco no indivíduo, o
liberalismo conduziu à globalização, e globalização significa que o homem é
“libertado de sua adesão a uma comunidade” e de qualquer identidade
coletiva...” Isto aconteceu porque a massa de seres humanos, “compreendida
inteiramente por indivíduos, é atraída em direção à universalidade e busca
tornar-se global e unificada”. Mesmo agora este ímpeto em direção à globalização
coincide com a glorificação da liberdade total “e a independência do indivíduo
de qualquer tipo de limite, incluindo razão, moralidade, identidade...
disciplina, e assim por diante”. O resultado, diz Dugin, é o “Fim da História”
de Francis Fukuyama. Mas não nos enganemos, explica Dugin. A história não
termina realmente. O que realmente aconteceu, na verdade, é que a realização do
triunfo do liberalismo tem sido o desastre da humanidade. É um desastre para o
indivíduo, devido ao indivíduo ter perdido seu ancoradouro. É um desastre para
a liberdade, porque agora estamos sob “a tirania das maiorias”. É um desastre
para nossa economia, porque a espoliação é o princípio emergente do mercado. E
aqueles que desejam preservar sua identidade racial, nacional ou religiosa são
apontados como inimigos pelo politicamente correto tão iludido como desumano.
Aqui Dugin
parece estar ecoando James Burnham, que uma vez explicou que o liberalismo era
“a ideologia do suicídio do Ocidente”. O liberalismo destrói, como argumentou
Joseph Schumpeter, sua própria “sustentação iliberal”. O livro de Dugin, The
Fourth Political Theory (A Quarta Teoria Política), do qual a estratégia russa
agora depende, é na verdade uma versão atualizada de uma velha fórmula
estratégica que uma vez tomou forma sob o Pacto Molotov-Ribbentrop. É uma
tentativa de reviver e combinar as ideologias fracassadas do comunismo e do
fascismo para uma batalha final. Pela união de todos os comunistas e
fascistas (fascistas islâmicos inclusive) no momento do mais forte impulso
suicida do liberalismo, Dugin e seus chefes russos esperam construir uma
coalizão global sem precedentes. Vale lembrar que Dugin não inventou esta
“nova” abordagem totalitária, porque seus elementos estavam presentes no
pensamento e planejamento soviético antes que Dugin nascesse. Stalin estava
usando a Quarta Teoria Política em agosto de 1939, quando enviou as delegações
britânica e francesa embaladas a fim de assinar um pacto com Hitler.
Relata-se que
Stalin muitas vezes disse, em perfeita seriedade, “eu poderia ter conquistado o
mundo com Hitler”. Por que ele disse isso? Porque os nazistas souberam como
mobilizar o apoio público para sua causa e os comunistas não. O ministro da
Propaganda nazista Joseph Goebells uma vez avisou que a força bruta era
insuficiente. Ele disse: “é melhor fazer com que as pessoas te amem”. Esta
inversão do dictum maquiavélico, de que é melhor ser temido que amado,
foi a robusta adaptação nazista. O nazismo não dizia respeito apenas ao ódio.
Dizia respeito também ao amor – amor ao Führer, amor à Pátria, etc... É o que
fez Hitler tão perigoso. Ele podia levar pessoas a amar coisas, e morrer por
coisas, e também a matar. Em 1940, quando Stalin conspirou para apunhalar
Hitler pelas costas, ele cometeu o erro de subestimar os nazistas. Os desastres
militares soviéticos subsequentes, que ocorreram no verão e outono de 1941,
foram sem precedentes na história da guerra.
Os sucessores
de Stalin tiveram anos para reconhecer a fragilidade de seu próprio sistema e
as vantagens do sistema de Hitler. Portanto, não deveríamos estranhar que o
bloco comunista começasse a experimentar aspectos do nacional-socialismo tempos
atrás. Pela preservação de certas tradições, e através do apelo ao
nacionalismo, as pessoas podem ser motivadas a lutar – e isto é o que Dugin
está tentando explorar com sua Quarta Teoria Política. O renascimento do
nazismo (em forma alterada) e o florescimento do antissemitismo tem sido
antecipado por Moscou há muito tempo, e Dugin tem flertado com este renascimento.
Afinal, o pêndulo político balança para frente e para trás entre os extremos.
Por três gerações temos ouvido sobre o Holocausto e a perversidade de Hitler.
Em resposta a isto, os analistas russos desconfiam ver o triunfo da negação do
Holocausto e deificação de Hitler através de um deslocamento contrário na
opinião da massa.
Dugin não se
aproximou dos nacionalistas brancos e proto-nazistas da Europa pelo sincero
desejo de ajudar a causa deles – não mais que Stalin aliou-se a Hitler em 1939
porque concordava com o Mein Kampf. Dugin é cauteloso, e evita a adoção direta
de racismo explícito. Ele diz que racismo real é o racismo americano. E então,
seu encorajamento aos nacionalistas brancos e nacional-socialistas tem sido
muito dissimulado, e bastante indireto. Seu propósito era e é golpear o sistema
de livre mercado liberal no Ocidente conseguindo que todas as forças anti
liberais oponham-se ao capitalismo americano e, por padrão, apoiem Moscou. Era
uma vez, os nazistas eram um poder em ascensão e sua energia foi aproveitada
por Stalin para atacar o Ocidente. Hoje Moscou vê outra onda se aproximando, e
uma vez mais espera aproveitar o poder da onda – tão perigoso quanto ele possa
ser.
Muitos anos
atrás, a sempre perspicaz Claire Berlinski escreveu Menace in Europe (Ameaça na
Europa). Ela percebeu, em um nível psicológico muito profundo, que o
antissemitismo e o nazismo nunca morreram. Estes impulsos apenas tornaram-se
adormecidos, e podiam reaparecer no futuro. A “desnazificação” da Alemanha no
pós-guerra portanto, apenas parecia ter sido bem sucedida. Com a mistura de
multiculturalismo, defesa do homossexualismo, feminismo etc..., a Europa tem
sido servida de um coquetel que parece concebido para uma coisa: a saber,
reviver um novo tipo de nazismo. Adicione a imigração muçulmana a esta “poção
de bruxa” e o que temos? Temos uma reação nacionalista branca.
Alexander Dugin
e seus chefes no Kremlin estão observando a Europa. Eles sabem que o
liberalismo será responsabilizado. E isto é tão importante que eles demonstram
abertura à Frente Nacional na França e ao Golden Dawn na Grécia. E por que não
deveriam? Estas organizações foram alvos de infiltração e manipulação por
agentes russos há muito tempo. Aqui é onde isto ajuda a conhecer a história
real de fascistas e nazistas na Europa. Estes não são verdadeiros
anti-comunistas, mas têm sido satélites potenciais do comunismo há décadas. Há,
de fato, na história da Segunda Guerra, uma massa de questões não examinadas e
movimentos mal compreendidos conectados a isto. Mesmo os fatos mais simples a
respeito desta guerra têm sido mal compreendidos. E Moscou gostaria de manter
desta maneira, preservando a todo custo nossas falsas suposições.
Tomemos um
evento simples da guerra que mostra quão indiferente nossos melhores
historiadores têm sido. Incontáveis livros têm sido escritos a respeito da
morte de Hitler, mas nenhum tem feito as perguntas certas. É bem conhecido que
a União Soviética ocultou todas as sólidas evidências da morte de Hitler do
restante do mundo. O que os historiadores têm tido o sentido de perguntar? Na
verdade, o próprio Stalin encorajou o rumor de que Hitler escapou de Berlim em
Abril de 1945. Mais recentemente os russos apresentaram um esqueleto de mulhercomo sendo o de Hitler, com uma perfuração por bala no lugar errado. Por que
eles fizeram isto? É muito simples. De um ponto de vista estratégico, o mito da
sobrevivência de Hitler foi estrategicamente útil a Moscou e, como veremos,
isto tem a ver com o fato de Moscou ter adquirido controle da Internacional
Nazista antes do fim da guerra. Pete Bagley, um antigo oficial da CIA com
acesso a documentos da KGB, escreveu:
“O fato
repugnante é que... a KGB secretamente infiltrou o êxodo nazista da Alemanha
(em 1945), tomou controle de uma ou mais organizações de exílio nazista, e
manipulou-as numa clássica operação “falsa bandeira”, como ferramenta
despercebida em sua Guerra Fria contra o Ocidente”.
Em Spymaster
(pag. 145), Bagley nos conta de uma reunião clandestina próxima a Viena entre
oficiais da KGB e o antigo chefe da Gestapo Heinrich Mueller em 1945. De acordo
com a informação de Bagley, Mueller teria sido pego pelos Soviéticos ao fim da
guerra, “mas ao invés de puni-lo como o pior dos criminosos de guerra”,
escreveu Bagley, “eles o tomaram para o trabalho clandestino e moveram-no para
a América do Sul”.
Aqueles que
estão interessados nos desenvolvimentos recentes na América do Sul deveriam ter
especial interesse nisto. A atual inexplicável aliança entre comunistas e
nazistas na América do Sul é melhor compreendida como um jogo complexo que
remonta à penetração do Terceiro Reich por agentes soviéticos durante a guerra.
Para compreender a profundidade destas penetrações, é útil examinar o
testemunho do chefe da agência de inteligência, Walter Schellenberg, cabeça da
inteligência estrangeira (Ausland – SD) de 1941 a 1945. De acordo com
Schellenberg, após a derrota do Sexto Exército em Stalingrado veio à existência
dentro da hierarquia nazista uma poderosa “facção oriental”. Estes eram
nazistas que sabiam que a guerra estava perdida, e que decidiram começar a
trabalhar secretamente para a União Soviética como meio de assegurar a
sobrevivência futura. Um dos mais proeminentes destes vira-casacas, do ponto de
vantagem de Schellenberg, foi o braço direito de Hitler e chefe do partido
Martin Bormann. Outro foi o chefe da Gestapo Heinrich Mueller, que pode ter
trabalhado para Moscou desde 1937. Schellenberg escreveu:
“Minha
primeira suspeita séria sobre a sinceridade do trabalho de Mueller contra a
Rússia foi despertada numa longa conversa que tive com ele na primavera de
1943..., imaginei porquê era tão tarde, que ele tinha estado bebendo, quando
disse que queria conversar comigo”.
Schellenberg
não bebia, e era um rival burocrático de Muller. No início da “conversa”,
Mueller lembrou a Schellenberg que a influência soviética não existia apenas
dentro da classe trabalhadora isoladamente. Era também forte entre pessoas
educadas. Mueller então disse: “vejo nisso um inevitável desenvolvimento
histórico de nossa era, particularmente quando se considera a “anarquia”
espiritual de nossa cultura ocidental, na qual incluo a ideologia do Terceiro
Reich”.
Schellenberg
foi tomado de surpresa. “Mueller estava 'falando como um livro'”. E Mueller
supostamente não lia livros. Mas a próxima declaração de Mueller foi ainda mais
surpreendente, porque foi traiçoeira. “O nacional-socialismo”, disse Mueller,
“não é nada
mais que um tipo de esterco neste deserto espiritual (da Europa Ocidental). Em contraste
com isto, vê-se na Rússia uma revolução mundial, espiritual e material,
unificada e inflexível, que oferece um tipo de carga elétrica positiva ao
negativismo do ocidente”.
Como
Schellenberg explicou:
“sentei-me
aquela noite em frente a Mueller num cismar profundo. Aqui estava o homem que
tinha conduzido o mais implacável e brutal esforço contra o comunismo em todas
as suas formas, o homem que em sua investigação da Orquestra Vermelha não tinha
deixado pedra sobre pedra para descobrir as últimas ramificações daquela conspiração.
Que mudança!”
Que mudança, de
fato! Mueller estava provavelmente fazendo a mesma exposição de recrutamento a
outros altos oficiais nazistas. E quem ousaria denunciá-lo? Ele era o cabeça da
Gestapo! Ele podia negar a conversa, ou dizer que estava testando a lealdade do
interlocutor. Schellenberg estava assombrado. “Você sabe, Schellenberg”, disse
Mueller,
“isto é
realmente estúpido, esta coisa entre nós. No início pensei que nos daríamos bem
em nossa relação pessoal e profissional, mas não aconteceu. Você tem muitas
vantagens sobre mim. Meus pais eram pobres, eu me fiz sozinho. Eu era um
detetive de polícia, comecei nas batidas e aprendi na dura escola do trabalho
ordinário da polícia. Agora, você é um homem educado. É um advogado, possui
retaguarda cultural, você viajou. Em outras palavras, você impôs-se facilmente
num sistema petrificado de tradição conservadora. Pegue, por exemplo, homens
como aqueles da Orquestra Vermelha – Schulze-Boynsen ou Harnack – você sabe,
eles eram intelectuais, mas de um tipo inteiramente diferente. Eles eram
intelectuais puros, revolucionários progressistas, sempre procurando por uma
solução final. Eles nunca se atolaram em meias medidas. E eles morreram
acreditando ainda naquela solução. Há muitas concessões no nacional-socialismo
para que ele ofereça uma fé como aquela, mas o comunismo espiritual pode”.
Durante sua
declaração, Mueller também referiu-se a Martin Bormann como um homem “que sabe
o quer”. Previamente, Mueller tinha se referido a Bormann como nada mais que um
criminoso. Schellenberg estava ficando nervoso, enquanto Mueller virava um
conhaque atrás do outro descrevendo a decadência do ocidente nos termos mais
rudes. Schellenberg percebeu que Mueller deveria possuir informações
comprometedoras de todos os altos líderes nazistas. Tendo escutas telefônicas
por toda parte, Mueller conhecia os segredos sujos de todos. A apreensão de
Schellenberg cresceu até que ele pensou:
“O que
Mueller deseja, este homem que estava tão cheio de rancor e ódio,
repentinamente 'falando como um livro'?” Para quebrar o monólogo Schellenberg
recorreu ao humor: “Certo camarada Mueller, vamos todos começar a dizer “Heil
Stalin!” agora mesmo, e nosso pequeno líder Mueller se tornará o cabeça da
NKVD”.
Mueller então
olhou para Schellenberg com um lampejo malevolente em seus olhos. “Isso seria
bom”, ele disse, “e você realmente estaria no grande salto, você e seus amigos
burgueses conservadores”. O grande salto, é claro, referia-se a lançar-se do
cadafalso com uma corda no pescoço. Schellenberg concluiu que Mueller era um
agente soviético. O conceito de Estado e de indivíduo do chefe da Gestapo,
raciocinou Schllenberg, “desde o início não tinha sido nem germânico nem
nacional-socialista, mas na verdade comunista. Quem sabe quantas pessoas ele
influenciou e atraiu, naquela época, para a “facção oriental”?
E então devemos
ver o reavivamento recente das ideias nazistas, do antissemitismo, do
nacionalismo branco - da tão propalada Nova Direita Europeia e da Nova Direita
Norte-americana – como um possível coadjuvante do poder russo. Pois neste
fenômeno não estamos apenas lidando com o reavivamento nazista. Podemos estar
lidando com uma operação russa de “falsa bandeira” com enorme e inexplorado
potencial terrorista. Há a possibilidade, é claro, de que este “movimento”
escape dos russos. Mas então devemos considerar o significado do Pacto
Ribbentrop-Molotov de 1939. O que quer que tenha sido, o nazismo foi inimigo da
América e da liberdade no mesmo sentido que o é o fundamentalismo islâmico.
Quando Alexander Dugin propõe sua Quarta Teoria Política, ele está propondo
nada menos que a combinação de todas as forças anti-americanas num punho
fechado.
A seguir, mais
deste assunto.
Tradução: Flávio Ghetti
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente! Boa parte dos conhecimentos surgiu dos questionamentos.
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.