David Friedman
Paul Feine
- Produzir leis não é um problema mais
fácil que produzir automóveis ou alimentos.
Então se o governo é incompetente
para fazer um bom trabalho produzindo carros e comida, por que você espera que
ele faça um bom trabalho produzindo o sistema jurídico no qual você então vai
produzir os automóveis e alimentos.
Eu sou Paul Feine da Reason.TV, e
estamos aqui na Libertopia em San Diego, Califórnia. Vamos falar com David
Friedman, um graduado na Faculdade de Direito de Santa Clara, economista,
autor, novelista, e é claro, filho de Milton Friedman.
Provavelmente já te perguntaram isso
10 mil vezes nos últimos 40 anos: que é anarcocapitalismo? E como se diferencia
essa versão de anarquismo ou anarquia, de outras concepções mais esquerdistas?
David
Friedman - O termo
anarquia é usado por uma variedade de pessoas de formas diferentes. Mas eu
diria para aqueles que realmente são anarquistas na esquerda, o real problema é
o que os economistas chamam "Problema
da Coordenação".
Você tem uma sociedade com milhões de
pessoas, fazendo coisas que precisam da colaboração de um grande nº dessas
pessoas. Alguns tem que colher alimentos, transformar alimentos em grãos,
entregar para você, pegar o leite, etc...
E como você coordena isso?
Na versão do anarcocapitalismo
expande-se esta forma de coordenação para as funções que o governo atualmente
faz. Para que você tenha leis e forças policias e arbitragem de disputas,
produzidas pelo mercado da mesma forma que os alimentos e automóveis são. Que é
uma história muito mais crível do que afirmar que de alguma forma, as pessoas
de uma maneira inexplicável coordenarão atividades para produzir tudo da forma
certa.
Paul Feine
- De tempos em tempos, libertários e
anarcocapitalistas discutem entre si. Em sua opinião qual é a diferença entre a
concepção libertária de como a sociedade deveria funcionar e a concepção
anarcocapitalista?
David
Friedman - Eu diria que
anarcocapitalismo é uma forma de libertarianismo. Às vezes distinguimos
anarquistas de minarquistas, que significa pessoas que não querem muito
governo, mas ainda querem um pouco.
E o problema fundamental com a
posição minarquista, creio, é acreditarem que o governo é incompetente para
produzir automóveis, alimentos, casas e coisas. E que, portanto a forma correta
de gerir a sociedade é por meio da propriedade privada e do comércio sob uma
estrutura legal que tornaria tudo isso possível. Porém, ao fazer isso, confiam
no governo para gerir essa estrutura legal.
Produzir leis não é um problema mais
fácil do que produzir automóveis ou alimentos, então se o governo é
incompetente para fazer um bom trabalho produzindo automóveis e alimentos, por
que você espera que ele seja competente para produzir o sistema jurídico no
qual você vai produzir os automóveis e os alimentos?
Paul Feine
- O que seu pai achava de suas
tendências anarquistas?
David
Friedman - Acho que,
basicamente, na visão dele, as instituições que descrevi poderiam até
funcionar, mas provavelmente não funcionariam. E minha visão é que elas
poderiam até não funcionar, mas que provavelmente funcionariam. Então não era
um desentendimento muito grande.
Paul Feine
- Poderia apontar alguma época
específica, ou um momento ou lugar na história no qual tivemos algum tipo de
regime que se assemelhou ao anarcocapitalismo? Ou até mesmo se essas ideias vêm
surgindo nos movimentos atuais a favor da privatização?
David
Friedman - Existiram várias
sociedades com certos elementos. Não conheço nenhum exemplo completo da coisa.
Uma das sociedades que discuto no livro, na segunda edição, foi o Estado Livre
Islandês. Foi uma sociedade na qual havia um sistema jurídico, havia cortes,
que eram do governo, por assim dizer. Mas não havia poder executivo no governo.
Então uma vez que você tinha o seu veredicto, você mesmo tinha que aplicá-lo. E
este é um exemplo do que eu chamaria de um sistema de vendeta. O sistema de
vendeta é basicamente um sistema descentralizado de aplicação de direitos.
Uma explicação simples de um sistema
de vendeta é, se você faz algo de errado comigo, ameaço usar violência contra
você. E a sociedade é tão organizada que aquela ameaça é muito mais efetiva se
você realmente tivesse feito algo, do que se você não tivesse feito.
Elementos do sistema de vendeta
existem hoje, pense em coisas como as disputas sobre patentes no mundo da
tecnologia. É tipo um sistema de vendeta, no qual eu não vou te atacar com
armas, eu vou te atacar com advogados.
Mas no sentido
de que o que impede você de me atacar, é o fato de que irei lhe atacar se você
me atacar.
Tem um livro muito interessante do
Robert Ellickson, que era professor de direito na Universidade de Yale, chamado
"Ordem sem Lei", que descreve, nos EUA de hoje, num local próximo de
onde eu vivo, uma área na qual parte do sistema legal ignora as leis da
Califórnia e se baseia em normas da comunidade local. E de fato são ações
privadas que ficam responsáveis pela aplicação das normas.
Então eu creio que características do
que descrevo existiram em vários contextos, mas não creio que o modelo completo
tenha existido em qualquer lugar.
Uma coisa que eu acho interessante nesse sistema legal baseado na restituição é
que quase magicamente crimes sem vítimas deixam de existir. Isso é um
aspecto atrativo.
A restituição é o fator essencial,
porque você pode imaginar que, numa sociedade anarcocapitalista, pode haver
alguns crimes pelos quais não valia a pena as pessoas pagarem perdas e danos e
então você teria que executá-las ou prendê-las, ou algo do tipo. É improvável que eu esteja disposto a pagar
tanto para te impedir de usar drogas quanto você estaria disposto a pagar para
poder usá-las. E o mesmo vale para todos os outros crimes sem vítimas. Então seria surpreendente, porém não
impossível, se tal mercado gerasse tais leis. Mas é possível, se você imaginar
que os sentimentos das pessoas fossem muito firmes. É por isso que eu gosto de
dizer que o anarcocapitalismo não é por definição libertário: o anarcocapitalismo
ser libertário é uma previsão, não uma definição.
Paul Feine
- A última pergunta: você tem
feito parte desse movimento há algum tempo: ideias libertárias por um lado
nunca foram tão populares quanto antes, muitas pessoas jovens estão se
interessando por essas ideias. Ron Paul tem se tornado um herói pra muitas
pessoas. Seu pai é um herói pra cada vez mais pessoas todo ano. Enquanto isso,
nosso governo enfrenta dificuldades, a Europa também. Você é otimista em
relação ao futuro? O que você acha das tendências atuais?
David
Friedman - Creio que
geralmente as coisas estão indo em
ambas as direções ao mesmo tempo: melhorando em alguns aspectos, piorando noutros, internacionalmente
falando. Que a tendência
realmente positiva, creio, são China e Índia. Não que eles sejam muito libertários, mas que eles tem um mercado
muito mais livre do que a 30 ou
40 anos, e estão ficando muito
mais ricos como resultado. E
creio que a maioria das pessoas pode observar essa tendência.
Então a história que era amplamente
aceita nos anos sessenta - a única forma de países pobres ficarem mais ricos
era ter um forte governo central, ter planejamento centralizado e, de
preferência, muita ajuda externa - é tese muito menos aceita agora.
A parte boa em relação aos problemas
na Europa é que os governos podem ficar sem dinheiro, e quando isso acontece,
estão dispostos, às vezes, a considerar vender estatais e se tornarem mais
privatizados. Pode acontecer; podemos esperar.
Mas pode acontecer o contrário, creio
seria um desastre se a Europa fosse pelo caminho oposto e se tornasse um país,
que é a outra direção que vem sendo tomada com os problemas na União Europeia.
Acho que competição é uma coisa boa entre países, e que provavelmente o EUA é
grande demais. Seria melhor se fossemos uns oito ou dez países; presumindo que
teriam um nível razoável de livre mercado, e não ficássemos lutando uns com os
outros.
Da mesma forma, acho que uma das
maiores virtudes da Europa atualmente é que parece que todos os países estão
competindo uns com os outros.
Paul Feine
- Muito obrigado, David. Paul Feine
para a ReasonTV.
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