Por
Hans-Hermann Hoppe
Esta é a tradução de um paper
publicado vol. 9, no. 2, do Journal of Libertarian Studies (1993) com o título
"Marxist and Austrian Class Analysis".
Pretendo
fazer o seguinte neste paper: primeiro apresentar as teses que constituem o
núcleo da teoria marxista da história. Meu ponto é que todas elas são
essencialmente corretas. Então eu demonstrarei como essas teses verdadeiras são
derivadas no marxismo de um ponto de partida falso. Finalmente, eu demonstrarei
como o austrianismo, na tradição Mises-Rothbard, pode fornecer uma explicação
correta mas categoricamente diferente da validade delas.
Deixe-me
começar com o núcleo central do credo marxista:1
(1)
"A história da humanidade é a história das lutas de classes."2 É a
história das lutas entre uma classe dominante relativamente pequena e uma
classe maior de explorados. A forma primária de exploração é econômica: A
classe dominante expropria parte da produção dos explorados ou, como os
marxistas dizem, "se apropriam do produto de uma mais-valia social" e
a usa para seus próprios propósitos de consumo.
(2) A
classe dominante é unificada por seu interesse comum em manter sua posição
exploratória e maximizar sua mais-valia apropriada. Ela nunca deliberadamente
abandona o poder ou a renda advinda da exploração. Em vez disso, qualquer perda
de poder ou renda precisa ser recuperada através de conflitos, cujos resultados
em última análise depende da consciência de classe dos explorados, i.e., se os
explorados estão, e em qual medida, cientes das suas próprias condições e se
estão deliberadamente unidos com os outros membros da sua classe em comum
oposição à exploração.
(3) O
domínio de classe se manifesta primariamente em arranjos específicos com
relação à estipulação dos direitos de propriedade ou, na terminologia marxista,
em específicas "relações de produção". Para proteger esses arranjos
ou relações de produção, a classe dominante forma e está no comando do estado
como o aparato de compulsão e coerção. O estado aplica e ajuda a reproduzir uma
dada estrutura de classes através da administração de um sistema de
"justiça de classe", e ajuda na criação e no suporte de uma
superestrutura ideológica criada para dar legitimidade à existência do domínio
de classe.
(4)
Internamente, o processo de competição dentro da classe dominante gera uma
tendência de crescente concentração e centralização. Um sistema multipolar de
exploração é gradualmente suplantado por um sistema oligárquico ou monopolista.
Menos e menos centros de exploração continuam em operação, e aqueles que
continuam são cada vez mais integrados numa ordem hierárquica. E, externamente,
e.g., dentro do sistema internacional, esse processo de centralização interna
levará (e mais intensamente quanto mais avançado estiver) a guerras
imperialistas entre estados e à expansão territorial do domínio explorador.
(5)
Finalmente, com a centralização e expansão do domínio explorador gradualmente
se aproximando do seu limite de dominação global, o domínio de classe se
tornará cada vez mais incompatível com um maior desenvolvimento e avanço das
"forças produtivas". Estagnação econômica e crises se tornam mais e
mais características e criam as "condições objetivas" para a emergência
da consciência de classe revolucionária dos explorados. A situação se torna
propícia ao estabelecimento de uma sociedade sem classes, para o
"desaparecimento do estado", para "a substituição do governo do
homem sobre o homem pela administração das coisas"3 e, como resultado, de
prosperidade econômica nunca antes vista.
Todas
essas teses são perfeitamente justificáveis, como eu demonstrarei.
Infelizmente, no entanto, foi o marxismo, que subscreve a todas elas, que fez
mais do que qualquer outro sistema ideológico para desacreditar suas validades
por derivá-las de uma teoria de exploração patentemente absurda.
Qual é
essa teoria marxista da exploração? De acordo com Marx, os sistemas sociais
pré-capitalistas, como a escravidão e o feudalismo, são caracterizados pela
exploração. Não há disputa quanto a isso. Afinal, o escravo não é um
trabalhador livre e não pode se dizer que ele ganha por estar escravizado. Ao
contrário, sua escravização reduz sua utilidade em favor de um aumento na
riqueza apropriada pelo escravizador. O interesse do escravo e do dono de
escravos é de fato antagônico. O mesmo é verdadeiro quanto aos interesses do
senhor feudal que extrai impostos sobre a terra do camponês que se apropriou
originalmente dela. Os ganhos do senhor são as perdas do camponês. E também não
há disputa quanto ao fato de que tanto a escravidão quanto o feudalismo impedem
o desenvolvimento das forças produtivas. Nem o escravo nem o servo são tão
produtivos quanto seriam sem a escravidão ou a servidão.
Mas a
idéia genuinamente nova do marxismo é a de que essencialmente nada é mudado com
relação à exploração sob o capitalismo, i.e., se o escravo se torna um
trabalhador livre, ou se o camponês decide cultivar a terra apropriada por
outra pessoa e paga o aluguel da terra em troca disso. Para ser preciso, Marx,
no famoso vigésimo quarto capítulo do primeiro volume de seu Kapital,
intitulado "A Chamada Acumulação Original", fornece uma descrição
histórica da emergência do capitalismo que aponta que muitas, ou mesmo que a
maior parte, das propriedades capitalistas são resultado de saques, anexações e
conquistas. Similarmente, no capítulo 25, sobre a "Moderna Teoria do
Colonialismo", o papel da força e da violência na exportação do
capitalismo ao que — como diríamos hoje em dia — Terceiro Mundo é fortemente
enfatizado. Admitidamente, tudo isso é geralmente correto, e assim não pode
haver disputa na rotulação desse capitalismo como explorador. Mas se deve estar
atento ao fato de que aqui Marx está executando um truque. Ao fazer
investigações históricas e instigar a indignação do leitor quanto às
brutalidades subjacentes à formação de muitas fortunas capitalistas, ele põe de
lado a questão que tinha em mãos, evitando o fato de que sua tese é na verdade
inteiramente diferente: a saber, que mesmo sob um capitalismo
"limpo", por assim dizer, i.e., sob um sistema no qual a apropriação
original do capital foi resultado de nada mais que homesteading, trabalho e
poupança, o capitalista que contratou o trabalho para empregar com seu capital
estaria mesmo assim envolvido em exploração. De fato, Marx considerava a prova
desta tese como sua mais importante contribuição à análise econômica.
Sua
prova do caráter explorador de um capitalismo limpo consiste na observação de
que os fatores de produção, em particular dos salários pagos aos trabalhadores
pelos capitalistas, são mais baixos que os preços da produção. Ao trabalhador,
por exemplo, é pago um salário que representa os bens de consumo que podem ser
produzidos em três dias, mas ele na verdade trabalhou cinco dias por seu
salário e produz bens de consumo que excedem em valor o que ele recebe como
remuneração. A produção de dois dias extras, a mais-valia na terminologia
marxista, é apropriada pelo capitalista. Portanto, de acordo com Marx, existe
exploração.4
O que
há de errado com essa análise?5 A resposta se torna óbvia uma vez que se
pergunta por que o trabalhador possivelmente concordaria com esse arranjo! Ele
concorda porque seu pagamento salarial representa bens presentes — ao passo que
seus serviços de trabalho representam apenas bens futuros — e ele valora mais
os bens presentes. Afinal, ele poderia também decidir não vender seus serviços
ao capitalista e assim ganhar o "valor total" de sua produção ele
mesmo. Mas isso, é claro, implicaria que ele teria que esperar mais tempo por
quaisquer bens de consumo para que ficassem disponíveis para ele. Ao vender seu
trabalho, ele demonstra que prefere uma menor quantidade de bens de consumo
agora a uma quantidade possivelmente maior no futuro. Por outro lado, por que o
capitalista quereria selar um acordo com o trabalhador? Por que ele quereria
abrir mão de bens presentes (dinheiro) para o trabalhador em troca de serviços
que trazem frutos somente mais tarde? Obviamente, ele não quereria pagar, por
exemplo, $100 agora se ele fosse receber a mesma quantia no tempo de um ano.
Nesse caso, por que não simplesmente ficar com o dinheiro por um ano e receber
o benefício extra de tê-lo sob controle durante todo o tempo? Em vez disso, ele
precisa esperar receber uma soma maior que $100 no futuro para abrir mão dos
$100 agora na forma de salário pago para o trabalhador. Ele precisa esperar ser
capaz de auferir lucro, ou mais corretamente um retorno de juros. E ele é
constrangido pela preferência temporal, i.e., pelo fato de que um agente
prefere invariavelmente bens mais cedo do que mais tarde. Pois se se puder
obter uma maior soma no futuro sacrificando uma soma menor no presente, por que
então o capitalista não poupa mais do que está poupando? Por que ele não
contrata mais trabalhadores do que contrata, se cada um deles promete um
retorno de juro adicional? A resposta novamente deve ser óbvia, porque o
capitalista é um consumidor também, e não pode não ser um. A quantia de sua
poupança e de seus investimentos é restringida pela necessidade que ele,
também, como o trabalhador, requer uma oferta de produtos presentes
"grande o suficiente para assegurar a satisfação de todos aqueles desejos
que são considerados mais urgentes durante o tempo de espera que as vantagens
que um período ainda maior de produção poderia prover"6.
O que
há de errado com a teoria da exploração de Marx, então, é que ele não entende o
fenômeno da preferência temporal como uma categoria universal da ação humana.7
Que o trabalhador não receba seu "valor total" não tem nada a ver com
exploração, mas meramente reflete o fato de que é impossível para o homem
trocar bens futuros por bens presentes a não ser com um desconto. Ao contrário
do caso do escravo e do dono de escravos, onde o último se beneficia às
expensas do primeiro, o relacionamento entre o trabalhador livre e o
capitalista é mutuamente benéfico. O trabalhador entra no acordo porque, dada
sua preferência temporal, ele prefere uma menor quantidade de bens presentes a
uma quantidade maior no futuro; e o capitalista entra nele porque, dada sua
preferência temporal, ele tem uma preferência de ordem reversa e avalia melhor
uma quantidade maior de bens futuros que uma quantidade menor de bens
presentes. Seus interesses não são antagônicos, mas harmônicos. Sem a
expectativa do capitalista de um retorno de juro, o trabalhador estaria numa
situação pior porque teria que esperar mais tempo do que deseja; e sem a
preferência do trabalhador por bens presentes, o capitalista estaria numa
situação pior porque ele teria que recorrer a métodos com menos estágios e
menos eficientes de produção que aqueles que deseja adotar. Nem o sistema
salarial capitalista pode ser considerado como um impedimento ao
desenvolvimento das forças de produção, como Marx pretende. Se o trabalhador
não pudesse vender seus serviços de trabalho e se o capitalista não os pudesse
comprar, a produção não seria maior, mas menor, porque a produção teria que se
dar com níveis relativamente reduzidos de acumulação de capital.
Sob um
sistema de produção socializado, ao contrário das proclamações de Marx, o
desenvolvimento das forças produtivas não alcançaria novas alturas, mas, em vez
disso, afundaria dramaticamente.8 Porque, obviamente, a acumulação de capital
precisa ser feita por indivíduos definidos em pontos definidos do tempo e do
espaço através de apropriação, produção ou poupança. Em cada caso, ela é levada
a cabo com a esperança de que trará um aumento da produção de bens futuros. O
valor que um agente atribui a seu capital reflete o valor que ele atribui a
todas as rendas futuras atribuíveis a sua cooperação descontada pela sua taxa
de preferência temporal. Se, no caso dos fatores de produção de propriedade
coletiva, a um agente não é mais garantido o controle exclusivo sobre seu
capital acumulado e, portanto, sobre a renda futura a ser derivada de seu
emprego, mas o controle parcial, ao invés disso, é dado aos não-apropriadores
originais, não-produtores e não-poupadores, o valor para ele da renda esperada
e portanto da de bens de capital é reduzida. Sua taxa efetiva de preferência
temporal subirá. Haverá menos apropriação original de recursos cuja escassez é
reconhecida e menos poupança para a manutenção de capitais existentes e para a
produção de novos bens de capital. O período de produção, o número de estágios
da estrutura de produção, será diminuído e um relativo empobrecimento
resultará.
Se a
teoria de Marx da exploração capitalista e suas idéias sobre como acabar com a
exploração e estabelecer prosperidade universal são falsas a ponto de serem
ridículas, fica claro que qualquer teoria da história que for derivada dela
deve ser falsa. Ou, se estiver correta, ela tem que ter sido derivada
incorretamente. Em vez de embarcar na penosa tarefa de explicar todos os erros
no argumento marxista derivados de sua teoria de exploração capitalista e
terminando em sua teoria de história como eu descrevi anteriormente, eu tomarei
um atalho. Eu agora delinearei, de forma mais breve possível a correta —
austríaca, misesiana-rothbardiana — teoria da exploração; farei um esboço
explicativo de como essa teoria faz sentido a partir da teoria de classes da
história; e enfocarei, no caminho, algumas diferenças-chave entre esta teoria
de classes e a teoria marxista e também apontarei algumas afinidades
intelectuais entre o austrianismo e o marxismo advindas de suas convicções
comuns de que há de fato algo como exploração e uma classe dominante.9
O
ponto de partida para a teoria da exploração austríaca é claro e simples, como
deve ser. Na verdade, ele já foi estabelecido através da análise da teoria
marxista: a exploração caracterizava o relacionamento entre escravo e mestre e
entre servo e senhor feudal. Mas nenhuma exploração foi possível encontrar sob
um capitalismo limpo. Qual é a diferença em princípio entre os dois casos? A
resposta é: o reconhecimento ou não do princípio do homesteading [N.T.: Isto é,
o princípio pelo qual os recursos naturais podem ser apropriados originalmente
colocando-os em uso ou, nas palavras de John Locke, "misturando-se
trabalho" a eles]. O camponês sob o feudalismo é explorado porque ele não
tem controle exclusivo sobre a terra de que se apropriou originalmente, e o
escravo porque ele não tem controle exclusivo sobre seu próprio corpo
apropriado. Se, por um lado, todos têm controle exclusivo sobre os próprios
corpos (se for um trabalhador livre, isto é) e age de acordo com o princípio do
homesteading, não pode haver exploração. É logicamente absurdo dizer que uma
pessoa que se apropria de bens previamente não apropriados por ninguém, ou que
emprega esses bens na produção de bens futuros, ou que poupa os bens
presentemente apropriados ou produzidos para aumentar a futura oferta de bens,
poderia dessa forma explorar alguma pessoa. Nada pode ser tirado de ninguém
nesse processo, e bens adicionais na verdade foram criados. E seria igualmente
absurdo dizer que um acordo entre diferentes homesteaders, poupadores e
produtores em relação a seus bens ou serviços não-exploratoriamente apropriados
pode possivelmente conter qualquer exploração. Ao invés disso, a exploração
acontece quando ocorre algum desvio do princípio do homesteading. A exploração
ocorre quando quer que uma pessoa se consegue o controle parcial ou total sobre
recursos de que ela não se apropriou original, não poupou nem produziu e que
não adquiriu contratualmente de um prévio proprietário-produtor. A exploração é
a expropriação dos homesteaders, produtores e poupadores por não-homesteaders,
não-produtores, não-poupadores e não-contratantes que chegaram mais tarde; é a
expropriação de pessoas cujas reclamações de propriedade são baseadas no
trabalho e no contrato por pessoas com reclamações derivadas do nada e que
desconsideram o trabalho e os contratos dos outros.10
Não é
necessário dizer que a exploração assim definida é, de fato, uma parte integral
da história humana. Se pode adquirir e aumentar a própria riqueza tanto através
do homesteading, da produção, da poupança ou de contratos ou expropriando
homesteaders, produtores, poupadores ou contratantes. Não há outras formas.
Ambos os métodos são naturais à humanidade. Junto com a apropriação original, a
produção e a contratação, sempre houveram aquisições de propriedade
não-produtivas e não-contratuais. E no curso do desenvolvimento econômico,
assim como os produtores e contratantes podem formar firmas, empreendimentos e
corporações, também os exploradores podem criar empreendimentos, governos e
estados exploradores em larga escala. A classe dominante (que pode ser
novamente estratificada) é inicialmente composta dos membros dessa firma
exploradora. E com uma classe dominante estabelecida sobre um dado território e
ocupando-se de expropriar os recursos econômicos de uma classe de produtores
explorados, o centro de toda a história de fato se torna a luta entre os
exploradores e os explorados. A história, então, corretamente contada, é
essencialmente a história das vitórias e derrotas dos dominadores em sua
tentativa de maximizar suas rendas exploratoriamente adquiridas e dos dominados
em suas tentativas de resistir e reverter essa tendência. É nessa abordagem da
história que os austríacos e os marxistas concordam e por que uma notável
afinidade intelectual entre as investigações históricas austríacas e marxistas
existe. Ambas as tendências se opõem a uma historiografia que reconhece apenas
ação ou interação, econômica e moralmente no mesmo nível; e ambas se opõem a
uma historiografia que, em vez de adotar uma posição neutra, pensa que se pode
inserir os julgamentos de valor subjetivos do historiador para fornecer o mote
para suas narrativas histórias. Em vez disso, a história precisa ser contada em
termos de liberdade e exploração, parasitismo e empobrecimento econômico,
propriedade privada e sua destruição — do contrário é contada falsamente.11
Enquanto
os empreendimentos produtivos vão e vêm por causa do suporte voluntário (ou de
sua ausência) dos consumidores, uma classe dominante nunca chega ao poder
porque há uma demanda por ela, nem abdica quando a abdicação é demonstradamente
demandada. Não se pode dizer, nem se se esticar muito a imaginação, que os
homesteaders, produtores, poupadores e contratantes demandaram suas próprias
expropriações. Eles devem ser coagidos a aceitá-la, e isso prova
conclusivamente que a firma exploradora não é demandada de forma alguma. Também
não se pode dizer que uma classe dominante pode ser trazida abaixo pela
abstenção das transações com ela da mesma forma que se pode trazer abaixo um
empreendimento produtivo. Pois a classe dominante adquire sua renda através de
transações não-produtivas e não-contratuais e assim não é afetada por boicotes.
Em vez disso, o que torna o nascimento de uma firma exploratória possível, e o
que pode sozinha trazê-la abaixo, é o estado específico da opinião pública ou,
na terminologia marxista, um específico estado de consciência de classe.
Um
explorador cria vítimas e vítimas são inimigos potenciais. É possível que essa
resistência seja quebrada pela força, como, por exemplo, no caso de um grupo de
homens explorando outro grupo mais ou menos do mesmo tamanho. Entretanto, mais
que força é necessária para expandir a exploração sobre uma população de muitas
vezes o seu tamanho. Para que isso aconteça, uma firma precisa também ter
suporte do público. A maioria da população precisa aceitar as ações exploratórias
como legítimas. Essa aceitação pode variar do entusiasmo ativo à resignação
passiva. Mas ela precisa ser uma aceitação no sentido em que uma maioria
precisa ter deixado de lado a idéia de ativa ou passivamente resistir a
qualquer tentativa de aquisição de propriedade não-produtiva ou
contratualmente. A consciência de classe precisa estar baixa, subdesenvolvida e
vaga. Somente enquanto esse estado de coisas existir haverá espaço para uma
firma exploradora prosperar, mesmo se nenhuma demanda verdadeira por ela
existir. Somente se os explorados e expropriados desenvolverem uma idéia clara
de suas próprias situações e se unirem com outros membros da própria classe
através de um movimento ideológico que dê expressão à idéia de uma sociedade
sem classes onde toda exploração é abolida, o poder da classe dominante pode
ser quebrado. Somente se a maioria do público explorado se tornar integrado
deliberadamente em tal movimento e, de acordo, se mostrar ultrajado com todas
as aquisições de propriedade não-produtivas e não-contratuais, demonstrar um
desprezo comum por todos que se envolvem nesses atos e deliberadamente não
contribui com nada para fazê-los vitoriosos (sem mencionar ativamente tentar
obstruí-los), pode aquele poder vir abaixo.
A
gradual abolição do domínio feudal e absolutista e o nascimento de sociedades
crescentemente capitalistas na Europa Ocidental e nos Estados Unidos —
acompanhada por um crescimento econômico e crescente população — foi resultado
de uma crescente consciência de classe entre os explorados, que foram
ideologicamente moldados juntos através das doutrinas dos direitos naturais e
do liberalismo. Nisso os austríacos e os marxistas concordam.12 Eles discordam,
contudo, quanto a se inverso desse processo de liberalização e se os níveis rapidamente
aumentados de exploração nessas sociedades desde o último terço do século XIX,
e particularmente pronunciados desde a Primeira Guerra Mundial, são resultado
de uma perda da consciência de classe. Na verdade, na visão austríaca, o
marxismo precisa aceitar muito da culpa por esse desenvolvimento por
mal-direcionar a atenção do correto modelo de exploração do
homesteader-produtor-poupador-contratante versus o
não-homesteader-produtor-poupador-contratante para o falacioso modelo do
trabalhador assalariado versus o capitalista, assim confundindo as coisas.13
O
estabelecimento de uma classe dominante sobre uma classe explorada de muitas
vezes o seu tamanho pela coerção e pela manipulação da opinião pública, i.e.,
um baixo grau de consciência de classe entre os explorados, encontra sua
expressão institucional mais básica na criação de um sistema de direito público
sobreposto ao do direito privado. A classe dominante se dissocia e protege sua
posição como classe dominante adotando uma constituição para as operações de
sua própria firma. Por um lado, ao formalizar as operações internas dentro do
aparato do estado e suas relações com a população explorada, uma constituição
cria algum grau de estabilidade legal. Quanto mais familiar e popular as noções
de direito privado estiverem incorporadas na constituição e no direito público,
mais favoravelmente disposto estará o público a aceitar a existência do estado.
Por outro lado, qualquer constituição e direito público também formaliza o
status imune da classe dominante em relação ao princípio do homesteading. Ela
formaliza o direito dos representantes do estado de se envolverem em aquisições
de propriedade não-produtivas e não-contratuais e a subordinação última do
direito privado ao direito público. A justiça de classe, i.e., um conjunto de
leis para os governantes e outro para os governados, vem a sustentar esse
dualismo do direito público e privado e a dominação e infiltração do direito
público sobre e dentro do direito privado. Não é por que os direitos de propriedade
privada são reconhecidos pela lei, como os marxistas pensam, que a justiça de
classe é estabelecida. Na verdade, a justiça de classe surge precisamente
quando uma distinção legal existe entre uma classe de pessoas agindo sob e
sendo protegida pelo direito público e outra classe agindo sob e sendo
protegida por um direito privado subordinado. Mais especificamente então, a
proposição básica da teoria marxista do estado, em particular, é falsa. O
estado não é explorador porque protege os direitos de propriedade dos
capitalistas, mas porque ele próprio está isento da restrição de ter que
adquirir propriedade produtiva ou contratualmente.14
Apesar
desse erro fundamental, contudo, o marxismo, porque corretamente interpreta o
estado como explorador (ao contrário, por exemplo, da escola escolha pública
[N.T.: Public Choice School], que o vê como uma firma normal entre outras15),
nos fornece alguns insights importantes com relação à lógica das operações do
estado. Por exemplo, ele reconhece a estratégica função das políticas estatais
redistributivas. Como uma firma exploratória, o estado precisa a todos os
momentos estar interessado num baixo grau de consciência de classe entre os
dominados. A redistribuição de propriedade e de renda é a forma pela qual o
estado pode criar uma divisão entre o público e destruir a formação de uma
consciência de classe unificada entre os explorados. Além disso, a
redistribuição de poder estatal em si, através da democratização da
constituição estatal, da abertura de todas posições de governo para todos e da
concessão a todos do direito de participar na determinação dos empregados e das
políticas do estado, é um meio de reduzir a resistência à exploração como tal.
Ademais, o estado é, de fato, como os marxistas o vêem, o grande centro de
propaganda ideológica e mistificação: exploração é liberdade; impostos são de
fato contribuições voluntárias; relações não-contratuais são na verdade
"conceitualmente" contratuais; ninguém é governado por ninguém, mas
nós todos governamos nós mesmos; sem o estado não haveria lei nem segurança; e
os pobres morreriam, etc. Tudo isso é parte da superestrutura ideológica
desenhada para legitimar uma base subjacente de exploração econômica.16 E
finalmente, os marxistas também estão certos em perceberem a próxima associação
entre o estado e os negócios, especialmente com a elite bancária — embora a
explicação deles para isso seja incorreta. A razão não é que o establishment
burguês veja e apóie o estado como protetor dos direitos de propriedade privada
e do contratualismo. Pelo contrário, o establishment corretamente percebe o
estado como a antítese da propriedade privada e tem interesse nele por essa
razão. Quanto mais bem sucedido for um negócio, maior o perigo potencial da
exploração governamental, mas também maior são os potenciais ganhos que podem
ser auferidos se ele puder conseguir a proteção especial do governo e ficar
isento do peso total da competição capitalista. A elite dominante, por seu
lado, tem interesse na cooperação com o establishment dos negócios por causa de
seu poder financeiro. Em particular, a elite bancária é de interesse porque,
como uma firma exploratória, o estado naturalmente deseja possuir completa
autonomia para falsificar moeda [N.T.: "counterfeiting", o estado
quer ter autonomia para expandir a base monetária sem restrições.]. Ao se
oferecer para incluir a elite bancária em suas próprias maquinações
falsificadoras e ao permitir que eles falsifiquem moeda em adição às suas
próprias notas falsificadas sob um regime bancário de reserva fracionária, o
estado pode facilmente alcançar seu objetivo e estabelecer um sistema estatal
de moeda monopolizada e de bancos cartelizados controlados pelo banco central.
E através dessa direta conexão falsificadora com o sistema bancário e por
extensão com os maiores clientes dos bancos, a classe dominante de fato se
estende muito além do aparato do estado até os nervos centrais da sociedade
civil — não muito diferente, pelo menos em aparência, da imagem que os
marxistas gostam de retratar da cooperação entre bancos, elites empresariais e
o estado.17
Competição
dentro da classe dominante e entre diferentes classes dominantes traz uma
tendência de crescente concentração. O marxismo está certo neste ponto. No
entanto, sua incorreta teoria da exploração novamente o leva a localizar a
causa dessa tendência no local errado. O marxismo vê essa tendência como
inerente na competição capitalista. Contudo, é precisamente enquanto as pessoas
estão envolvidas num capitalismo limpo que a competição não é uma forma de
interação de soma-zero. O homesteader, o produtor, o poupador e o contratante
não ganham às expensas dos outros. Os ganhos deles ou deixam as possessões
físicas dos outros completamente inalteradas ou implicam ganhos mútuos (como no
caso de todas as trocas contratuais). Pode-se dizer então que o capitalismo
aumenta a riqueza absoluta. Mas sob seu regime, nenhuma tendência sistemática
rumo a uma concentração relativa pode se dizer que existe.18 Em vez disso,
interações de soma-zero caracterizam não somente o relacionamento entre o
governante e o governado, mas também entre governantes que competem entre si. A
exploração, definida como aquisições de propriedade não-produtivas e
não-contratuais, só é possível enquanto houver o que apropriar. Entretanto, se
houvesse competição livre no ramo da exploração, não haveria nada restante para
expropriar. Assim, a exploração requer um monopólio sobre um dado território e
sua população; e a competição entre os exploradores é, por sua própria
natureza, eliminatória e precisa desencadear uma tendência à relativa
concentração de firmas exploratórias assim como uma tendência à centralização
em cada uma dessas firmas. O desenvolvimento de estados em vez de firmas
capitalistas provê a maior ilustração dessa tendência: há agora um número
significativamente menor de estados com controle exploratório sobre territórios
muito maiores que nos séculos anteriores. E dentro de cada aparato estatal,
houve de fato uma constante tendência de aumento dos poderes do governo central
às expensas de suas subdivisões regionais e locais. No entanto, fora do aparato
estatal uma tendência de relativa concentração também se tornou aparente pela
mesma razão — não, como deve estar claro agora, por conta de qualquer
característica inerente ao capitalismo, mas porque a classe dominante expandiu
seu domínio para a sociedade civil através da criação de uma aliança de
estados-bancos-empresas e, em particular, através do estabelecimento de um
sistema de banco central. Se uma concentração e centralização do poder estatal
toma lugar, é apenas natural que seja acompanhada por um processo paralelo de
relativa concentração e cartelização do sistema bancário e da indústria. Junto
com maiores poderes estatais, aumentam os poderes dos bancos e das empresas do
establishment de eliminar ou de colocar os competidores em desvantagem por meio
de expropriações não-produtivas e não-contratuais. A concentração nos negócios
é o reflexo de uma "estatização" da vida econômica.19
Os
meios primários para a expansão dos poderes do estado e para a eliminação de
centros de exploração rivais é a guerra e a dominação militar. Competição
interestados implica uma tendência à guerra e ao imperialismo. Como centros de
exploração, seus interesses são por natureza antagonísticos. Além disso, com
cada um deles — internamente — em comando do instrumento de taxação e de
absolutos poderes de falsificação de moeda, é possível para as classes
dominantes fazerem os outros pagarem por suas guerras. Naturalmente, se uma
pessoa não tem que pagar ela própria pelos próprios empreendimentos arriscados,
mas pode forçar os outros a fazê-lo, ela tenderá a assumir mais riscos e a ser
mais beligerante do que de outra forma seria.20 O marxismo, ao contrário de
muitas das chamadas ciências sociais burguesas, apreende corretamente os fatos:
há de fato uma tendência ao imperialismo operando na história; e os maiores
poderes imperialistas são de fato as nações capitalistas mais avançadas.
Contudo, a explicação novamente é incorreta. É o estado, como uma instituição isenta
das regras capitalistas de aquisições de propriedade, que é por sua natureza
agressivo. E a evidência histórica de uma correlação próxima entre o
capitalismo e o imperialismo apenas aparentemente contradiz isso. Ela encontra
sua explicação, facilmente, no fato de que para suceder nas guerras
interestados, um estado precisa ter comando de suficientes recursos econômicos
(em termos relativos). Tudo o mais constante, o estado com mais amplos recursos
vencerá. Como uma firma exploradora, o estado é por natureza destrutivo da
riqueza e da acumulação de capital. A riqueza é produzida exclusivamente pela
sociedade civil; e quanto mais fracos os poderes estatais de exploração, mais
riqueza e capital a sociedade acumula. Assim, paradoxal como possa parecer, quanto
mais fraco ou mais liberal um estado for internamente, mais o capitalismo se
desenvolve; extrair recursos de uma economia capitalista desenvolvida torna o
estado mais rico; e um estado mais rico empreende mais e mais bem sucedidas
guerras expansionistas. É esse relacionamento que explica por que inicialmente
foram os estados da Europa Ocidental, e em particular a Grã-Bretanha, as
maiores potências imperialistas, e por que no século XX esse papel foi assumido
pelos Estados Unidos.
E uma
explicação similarmente direta, embora novamente totalmente não-marxista,
existe para a freqüente observação marxista de que o establishment bancário e
empresarial está usualmente entre os mais ardentes apoiadores da força militar
e do expansionismo imperial. Esse suporte não ocorre porque a expansão dos
mercados capitalistas requer exploração, mas porque a expansão dos negócios
protegidos e privilegiados pelo estado requer que tal proteção seja estendida
também aos países estrangeiros e que os competidores externos sejam impedidos
através de aquisições de propriedade não-contratuais e não-produtivas, da mesma
forma ou mais pronunciadamente que na competição interna. Especificamente, o
establishment apóia o imperialismo se esse suporte promete levar a uma posição
de domínio militar do estado aliado sobre outro estado. Porque, então, a partir
de uma posição de força militar, se torna possível estabelecer um sistema do
que se pode chamar de imperialismo monetário. O estado dominante usará seu
poder superior para aplicar uma política de inflação internacionalmente
coordenada. Seu próprio banco central estabelece o ritmo do processo de
falsificação de moeda e os bancos centrais dos estados dominados são obrigados
a usar sua moeda como suas próprias reservas e causar inflação a partir delas.
Assim, junto com o estado dominante e sendo os primeiros recebedores das
reservas de moeda falsificadas, o establishment bancário e empresarial pode se
envolver em expropriações quase que sem custos de propriedades estrangeiras e
de produtores de riqueza. Uma dupla camada de exploração de um estado
estrangeiro e uma elite estrangeira sobre o estado e a elite nacionais é
imposta sobre a classe explorada dos territórios dominados, causando prolongada
dependência econômica da nação dominadora e relativa estagnação econômica em
relação à ela. É essa situação — altamente não-capitalista — que caracteriza o
status dos Estados Unidos e do dólar americano e que dá ensejo às — corretas —
acusações em relação à exploração econômica dos Estados Unidos e do
imperialismo do dólar.21
Finalmente,
a crescente concentração e centralização de poderes exploratórios leva a uma
estagnação econômica e assim cria as condições objetivas para a destruição
final desses poderes e para o estabelecimento de uma sociedade sem classes
capaz de produzir uma prosperidade econômica jamais vista.
Ao
contrário do que dizem os marxistas, essa sociedade não será o resultado de
nenhuma lei histórica. De fato, não existem tais leis históricas inexoráveis,
como os marxistas concebem.22 Também não será o resultado de uma tendência de
queda da taxa de lucros com um aumento da composição orgânica do capital (um
aumento na proporção de capital constante em relação ao variável, isto é), como
Marx pensava. Assim como a teoria do valor-trabalho é irreparavelmente falsa,
também o é a lei da tendência de queda da taxa de lucros, a qual é baseada
nela. A fonte do valor, o juro, e o lucro não são exclusivamente advindos do
gasto de trabalho, mas de algo muito mais geral: da ação, i.e., do emprego de
meios escassos na busca por fins pelos agentes que são constrangidos pela
preferência temporal e pela incerteza (conhecimento imperfeito). Não há razão
para supor, então, que as mudanças na composição orgânica do capital devessem ter
qualquer relação sistemática com as mudanças no juro e no lucro.
Em vez
disso, a probabilidade de crises que estimulem o desenvolvimento de um maior
grau de consciência de classe (i.e., as condições subjetivas para a derrubada
da classe dominante) aumenta por causa — para usar um dos termos favoritos de
Marx — da "dialética" da exploração sobre a qual eu falei
anteriormente: a exploração é destruidora da formação de riqueza. Portanto, na
competição de firmas exploratórias, estados menos exploradores tendem a ocupar
o lugar dos mais exploradores porque têm comando de recursos mais amplos. O
processo de imperialismo inicialmente tem um efeito relativamente liberador nas
sociedades ficando sob seu controle. Um modelo relativamente mais capitalista é
exportado para sociedades menos capitalistas (mais exploradoras). O
desenvolvimento das forças produtivas é estimulado; a integração econômica é
aumentada, a divisão do trabalho é estendida e um genuíno mercado mundial é
estabelecido. A população aumenta em resposta e as expectativas sobre o futuro
econômico aumentam para alturas nunca antes vistas.23 Com o domínio
exploratório assumindo o controle e a competição interestados reduzida ou mesmo
eliminada num processo de expansionismo imperialista, entretanto, as limitações
externas sobre o poder do estado dominante de exploração interna e expropriação
gradualmente desaparece. A exploração interna, a taxação e a regulação começam
a aumentar quanto mais perto a classe dominante chega ao seu objetivo final de
dominação global. A estagnação econômica se estabelece e as expectativas —
mundiais — maiores são frustradas. E isso — as grandes expectativas e uma
realidade econômica cada vez mais as frustrando — é a clássica situação para a
emergência de um potencial revolucionário.24 Uma necessidade desesperada por
soluções ideológicas para as crises emergentes aumenta, junto com um mais
disseminado reconhecimento do fato de que o domínio estatal, a taxação e a
regulação — longe de oferecerem uma solução — na verdade constituem o real
problema que precisa ser superado. Se nessa situação de estagnação econômica,
crises e desilusão ideológica25 uma solução positiva é oferecida na forma de
uma sistemática e compreensiva filosofia libertária aliada à sua contraparte
econômica, a Escola Austríaca de economia, e se essa ideologia for propagada
por um movimento ativista, então os prospectos de dar ignição ao potencial
revolucionário ao ativismo se tornam altamente positivos e promissores. As
pressões anti-estatistas aumentarão e trarão uma tendência irresistível ao
desmonte do poder da classe dominante e do estado como seu instrumento de
exploração.26
Se
isso acontecer, contudo, isso não resultará — ao contrário do modelo marxista —
na propriedade social dos meios de produção. Na verdade, a propriedade coletiva
é não apenas economicamente ineficiente, como já foi explicado, mas
incompatível com a idéia de que o estado vai "desaparecer".27 Pois se
os meios de produção são de propriedade coletiva, e se for realisticamente
assumido que nem todas as idéias sobre como empregar esses meios coincidem
(como se por milagre), então são precisamente os meios de produção de
propriedade social que requerem ações estatais contínuas, i.e., uma instituição
coercitivamente impondo a vontade de uma pessoa sobre outra. Em vez disso, o
desaparecimento do estado, e com isso o fim da exploração e o início da
liberdade e de uma prosperidade econômica jamais vista, significa o
estabelecimento de uma sociedade puramente privada, regulada por nada mais que
o direito privado.
Notas:
1 Sobre o seguinte, veja K.
Marx e F. Engels, Manifesto Comunista (1848); K. Marx, Das Kapital, 3 vols. (1867; 1885; 1894); dos marxistas
contemporâneos, E. Mandel, Marxist Economic Theory (Londres: Merlin, 1962);
idem, Late Capitalism (londres: New Left Books, 1975); P. Baran e P. Sweezy,
Monopoly Capital (Nova York: Monthly Review Press, 1966); para uma perspectiva
não-marxista, L. Kolakowski, Main Currents of Marxism, G. Wetter,
Sovietideologie heute (Frankfurt/M.: Fischer, 1962), vol. 1; W. Leonhard,
Sovietideologie heute (Frankfurt/M.: Fischer, 1962), vol. 2.
2 Manifesto Comunista, seção 1.
3 Manifesto Comunista, seção 2,
últimos dois parágrafos; F. Engels, Von der Autoritaet in: Marx e Engels,
Ausgewaehlte Schriften, 2 vols. (Berlim Ocidental: Dietz, 1953), vol. 1, p.
606; idem, Die Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zur Wissenschaft,
idem, vol. 2, p. 139.
4 Veja K. Marx, Das Kapital,
vol. 1; a apresentação mais curta é seu Lohn, Preis, Profit (1865). Na verdade,
para provar a tese marxista mais específica de que exclusivamente o dono do
trabalho é explorado (mas não o dono de outro fator de produção originário: a
terra), outro argumento seria necessário. Pois se fosse verdadeiro que a
discrepância entre o preço dos fatores e da produção constitui uma relação
exploratória, isso apenas mostraria que o capitalista que contrata serviços de
trabalho de um trabalhador e serviços da terra de um dono de terras exploraria
ou o trabalho, ou a terra, ou ambos simultaneamente. É a teoria do
valor-trabalho, é claro, que tem que prover o elo perdido aqui ao tentar
estabelecer o trabalho como a única fonte do valor. Eu me pouparei da tarefa de
refutar essa teoria. Poucos restam hoje em dia, mesmo entre aqueles que se
dizem marxistas, que não reconheçam o erro da teoria do valor-trabalho. Em vez
disso, eu aceitarei, para argumentar, a sugestão feita, por exemplo, pelo
auto-proclamado "marxista analítico" J. Roemer em A General Theory of
Exploitation and Class (Cambridge: Harvard University Press, 1982); e Value,
Exploitation and Class (Londres: Harwood Academic Publishers, 1985), de que a
teoria da exploração pode ser separada analiticamente da teoria do
valor-trabalho; e que uma "teoria geral da exploração da mercadoria"
[N.T.: "generalized commodity exploitation theory"] pode ser
formulada e justificada mesmo que a teoria do valor-trabalho não seja correta.
Eu pretendo demonstrar que a teoria marxista de exploração não tem sentido
mesmo se fôssemos absolver seus proponentes de ter que provar a teoria do
valor-trabalho e, de fato, mesmo que a teoria do valor-trabalho fosse
verdadeira. Mesmo uma teoria geral da exploração de mercadoria não fornece
escapatória da conclusão de que a teoria da exploração marxista está errada.
5 Sobre
o seguinte, veja E. v. Böhm-Bawerk, The Exploitation Theory of
Socialism-Communism (South Holland: Libertarian Press, 1962).
6 L. v.
Mises, Human Action (chicago: Regnery, 1966), p. 407; veja também M. N.
Rothbard, Man, Economy, and State (Los Angeles: Nash, 1970), pp. 300-01.
7 Sobre a teoria do juro da
preferência temporal, em adição aos trabalhos citados nas notas 5 e 6, veja
também F. Fetter, Capital, Interest, and Rent (Kansas City: Sheed Andrews and
Mcmeel, 1977).
8 Sobre
o seguinte, veja H. H. Hoppe, A Theory of Socialism and Capitalism (Boston:
Kluwer, 1988); idem, "Why Socialism Must Fail", Free Market, Julho
1988; idem, "The Economics and Sociology of Taxation", in: Taxation:
An Austrian View, editado por Lew Rockwell (Auburn: Mises Institute, 1990). Prestes a ser publicado.
9 As contribuições de Mises à
teoria da exploração e de classe não são sistemáticas. No entanto, através de
seus escritos, ele apresenta interpretações históricas e sociológicas que são
análises de classe, mesmo que implicitamente. Digna de nota aqui é a sua aguda
análise da colaboração entre o governo e a elite bancária em destruir o
padrão-ouro para aumentar seus poderes inflacionários como meio de
redistribuição de renda e riqueza fraudulenta e exploratoriamente em favor
deles próprios. Veja, por exemplo, seu Monetary Stabilization e Cyclical Policy (1928)
in: idem, On the Manipulation of Money and Credit, editado por B. Greaves
(Dobbs Ferry: Free Market Books, 1978); veja também seu Socialism
(Indianapolis: Liberty Fund, 1981), capítulo 20; The Clash of Group Interests
and Other Essays, Occasional Paper no. 7 (Nova York: Center for Libertarian
Studies, 1978). Contudo, Mises não fornece um
status sistemático à análise de classe e à teoria da exploração porque ele em
última análise incorretamente concebe exploração como um mero erro intelectual,
que a análise econômica correta pode dissipar. Ele falha em reconhecer
completamente que a exploração é também, e provavelmente bem mais, um problema
de motivação moral que existe a despeito de toda análise econômica. Rothbard
adiciona este insight à estrutura misesiana da economia austríaca e torna a
análise do poder e das elites de poder uma parte integral da teoria econômica e
das explicações históricas-sociológicas; e ele sistematicamente expande o
argumento austríaco contra a exploração para incluir a ética em adição à teoria
econômica, i.e., uma teoria de justiça lado a lado de uma teoria de eficiência,
pois assim a classe dominante pode também ser atacada como imoral. Para a teoria do poder, classe e
exploração de Rothbard, veja em particular seu Power and Market (Kansas City:
Sheed Andrews and McMeel, 1977); For a New Liberty (New York: McMillan, 1978);
The Mystery of Banking (Nova York: Richardson and Snyder, 1983); America's
Great Depression (Kansas City: Shjeed and Ward, 1975). Sobre os importantes
precursores da análise de classe austríaca, veja L. Liggio, "Charles
Dunoyer e o Liberalismo Clássico Francês", Journal of Libertarian Studies
1, no. 3, 1977; R. Raico, "Classical Liberal Exploitation Theory",
idem; M. Weinburg, "The Social Analysis of Three Early 19th Century French
Liberals: Say, Comte, and Dunoyer", Journal of Libertarian Studies 2,
no.1, 1978; J. T. Salerno, "Comment on the French Liberal School",
Idem; D. M. Hart, "Gustave de MOlinari and the Anti-Statist Liberal
Tradition", 3 partes, Journal of Libertarian Studies 5, nos. 3 e 4, 1981.
10
Sobre isso, veja também H. H. Hoppe, A Theory of Socialism and Capitalism; idem
"The Justice of Economic Efficiency", Austrian Economics Newsletter,
1, 1988; idem, "The Ultimate Justification of the Private Property
Ethics", Liberty, Setembro 1988.
11 Veja
sobre esse tema também Lord (John) Action, Essays in the History of Liberty
(Indianapolis: Liberty Fund, 1985), F. Oppenheimer, System der Soziologie, Vol.
II: Der Staat (Stuttgart: G. Fischer, 1964); A. Ruestow, Freedom and Domination
(Princeton: Princeton University Press, 1986).
12
Sobre isso, veja M. N. Rothbard, "Left and Right: The Prospects for
Liberty" in: idem, Egalitarianism as a Revolt Against Nature and Other
Essays (Washington, D. C.: Libertarian Review Press, 1974).
13 Apesar de toda a propaganda
socialista em contrário, a falsidade da descrição marxista dos capitalistas e
trabalhadores como classes antagônicas também vem a carregar certas observações
empíricas: logicamente falando, as pessoas podem ser divididas em classes de
maneiras infinitamente diferentes. De acordo com a metodologia ortodoxa
positivista (a qual eu considero falsa, mas pretendo aceitar aqui para
argumentar), o melhor sistema de classficação é aquele que nos ajuda a prever
melhor. Contudo, a classifciação de pessoas como capitalistas e trabalhadores
(ou como representantes de variados graus da condição de capitalista ou da
condição de trabalhador) é praticamente inútil para prever qual posição uma
pessoa vai tomar sobre as questões políticas, sociais ou econômicas
fundamentais. Ao contrário disso, a correta classificação de pessoas como
produtores de impostos e regulados vs. consumidores de impostos e reguladores
(ou como representativos de variados graus da condição de produtores ou
consumidores de impostos) é de fato um poderoso previsor. Sociólogos têm quase
sempre negligenciado isso por causa dos preconceitos marxistas quase que
universalmente dividos entre eles. Mas a experiência cotidiana corrobora
esmagadoramente minha tese: descubra se alguém é um funcionário público ou não
(e sua posição e salário), e se a renda e a riqueza de uma pessoa é
determinada, e em qual medida, pelas compras do setor público e/ou pelas ações
regulatórias — as pessoas sistematicamente diferirão na sua resposta às
questões políticas fundamentais, dependendo de suas classificações como
consumidores diretos ou indiretos de impostos ou como produtores de impostos!
14 F. Oppenheimer, System der
Soziologie, vol. 2, pp. 322-23, apresenta a questão dessa forma: "A norma
básica do estado é poder. Isto é, visto pelo lado de sua origem: violência
transformada em poder. Violência é uma das forças mais poderosas para moldar a
sociedade, mas não é em si uma forma de interação social. Ela precisa se tornar
lei no sentido positivo deste termo, isto é, sociologicamente falando, ela
precisa permitir o desenvolvimento de um sistema de 'reciprocidade subjetiva';
e isso só é possível através de um sistema de restrições auto-impostas quanto
ao uso de violência e com a presunção de certas obrigações por seus arrogados
direitos. Neste sentido, a violência é transformada em poder e um
relacionamento de dominação emerge que não é aceito somente pelos governantes,
mas, sob circunstâncias não tão severamente opressivas, também pelos sujeitos,
como expressando uma 'justa reciprocidade'. A partir dessa norma básica, normas
secundárias e terciárias emergem como implícitas nela: normas de direito
privado, de herança, de direito criminal, obrigacional e constitucional, as
quais carregam a marca da norma básica de poder e dominação e que são todas
designadas para influenciar a estrutura do estado de tal forma que aumente a
exploração econômica ao seu nível máximo, o que é compatível com a continuação
da dominação legalmente regulada". O insight fundamental é o de que
"a lei nasce de duas raízes essencialmente diferentes (...): por um lado,
a partir da lei da associação dos iguais, que pode ser chamada de direito
'natural', mesmo que não seja um 'direito natural', e por outro lado, a partir
da lei da violência transformada em poder regulado, a lei dos desiguais".
Sobre a relação entre o direito
privado e público, veja também F. A. Hayek, Law, Legislation, and Liberty, 3
vols. (Chicago:
University of Chicago Press, 1973-79), esp. vol. 1, cap. 6 e vol. 2, pp. 85-88.
15 Veja
J. Buchanan e G. Tullock, The Calculus of Consent (Ann Arbor: University of
Michigan Press, 1965), p. 19.
16 Veja
H. H. Hoppe, Eigentum, Anarchie und Staat (Opladen: Westdeutscher Verlag,
1987); idem, A Theory of Socialism and Capitalism.
17 Veja
H. H. Hoppe, "Banking, Nation States and International Politics",
Review of Austrian Economics vol. 4, 1989; M. N. Rothbard, The Mystery of
Banking, caps. 15-16.
18
Sobre isso em particular, M. N. Rothbard, Man, Economy, and State, cap. 10,
esp. a seção "The Problem of One Big Cartel"; também L. v. Mises,
Socialism, caps. 22-26.
19
Sobre isso, veja, G. Kolko, The Triumph of Conservatism (Chicago: Free Press,
1967); J. Winstein, The Corporate Ideal in the Liberal State (Boston: Beacon
Press, 1968); R. Radosh e M. N. Rothbard, eds. A New History of Leviathan (Nova
York: Dutton, 1972); L. Liggio e J. J. Martin, eds., Watershed of Empire
(Colorado Springs: Ralph Myles, 1976).
20
Sobre o relacionamento entre o estado e a guerra, veja E. Krppendorff, Staat un
Krieg (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1985); C. Tilly, "War Making and State
Making as Organized Crime", in P. Evans et al., eds. Bringing the State
Back In (Cambridge: Cambridge University Press, 1985); também R. Higgs, Crisis
and Leviathan (Nova York: Oxford University Press, 1987).
21 Para uma versão mais
elaborada desta teoria de imperialismo militar e monetário, veja H. H. Hoppe,
"Banking, Nation States and International Politics", Review of
Austrian Economics, vol. 4, 1990.
22 Sobre isso, veja em
particular L. v. Mises, Theory and History (Auburn: Mises Institute, 1985),
esp. parte 2.
23 Pode-se notar aqui que Marx
e Engels, mais pronunciadamente no Manifesto Comunista, defenderam o caráter
historicamente progressivo do capitalismo e elogiaram fortemente suas
conquistas sem precedentes, De fato, revisando as passagens relevantes do Manifesto,
J. A. Schumpeter conclui: "Nunca, eu repito, e em particular por nenhum
moderno defensor da civilização burguesa, nada como isso foi escrito, nada foi
composto dessa forma em favor da classe empresarial com uma compreensão tão
profunda e extensa de quais foram suas conquistas e o que elas significaram
para a humanidade." "The Communist Manifesto in Sociology and Economics", em
Essays of J. A. Schumpeter, editado por R. V. Clemence (Port Washington, N. Y.:
Kennikat Press, 1951), p. 293. Dada essa visão do capitalismo,
Marx foi tão longe a ponto de defender a conquista britânica da Índia, por
exemplo, como um desenvolvimento historicamente progressivo. Veja as
contribuições de Marx ao New York Daily Tribune de 25 de junho de 1853, 11 de
julho de 1853, 8 de agosto de 1853 (Marx e Engels, Werke, vol. 9 [Berlim
Ocidental: Dietz, 1960]). Para um marxista contemporâneo tomando uma posição
similar quanto ao imperialismo, veja B. Warren, Imperialism: Pioneer of
Capitalism (Londres: New Left Books, 1981).
24 Veja
sobre a teoria da revolução, em particular, Charles Tilly, From Mobilization to
Revolution (Reading, Mass.: Addison-Wesley, 1978); idem, As Sociology Meets
History (New York: Academic Press, 1981).
25 Para uma abordagem
neo-marxista da era presente do "capitalismo tardio" caracterizado
por uma "nova desorientação ideológica" trazida à tona pela
permanente estagnação econômica e exaustão dos poderes legitimantes do
conservadorismo e da social-democracia (i.e., "liberalismo" na
terminologia americana), veja J. Habermas, Die Neue Unvebersichtlichkeit
(Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1985); também idem, Legitimation Crisis (Boston:
Beacon Press, 1975); C. Offe, Strukturprobleme des kapitalistischen Staates
(Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1972).
26 Para uma abordagem austríaca-libertária
do caráter de crise do capitalismo tardio e sobre os prospectos para o
nascimento de uma consciência de classe libertária revolucionária, veja M. N.
Rothbard, "Left and Right", idem, For a New Liberty, cap. 15; idem,
Ethics of Liberty (Atlantic Highlands: Humanities Press, 1982), parte 5.
27 Sobre as inconsistências
internas da teoria marxista do estado, veja também H. Kelsen, Sozialismus und
Staat (Wien, 1965).
Hans-Hermann Hoppe (1949) é um
economista/filósofo anarco-capitalista. Ensina economia na Universidade de
Nevada, Las Vegas, e é autor de vários livros sobre filosofia política e
economia. Mantém um website em HansHoppe.com.
Fonte:
libertyzine
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