O filósofo
político Leo Strauss critica Karl Popper e pede o parecer do grande Eric
Voegelin, que não mede palavras: "Popper é inculto filosoficamente, um
completo e primitivo ideólogo intratável".
Quando
possível, gostaria de saber o que pensas do Sr. Popper. Ele proferiu aqui uma
palestra sobre qual deve ser o trabalho da filosofia social — foi desprezível:
uma especulação positivista das mais deslavadas e inertes acompanhada de uma
completa inabilidade em pensar “racionalmente”, embora se passasse como
“racionalista”— foi péssimo. Não posso imaginar que tal sujeito tenha jamais
escrito algo que valesse a pena ler. Não obstante, parece ser uma tarefa
profissional tornar-se familiar com a produção da sua respectiva área. Poderias
dizer-me algo sobre isso? Se desejares, guardarei para mim teu parecer.
Calorosas
saudações,
Leo Strauss
18 de abril de 1950
Leo Strauss
18 de abril de 1950
Caro Sr.
Strauss,
A oportunidade de
falar poucas — porém profundas — palavras sobre Karl Popper a uma alma querida
é algo valioso demais para suportar uma longa espera. Esse Popper tem sido por
anos, não exatamente uma pedra pela qual se tropeça, mas um incômodo cascalho
que eu preciso ficar a todo momento chutando para fora do caminho, pois ele é
constantemente colocado na minha frente por pessoas que insistem que sua obra A
Sociedade aberta e seus inimigos é uma das obras-primas das ciências sociais da
nossa era. Essa insistência me persuadiu a ler a obra — coisa que, de outro
modo, não faria. Você está assaz certo em dizer que é um dever profissional nos
familiarizarmos com as ideias de uma obra quando elas se colocam no nosso
campo; contra esse dever, eu diria que há outro: o de não escrever ou publicar
tal obra. Em sua obra, Popper violou esse dever profissional elementar e
roubou-me várias horas da minha vida que foram dedicadas em cumprir o meu dever
profissional, de tal forma que eu me sinto completamente justificado em dizer
sem reservas que esse livro é uma porcaria sem-vergonha e impudente. Cada uma
das sentenças é um escândalo, mas mesmo assim ainda é possível destacar algumas
contrariedades.
1. As
expressões “sociedade aberta” e “fechada” foram tiradas dos Deux Source de
Henry Bergson. Sem explicar as dificuldades que induziram Bergson a criar esses
conceitos, Popper toma os termos para si porque eles soavam bem. Ele comenta de
passagem, que em Bergson os termos tinham um significado “religioso”, mas que
ele usaria o conceito de sociedade aberta mais próximo ao da “grande sociedade”
de Graham Wallam ou do conceito de Walter Lippmann. Talvez eu seja
supersensível com tais coisas, mas eu não acredito que filósofos respeitáveis
como Bergson desenvolvem seus conceitos com o único propósito de serem
remendados pela escória nas conversas de cafeteria. Também surge outro problema
relevante: se a teoria de Bergson da sociedade aberta é filosoficamente e
historicamente defensável (o que de fato eu acredito), então a ideia de
sociedade aberta de Popper não passa de lixo ideológico. Só por esse motivo,
ele deveria ter discutido o problema com todo cuidado possível.
2. O
impertinente desrespeito para com as conquistas da sua área em particular —
muito evidente em relação a Bergson — está presente em toda a obra. Quando se
lê as deliberações dele sobre Platão ou Hegel, tem-se a impressão de que Popper
é de fato estranho à literatura do assunto — embora ele ocasionalmente cite um
autor. Em alguns casos, como por exemplo Hegel, eu acreditaria que ele jamais
viu uma obra como Hegel e o Estado de Rosenzweig. Em outros casos, onde ele
cita obras sem parecer que entendeu o conteúdo, outro fator deve ser
adicionado:
3. Popper é
inculto filosoficamente, um completo e primitivo ideólogo intratável, inapto
sequer a reproduzir corretamente o conteúdo de uma única página de Platão. Ler
é algo dispensável para ele; ele é muito carente de conhecimento para entender
o que o autor diz. Disso surgem terríveis erros, como quando ele traduz o
“mundo germânico” de Hegel como “mundo alemão” e tira conclusões a partir deste
erro de tradução em relação a propaganda nacionalista alemã de Hegel.
4. Popper não
se empenha na análise textual pela qual poderia se saber qual é a intenção de
um autor; em vez disso, ele transpõe seus clichês ideológicos modernos nos seus
textos, esperando que o texto trará os resultados quando se entender o sentido
dos clichês. Seria um prazer especial para você ouvir que, por exemplo, Platão
passou por uma evolução, partindo de um período “humanitário” ainda
reconhecível no Górgias, para algo (não consigo mais lembrar se [ele usou]
“reacionário” ou “autoritário”) na República.
Resumidamente e
em suma: o livro de Popper é um escândalo sem circunstâncias atenuantes; sua
atitude intelectual é o típico produto de um intelectual fracassado; moralmente
poderia se usar expressões como patifaria, impertinência, grosseria; em termos
de competência técnica, como uma peça na história do pensamento, é diletantismo
e o resultado é desprezível.
Não seria adequado
mostrar esta carta para desqualificados. No que concerne aos conteúdos
factuais, eu veria isso como uma violação do dever profissional — identificado
por você — apoiar esse escândalo por meio do silêncio.
Eric Voegelin
Caro Sr.
Voegelin,
Nunca o agradeci
pela interessante carta do dia 18/4. Em privado, eu gostaria de dizer que
mostrei sua carta para o meu amigo Kurt Riezler, que foi então encorajado a
empenhar a influência não desprezível que possui para se contrapor à provável
indicação de Popper para esta instituição. Você, portanto, nos ajudou a
prevenir um escândalo.
Tradutor,
Leonildo Trombela Júnior
Fonte: Mídia Sem Máscara
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