Luiz Sérgio Solimeo
Um ex-membro do Serviço Secreto da Rumania comunista que
fugiu para o Ocidente nos anos 1970, Ion Pacepa (foto acima), concedeu recente
entrevista à Catholic News Agency, na qual descreve como a
KGB (serviço secreto e polícia política soviética) teria criado a
Teologia da Libertação.
“O movimento nasceu na KGB e tinha um nome
inventado pela KGB: Teologia da Libertação”, afirma Pacepa. E conta como
Krushev e um general russo infiltraram agentes no Conselho Mundial das Igrejas
e por esse meio manobraram um grupo de bispos sul-americanos reunidos em
Medellin, Colômbia, em 1968.
A realidade é mais complexa
Embora não se possa descartar a ação de Moscou na difusão
desse movimento revolucionário, a realidade, no entanto, é muito mais complexa:
a Teologia da Libertação foi fruto de um longo processo no interior de
setores da Igreja, trabalhados pelo Modernismo e pelas filosofias
imanentistas modernas, bem como pela influência do protestantismo liberal.
Assim, devemos traçar suas origens, para não ir mais longe,
aos pontificados dos Papas Leão XIII (1878-1903) e São Pio X (1903-1914).
Heresia Modernista
Por meio de vários documentos e medidas disciplinares, o
Papa São Pio X condenou um conjunto de erros filosóficos, teológicos, morais e
sociais que fermentavam há tempos em instituições de ensino eclesiásticas. A
esse conjunto ─ que ele afirma ser “a síntese de todas as heresias” ─,
deu o nome de Modernismo. Trata-se da heresia Modernista.
O Modernismo ─ descrito especialmente na Encíclica
Pascendi Dominici Greges, de 1907 ─ é uma versão mais radical do liberalismo
católico, que tenta infiltrar na Igreja o espírito e a mentalidade do mundo. O Modernismo
é fundamentalmente naturalista e imanentista, negando o sobrenatural e a
transcendência divina, e reduzindo a religião a um mero sentimento, sem
verdades dogmáticas nem preceitos morais imutáveis.
Embora o Modernismo tenha sido condenado por São
Pio X, infelizmente, seu espírito e muitas de suas doutrinas e metas
continuaram a serpentear nos meios eclesiásticos e leigos. Em 1910 o santo
Pontifice publicou o Motu Proprio Sacrorum Antistitum, no
qual afirmava: “Os modernistas, mesmo
depois que a Encíclica Pascendi dominici gregis arrancou-lhes a máscara com que se cobriam, não abandonaram seus
desígnios de perturbar a paz da Igreja. Eles, com efeito, não cessaram de
procurar e agrupar em uma sociedade secreta novos adeptos…
[Eles] estão injetando o virus de sua
doutrina nas veias da sociedade Cristã”. [1]
“Nouvelle Théologie”
Os erros teológicos e filosóficos disseminados por essa
sociedade secreta modernista foram condenados mais tarde, em 1950, pelo Papa
Pio XII, por meio da Enciclica Humani Generis. Entre os erros
condenados está o naturalismo e o “evolucionismo místico” de Teilard de
Chardin, o qual identificava Jesus Cristo com a evolução, tornando assim irrisória
qualquer verdade dogmática ou moral ensinada pela Igreja. Essa corrente
tornou-se conhecida como “Nouvelle Théologie”, por serem seus mentores
sobretudo franceses.
Modernismo sócio-político-econômico
O aspecto sócio-econômico dessa fermentação teológica
modernista foi representada no começo do século XX por Le Sillon (“o
sulco”), de Marc Sangnier. Esse movimento leigo pregava um igualitarismo
sócio-economico radical, tendo por isso sido condenado igualmente por São Pio
X, em 1910, através da Carta Apostólica Notre Charge Apostolique.
Essa tendência foi sistematizada mais tarde em termos
filosóficos por Jacques Maritain, filósofo francês convertido ao Catolicismo,
no seu livro Humanismo Integral (1936), que o Pe. Anonio Messineo S.J.
qualificou de “naturalismo integral” nas páginas da Civiltá Cattolica.[2]
Em seu livro, embora Maritain critique o ateísmo e o
totalitarismo do comunismo, ele elogia “a profunda intuição” de Marx; intuição
que Maritain acredita “ser o grande fulgor
de verdade que percorre toda a obra de Marx.” Esse “fulgor de
verdade” é a tese de Marx da “alienação
imposta pela sociedade capitalista à mão de obra e a desumanização que atinge
tanto o proletariado como os proprietários.” [3]
Ou seja, Maritain aceita a essência do marxismo, que é a luta de classes e o papel “redentor” do proletariado. E ele diz ser papel dos católicos desengajarem o “fulgor de verdade” da doutrina marxista, de seu arcabouço filosófico ateu. Porque, diz ele “por maior que fosse a aversão pessoal de Marx pelo cristianismo, essa intuição, em si mesma, é impregnada dos valores judeo-cristãos.”[4]
Contrariando o anticomunismo católico que então imperava, Maritains sugere uma “Terceira posição” ou “Terceira via” nem capitalista nem comunista.
Esse livro tornou-se a como que a “cartilha” do movimento da Ação Católica e de seu braço político, a Democracia Cristã, em especial na América Latina.
Essa pretensa neutralidade entre o capitalismo e o socialismo foi conduzindo a Ação Católica e a Democracia Cristã cada vez mais para a esquerda.
A “Terceira Posição”: “Nenhum inimigo à esquerda; nenhum amigo na Direita”
Em 1947 reuniu-se em Montevidéu, Uruguai, o I Congresso da Democracia Cristã na América, com o fito de expandir a “Terceira Posição” maritainiana. A declaração final do evento afirmava que os democrata-cristãos baseavam-se na doutrina social da Igreja e no “Humanismo Integral” de Maritain. O documento criticava o fascismo, o comunismo e o capitalismo. Mas mostrava sua aversão pelo anticomunismo, visto como “promotor de discórdia.[5] Em suma, a “Terceira Posição”, nem capitalista nem comunista, era sobretudo anti-anticomunista, segundo a fórmula “Pas d’ennemis à gauche, pas d’amis a droite;” ou seja, nenhum inimigo entre os esquerdistas nem amigos entre os direitistas.
Da Ação Católica à guerrilha comunista
Com a morte do Papa Pio XII (outubro 1958), a Democracia Cristã começou, na Itália e por toda a parte, a chamada “apertura a sinistra”, aliando-se a partidos socialistas e chegando a falar em um “socialismo cristão.” No Brasil, por exemplo, a juventude da Ação Católica ─ que constituía a base da Democracia Cristã ─ foi mais longe e, a partir de 1960 fez aliança com os comunistas no movimento estudantil. Essa aliança foi tão longe que, em 1962, ela se destacou, completamente da Igreja e deu origem a um movimento político socialista, a Ação Popular. Esse movimento levou os antigos jovens católicos a entrar na guerrilha urbana comunista do fim dessa década.
As teorias da Nouvelle Théologie e a filosofia política de Maritain penetraram também nos Seminários por todo o mundo, influenciando os jovens sacerdotes e Religiosos. Ainda no Brasil, em 1969, três noviços Dominicanos, oriundos da Ação Católica, foram presos pela polícia por suas ligações com a guerrilha comunista.
O caldo de cultura da Teologia da Libertação
Foi nesse ambiente de intensa fermentação modernista e esquerdista que teólogos como o uruguaio Juan Luis Segundo, S.J., os brasileiros Hugo Assmann e Frei Leonardo Boff, O.F.M. e o peruano Gustavo Gutierrez lançaram as bases da chmada Teologia da Libertação. Na Argentina essa “teologia” teve um caráter mais populista por causa da influência peronista, tendo como corifeus os padres Juan Carlos Scannone, S.J. e Lucio Gera.
Uma “teologia” latino-americana?
Embora se diga que a Teologia da Libertação seja uma “teologia” latino-americana, na verdade ela é toda calcada em autores europeus, católicos e protestantes, e nos teóricos comunistas Karl Marx e Antonio Gramsci.
O ponto central dessa “teologia” é o endeusamento do pobre, como fez Marx em relação ao “proletário”, apresentando-o como o “Redentor” da humanidade.
A Teologia da Libertação não pretende ajudar o pobre, como os grandes santos da Igreja sempre fizeram, mas apenas servir-se dele. O pobre é apenas uma arma usada contra os “ricos” (todo aquele que goza de boa posição econômica ou social), segundo a teoria marxista da luta de classes.
Da mesma forma, também não deseja melhorar a situação econômica dos países onde atua, mas conduzi-los à miséria, que esses pseudo-teólogos identificam com a “perfeição evangélica”. O seu modelo é Cuba, endeusada como uma espécie de “paraíso na terra,” onde a miséria assumiria um caráter como que “sagrado”. Eles seguem as heresias “miserabilistas” da Idade Média decadente, segundo testemunho de Leonardo e Clodovis Boff: “Inspiradores são também para a Teologia da Libertação, as experiências evangélicas singulares de tantos profetas heretizados … sem esquecer a contribuição preciosa dos movimentos pauperistas medievais de reforma, bem como as postulações evangélicas dos grandes reformadores” [6].
Por este rápido apanhado histórico, vê-se que, com KGB ou sem KGB, a crise interna que grassa na Igreja há tanto tempo teria levado logicamente à Teologia da Libertação.
“Baldeação Ideológica Inadvertida”
É possível que a KGB tenha contribuído na disseminação dessa ideologia político-religiosa, que se apresenta como teologia católica: ela é muito útil para a expansão comunista, sobretudo em meios católicos, e para a manutenção desse regime nos infelizes países que caíram sob seu domínio.
Entretanto, o fator decisivo nos surgimento e proliferação da Teologia da Libertação, e de sua aplicação prática na América Latina, foi a verdadeira “baldeação ideológica inadvertida” [7] ─para usar a célebre expressão cunhada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira ─ sofrida por jovens idealistas que entravam para os Seminários ou a Ação Católica e foram sendo conduzidos paulatinamente, de um fervor religioso e da ortodoxia católica, para a afinidade com as teorias marxistas do igualitarismo e da luta de classes.
Portanto, o comunismo, e a KGB, não se encontram no começo do processo que conduziu ao aparecimento da Teologia da Libertação, mas sim no seu final, como consequência necessária da aceitação dos princípios igualitários e evolucionistas dos teóricos heréticos dos inícios do século XX
[1] http://w2.vatican.va/content/pius-x/la/motu_proprio/documents/hf_p-x_motu-proprio_19100901_sacrorum-antistitum.html.
[2] Antonio Messineo, S.J, “Umanesimo Integrale”, Civilta Cattolica, September 1, 1956.
[3] Jacques Maritain, Integral Humanism, Freedom in the Modern World, and A Letter on Independence, University of Notre Dame press, Notre Dame, Indiana, 1996, p. 181.
[4] Id.Ibd. nota 8.
[5] Cf. Aureo Busetto, A democracia cristã no Brasil: princípios e práticas, UNESP, 2001, pp. 28-30.
[6] Leonardo Boff e Clodovis Boff, Como Fazer Teologia da Libertação, Vozes, Petrópolis, 1986, p. 57.
Fonte: Plinio Correa de Oliveira
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